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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Em socalcos


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


tento mergulhar nos teus braços
como se eu fosse um deserto esquecido no mapa
como se eu fosse um cubo de areia
ou... ou uma rua sem nome
na cidade que incendeia
e come
as palavras da liberdade
as palavras da madrugada,
o fumo constrói nos meus lábios montanhas de neve
e fios de gelo
lâmpadas de silêncio
e medo...
e tento
tento mergulhar nos teus braços
como uma criança faminta
uma árvore encaixotada
que o Oceano transportou
e perdeu...
num qualquer porto
numa qualquer baía,
e eu
eu não sabia
que os teus braços são de porcelana
que o teu corpo são socalcos olhando o rio...
e poisa na minha cama
em cio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira. 9 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O feiticeiro dos barcos plastificados


(desenho de Francisco Luís Fontinha)

O lavatório permanecia triste, havia uma sombra ensanguentada de lágrimas,
Não percebi,
No espelho, o meu rosto desintegrava-se como se eu fosse um cometa, um pedaço de cartão, ou... ou uma caneta escondida numa mão, um muro sólido, robusto... um pulmão quase a rebentar, e os cigarros dançavam sobre os meus ombros, e as palavras atrapalhavam os meus sonhos,
Não percebi, as ratazanas nos cinzeiros de prata, esqueletos de cigarros esperando a chegada do cangalheiro, e no cemitério alguém perguntava
Morreu de quê?
Porra,
E no cemitério alguém perguntava se as cidades são os esconderijos do amor, se as ruas são os sorrisos de uma qualquer flor, e que não, pode lá ser, respeitadamente respondi-lhe
Morreu,
Morreu enquanto olhava a tristeza do lavatório e tentava conversar com a sombra ensanguentada de lágrimas, nada mais do que isso,
Isso... o quê?
Trazia um casaco bordado com lantejoulas, durante a noite sentia-me o palhaço mais pobre do circo da minha aldeia, nunca tinha poisado a minha mão na neve,
Mãe... o que é a NEVE?
Morreu de quê?
Porra,
No espelho, os alicates da saudade suspensos no olhar da madrugada, uma canção voava sobre os telhados de silêncio, não,
Medo?
Nunca tive medo...
Não, nunca tinha tocado na neve, não, nunca tinha sido aliciado pela geada em plena madrugada, e o feiticeiro dos barcos plastificados gritava
Morreu...
E o barco não flutuava, lançava-me ao tanque público... e mergulhava para salvar o meu barco plastificado, e percebi
Não
E percebi que tinha sido enganado, este maldito barco nunca sairá deste tanque sem nome, nómada, anónimo
Como eu?
Sim como eu,
Sim... sim como tu,
E hoje, sinto saudades do lavatório de ferro... e rangem as suas tenras pernas recheadas de reumático, como rangiam os meus dentes quando a geada comia a madrugada,
Medo?
Não, nunca tive medo...
Mãe... o que é a NEVE?
Morreu de quê?


(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2015

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

E se um dia eu te oferecer flores?
Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz, as palavras sobre a aldeia onde nasci, vazia
E se um dia eu te oferecer flores? Provavelmente não será amor, acredito que seja o meu velório, e possivelmente não o será, provavelmente seja um casamento, o teu baptizado, talvez, um dia, percebas os meus poemas que escrevi, e deixei
De escