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sábado, 10 de dezembro de 2022

A loucura de um doido pequeno cubo de vidro

 Todas as minhas noites

As pequenas noites que habitam em mim

São também elas

Um pequeno cubo de vidro

Sem janelas,

 

A noite é só minha

Saio à rua

E roubo todas as estrelas

Depois

Guardo-as,

 

E enquanto te escrevo

Semeio-as nos teus doces lábios de mel

Um dia

Um dia a noite será uma planície de vento

Em direcção ao mar,

 

E uma criança brincará na areia

Livre como os pássaros da minha aldeia

Mas enquanto houver noite

Este cubo de vidro só meu

Viverá na tua loucura,

 

Também eu

Louco

Puxando uma corda invisível

Desenhando beijos nas mãos da geada

E imaginando as tuas mãos nas minhas mãos – enquanto houver noite e geada.

 

 

 

 

 

Alijó, 10/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de dezembro de 2022

O olhar de Deus

 Teus dedos finos e frágeis

Quando a brancura dos teus lábios

Acordam a manhã com um sorriso

 

Poisa a alegria sobre a geada

Como poisam as abelhas nas flores

Que durante a noite acordaram na minha tela

E a minha tela está viva

E brinca numa parede em triste silêncio

 

A noite transporta as estrelas

Que regressam do outro lado da rua

E a alegria que poisa sobre a geada

Desenha o olhar de Deus

Na janela da tua mão

 

Tua mão

Onde habitam os teus dedos finos e frágeis

Que acariciam a minha tela

Que brinca numa parede em triste silêncio

 

E eu termino o dia a contemplar as flores

E as abelhas

 

E as estrelas que regressaram do outro lado da rua.

 

 

 

 

 

Alijó, 04/12/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 4 de dezembro de 2021

Mulher

 

Mulher,

Silêncio que se despe em mim,

E mergulha na noite em papel;

A ousadia de viver,

Vivendo neste jardim,

Jardim a crescer,

Junto a este hotel.

 

Mulher,

Canção envenenada, palavra em revolta.

Mulher, criança mimada,

Mimada à minha volta.

 

Mulher,

Flor silêncio que se despe em mim,

Da noite em combustão,

Mulher,

Mulher de mim,

De mim, corpo paixão.

 

Mulher,

Corpo vestido de morte,

Cansaço desta montanha apagada,

Morte de má sorte,

Sorte em ser geada.

 

Mulher,

Que te vestes de mulher,

E ousas ser outra mulher.

Não te vistas,

Nem te ouses.

Mulher é mulher,

É poema,

Verso enfeitado,

Mulher é flor;

Não o sejas porque alguém o quer,

Porque mulher

É chama,

É livro envenenado,

É palavra e é amor.

Mulher,

Mulher é mulher,

Mulher é flor,

Mulher é amor.

 

Mulher,

Silêncio que se despe em mim,

E mergulha na noite em papel;

Mulher,

Não queiras ver o meu jardim,

Jardim de mulher,

Mulher

É amor,

É flor;

Mulher

É mulher,

Mulher é palavra semeada,

Mulher,

Mulher é livro, mulher é batel,

Mulher é poesia encantada,

Mulher,

Mulher é mulher,

Mulher de geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4/12/2021

domingo, 20 de outubro de 2019

Corpo de geada


(para ti, meu amor)

 

 

Tenho na mão um punhado de areia.

Tenho dentro de mim uma jangada de saudade,

Que navega no teu peito, meu amor.

No silêncio uma camuflada veia,

Onde escrevi liberdade,

Das palavras lágrimas de uma flor.

Tenho no corpo a lápide, a estonteante dor.

Tenho na mão um punhado de areia.

Uma caravela indesejada,

Que vagueia…

E semeia,

No meu corpo a geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2019

sábado, 12 de outubro de 2019

Noites de geada


Sou o Sol que te aquece nas noites de geada.

Sou a parede do teu quarto que te acorda na madrugada.

Sou uma criança mimada.

Que brinca na sombra da alvorada.

Sou pedra perfumada.

Sou poema da palavra iluminada.

Sou o mar enfurecido numa Lisboa amada.

Sou livro, sou palavra assassinada.

Sou criança em risada.

Sou menino sem nada.

Sou espingarda.

Pistola abandonada.

Sou soldado do amor à procura de nada.

Sou eu que te escrevo na noite calada.

Sou calçada.

Sou o desejo no teu olhar, sou palavra riscada.

Sou o Sol, e mais nada.

Sou pedra cansada.

Sou socalco olhando o rio da saudade, sou a felicidade da hora amargurada.

Mas no final do dia, não sou nada!

Nada!

Apenas uma bandeira hasteada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

12/10/2019

sábado, 6 de janeiro de 2018

Esqueletos de xisto


Somos canções de espuma.

Somos corações de aço em revolta,

Somos o tecto da sonolência repartido pelo perfume da tarde,

Somos a esperança,

Somos os socalcos embalsamados junto ao rio…

Somos canções de luta,

Cansada noite entre sombras e cabeças de vidro,

As ruas, os edifícios mórbidos dos condomínios desassossegados,

Somos palavras,

Poemas, somos livros desajeitados,

Nas salinas do amanhecer,

Somos Pátria,

Somos sonâmbulos enfeitados de espuma…

Nas canções de espuma.

Somos a liberdade,

Somos os jardins abraçados à liberdade,

Somos desempregados, homens, mulheres e crianças,

No circo da aldeia,

Somos a bandeira,

Somos a esplanada junto ao mar,

Somos a noite,

Antes de acordar.

Somos equações, metáforas e limões…

Somos cabrões,

Árvores da inocência,

Somos o Inverno,

Nas lareiras do Inferno,

Somos o vento,

A geada e o pensamento,

Somos tudo o que quiserem…

Só não somos esqueletos de xisto.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 6 de Janeiro de 2018

sábado, 2 de dezembro de 2017

A espuma que embrulha o teu jardim


O silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o banho imaginário nas traseiras da casa onde habita o teu jardim, o teu corpo é um esqueleto de veludo, fossilizado nos fantasmas da noite, regressa o mar, traz na algibeira as flores da madrugada, simples, magoadas, como as sentinelas da morte,

O ausentado menino dos socalcos de xisto, que brinca nas margens do rio envenenado pelas enxadas da insónia, tenho medo, tenho medo dos alicerces da dor quando do teu corpo apenas consigo observar estrelas e fumo…

Ao amanhecer,

A trovoada que abraça a parede granítica do sonho, o miúdo complexo em círculos no quintal infestado de Mangueiras e Mangas, e quando ele percebe, tem um papagaio em papel brincando entre os finos dedos, não chove, deixou de chover nesta terra, deixei de ouvir o cheiro da terra queimada, e o poço é cada vez mais fundo, observo-o, alimento-o, e sinto o peso das plumas nocturnas dos bares de Lisboa,

Ao amanhecer, os vidros das janelas rangem de frio, a lareira morta na esperança de acordar de madrugada, e o silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o banho imaginário nas traseiras da casa onde habita o teu jardim, cobertos por um finíssimo cobertor de geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 2 de Dezembro de 2017

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O corpo de matar!


Este amontoado de sucata que apelidaram de corpo

Enferrujado como os ventos que assombram a montanha

Encurralado nos rochedos desde o amanhecer

Até ao sol-posto,

Não quero querer

Que este corpo pertence à geada

Que este corpo é feito de velhos papeis e ossos em poeira

Esquecido numa velha calçada,

Não quero querer

Que este corpo brincou na eira

E hoje faz-se transportar pelas palavras envenenadas

Entre marés de sono e noites cansadas,

Ai… ai este corpo amontoado de sucata amordaçada

Vivendo da escuridão da cidade

Sem janelas para o mar

Sem vida, sem idade,

Este amontoado de sucata

que apelidaram de corpo…

não é de prata

nem sequer oiro maciço…, mas é o meu corpo, o corpo de matar!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

seiva repatriada deste corpo indefeso


não serás o último silêncio de mim

todas as noites oiço a tua voz espalmada nos rochedos junto ao mar

todas as noites vejo as tuas mãos poisadas na geada

e de caligrafia em caligrafia

escreves-me

e abraças-me

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 29 de Outubro de 2015

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Em socalcos


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


tento mergulhar nos teus braços
como se eu fosse um deserto esquecido no mapa
como se eu fosse um cubo de areia
ou... ou uma rua sem nome
na cidade que incendeia
e come
as palavras da liberdade
as palavras da madrugada,
o fumo constrói nos meus lábios montanhas de neve
e fios de gelo
lâmpadas de silêncio
e medo...
e tento
tento mergulhar nos teus braços
como uma criança faminta
uma árvore encaixotada
que o Oceano transportou
e perdeu...
num qualquer porto
numa qualquer baía,
e eu
eu não sabia
que os teus braços são de porcelana
que o teu corpo são socalcos olhando o rio...
e poisa na minha cama
em cio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira. 9 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O feiticeiro dos barcos plastificados


(desenho de Francisco Luís Fontinha)

O lavatório permanecia triste, havia uma sombra ensanguentada de lágrimas,
Não percebi,
No espelho, o meu rosto desintegrava-se como se eu fosse um cometa, um pedaço de cartão, ou... ou uma caneta escondida numa mão, um muro sólido, robusto... um pulmão quase a rebentar, e os cigarros dançavam sobre os meus ombros, e as palavras atrapalhavam os meus sonhos,
Não percebi, as ratazanas nos cinzeiros de prata, esqueletos de cigarros esperando a chegada do cangalheiro, e no cemitério alguém perguntava
Morreu de quê?
Porra,
E no cemitério alguém perguntava se as cidades são os esconderijos do amor, se as ruas são os sorrisos de uma qualquer flor, e que não, pode lá ser, respeitadamente respondi-lhe
Morreu,
Morreu enquanto olhava a tristeza do lavatório e tentava conversar com a sombra ensanguentada de lágrimas, nada mais do que isso,
Isso... o quê?
Trazia um casaco bordado com lantejoulas, durante a noite sentia-me o palhaço mais pobre do circo da minha aldeia, nunca tinha poisado a minha mão na neve,
Mãe... o que é a NEVE?
Morreu de quê?
Porra,
No espelho, os alicates da saudade suspensos no olhar da madrugada, uma canção voava sobre os telhados de silêncio, não,
Medo?
Nunca tive medo...
Não, nunca tinha tocado na neve, não, nunca tinha sido aliciado pela geada em plena madrugada, e o feiticeiro dos barcos plastificados gritava
Morreu...
E o barco não flutuava, lançava-me ao tanque público... e mergulhava para salvar o meu barco plastificado, e percebi
Não
E percebi que tinha sido enganado, este maldito barco nunca sairá deste tanque sem nome, nómada, anónimo
Como eu?
Sim como eu,
Sim... sim como tu,
E hoje, sinto saudades do lavatório de ferro... e rangem as suas tenras pernas recheadas de reumático, como rangiam os meus dentes quando a geada comia a madrugada,
Medo?
Não, nunca tive medo...
Mãe... o que é a NEVE?
Morreu de quê?


(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2015

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

... que acorde então a madrugada

foto de: A&M ART and Photos

As suas siglas perfumadas subindo as escadas do desejo
abraçando as singelas sílabas abandonadas que espreitam a madrugada entre o cortinado e a alvorada
sinto o bater das pérolas negras que caminham corredor abaixo... e na paragem do eléctrico
junto à porta que dá acesso à biblioteca
os teus seios mergulhados na argila manhã de triste neblina
criança ainda
perfumada
a sigla de ti acompanha as outras siglas deles até que acorde o Pôr-do-Sol
que venha a noite e traga muitos amigos
feiticeiros e feiticeiras
janelas e abrigos
bandeiras... portas e luares sem Janeiro...

As suas siglas perfumadas subindo... coitadas as derreadas canções de Abril
(Ora aí está... que acorde então a madrugada, que se abram todas as janelas, e que o dia finja ser um belo domingo, sol, muito sol... e ao longe... ao longe a praia, os coqueiros...)
os silêncios de mim entranhados nas tuas mãos
sentia-te saltitar sobre as finas areias da Baía...
os barcos nossos lançavam-se nos teus seios... e sabia-te sentada sobre as mangueiras do amanhecer...

O fogo permanece na tua alma inconstante
o fogo alicerça-se nos teus olhos de sincelo... e sem o saberes uma flor quadriculada dança nas pálpebras húmidas da paixão
dormes sem mim porque o infinito acontece todas as noites depois dos dispersos horários se debruçarem no varandim com telhados de prata
a tua pele fervilha e arde
e o fogo em ti é como as palavras em mim
nada de especial
o papel simples e informal...
sem gravata
sem... sem as apaixonadas mulheres nas borboletas de veludo que a luz ilumina
quero gritar não consigo
consigo gatinhar sobre a geada Aurora e não o quero
quero... e não percebo porque morrem todas as siglas perfumadas subindo as escadas do desejo.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2014

sábado, 30 de novembro de 2013

cigarros embalsamados

foto de: A&M ART and Photos

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão
havíamos construído o pêndulo do desejo
que ficou no centro do vulcão teu beijo
às derramadas sílabas que a paixão enfurece
emagrece a montanha branca das ribeiras desertas
abraças-me em longos ramos de cetim
que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho
salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados
e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados
uma gaivota poisa nos teus seios de cartão
e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas
salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros
uivam os lobos do teu orgasmo
entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...
a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho
a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho
tenho medo de ti
como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade
sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados
e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela
um doente mental diplomado
descendo e subindo
escadas corpos medos
e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

frio gelatinoso

foto de: A&M ART and Photos

o frio gelatinoso dos teus ossos de prata
quando se engrenavam no meu cansado esqueleto de lata
mórbido papel onde jaziam as alegres palavras da madrugada
tínhamos na mão o peso desmesurado da geada clandestina
que o relógio de pulso escrevia na alvorada
as sílabas envergonhadas da musa menina
o frio entranhava-se nos oleosos cobertores de menta
e havia sobre a mesa-de-cabeceira um livro cadáver com sabor a pimenta
a madrugada das palavras congelava como congelam as hélices dos cucos de porcelana...
havia mendigos à procura de uma cama
e tu desproporcionada
envergonhavas as gotículas suicidadas
que a tarde construía nos lençóis de pura virgem lã... doces línguas de desejo
(o frio gelatinoso das engasgadas bocas com flores de lábios charlatães
fundiam como chumbo no cacifo do corredor antes de acordar o pôr-do-sol)
o frio gelatinoso das mãos diurnas aquecem os dedos da palavra apaixonada
vagabundas pernas de aço descendo as calçadas
e no entanto... tínhamos um piano em sexo embrulhado no silêncio beijo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 20 de Novembro de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

Nem sombras rompiam pelas árvores que eu imaginava existirem

foto: A&M ART and Photos

Um, depois dizes-me que adormeço enquanto ficas sentada a olhar-me, porque sabes que eu detesto que me olhem, porque eu detesto que se comportem comigo como se eu fosse uma estátua sobreposta entre a luz e multidão, entre homens e mulheres, em delírio, revoltos os cabelos semeados na planície obscura da sangrenta sinfonia em palavras ainda não escritas,
Gostas de mim?
Talvez, e um dia acordamos, e a noite deixa de padecer aos movimentos corporais das amendoeiras em flor, a cerejeira do quintal sem os significativos sinais vitais, deixamos de a ouvir durante a noite, e de queixume em queixume, optou pelo silêncio,
Não sei!
Gostas? Gostas... vá lá, diz-me?
Não sei o que são janelas quando aprendi em miúdo que das janelas só vinham bichos, ou serviam, nem sempre, para imaginarmos o mar pintado nos vidros, alguns deles, quebrados, outros, já tinham partido para longínquos lugares, apenas resistiram as escadas em granito, e todo o resto, morreu, a porte de entrada, sucumbiu numa noite de Inverno, cessou a respiração e daí em diante ficou entreaberta, nunca mais ficou de boa saúde e a fechadura em recusa pelas drageia receitadas pelo senhor Armindo, aos poucos... trocá-mo-la por um cordel que de baixo custo tinha tudo e de nada no servia gritarmos contra as paredes do compartimento dividido por meia dúzia de metros quadrados de chita, de uma lado ficava a sala de jantar, e do outro
Não sei...
E
Do outro
Gostas?
O meu quarto, com uma porta meio envidraçada, meio esburacada, com vista insuflável como os pneumáticos dos roncos automóveis quando regressava a gripe, quando eu ia à varanda, e nada, nem sombras rompiam pelas árvores que eu imaginava existirem, e que nunca passaram da minha imaginação, e do outro, do outro, um pequena torradeira servia-nos de aquecedor, e o Janeiro foi tão frio que quando acordei pela manhã, as escadas de granito eram lâminas de gelo, o o céu aprecia cinzento, e não nuvens hoje pela manhã, e aos poucos, descobri que até novas ordens estava acorrentado ficticiamente a uma mesa e a quatro cadeira, velhas, tão velhas que ouvíamos o caruncho mergulhar aos peixes do chafariz também ele, congelado, também ele, como eu, acorrentado, ficticiamente...
Não, não sei se gosto de persianas, também eu, ficticiamente existente, chorando, rindo, vomitando alimentos que não me recordo de os ter algum dia ingerido, tudo, e apenas, milagres da vida, da fé, e da alegria de viver numa casa acabada de morrer, e desde a morte da cerejeira, não sei
Talvez!
Penso que nunca mais comi cerejas, e hoje, sei que elas existem, porque oiço da tua bocas soníferos sons saboreando pratos vazios que imaginas estarem cobertos de coloridas encarnadas cerejas de papel, e sim, talvez não, sei lá..., os significativos sinais vitais, deixamos de a ouvir durante a noite, e de queixume em queixume, optou pelo silêncio, porque falar muito provoca hemorróides como depois viemos a confirmar, quando eles se levantaram da cadeira almofadada, com rodinhas, e meu Deus... o cheiro intenso a madeira de putrefacto cadáver de lata; e há pessoas com uma tal lata..., mas que lata, das grandes.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os motores com cavalos cinzentos

Percebia-se pelas pálpebras dele, azuis com sabor a pedacinhos de inocência, que a chuva trazia na algibeira a digestão fictícia dos carrinhos de choque que da infância deixaram estacionados junto ao berço de madeira prensada, calculava pelo peso da noite que não eram mais do que três magras horas da madrugada, chorava, não dormia, e sentia-se que dentro dele viviam parafusos de aço com defeito de fabrico, a garantia tinha cessado, as torres tinham acabado de cair entre os imensos plátanos virgens e os outros, quaisquer, barcos envelhecidos, doidos varridos, deitados sobre as tábuas da ignorância, dele, e eras uma criança. doida às vezes, dócil também, poucas, nenhumas, quaisquer
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra, e quando lhe perguntavam
Gostas de cá andar, e ele com rosto de incenso respondia quase sempre Às vezes, depende, e nunca percebi o que queria ele dizer com Às vezes, depende
Acordava o dia, retiravam-lhe a fralda de pano encharcada numa espessa massa amarelada intensamente com um cheiro horrível, indesejado, que aos poucos ia ocupando cada milímetro quadrado da casa de Lisboa, um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo, ouvia-se o rosnar da fera amansada criança deitada no sofá à espera que lhe trocassem a fralda de pano por outra fralda de pano, limpa, lavada, e o motor aos tropeções avançava mar adentro até desaparecer nas velhas cristas das ondas de espuma que os cigarros embebidos em cerveja emagreciam como tremoços numa esplanada de Belém, sexta-feira, e nada de novo, foi-se e não regressou mais
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Chegava ao balcão e pedia incessante e audaz ao empregado “Destroque-me” esta nota para tirar cigarros, e ela
Não se diz “Destroque-me”, tá ver Francisco, isso não existe, correctamente é Troque-me esta nota para tirar cigarros, e eu acreditava mesmo que os ossos de pano que às vezes me embrulhavam tinham saído de validade há tempo suficiente, só podia, não encontrava outra explicação para o tão grande aglomerado de homens e mulheres à porta de minha casa, gritando
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela, da janela vinha-nos o medo das coisas como as simples flores encarnadas com lacinhos de cetim que eu nunca soube como se chamavam e tu, quando eu chegava a casa, simplesmente deitavas no caixote do lixo e dizias em voz alta para que eu ouvisse e não esquecesse nunca
Não quero mais esta porcaria, odeio flores encarnadas com lacinhos de cetim,
E eu,
E ela,
Olhavam-me depois de trocarem-me a fralda de pano, abria a boca e sorria, sorria quando sabia que da janela vinham as imagens tricolores com pequenos fios de prata, sorria porque tinha acabado de beber o saborosíssimo e inconfundível leite materno, sorria porque
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra,
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó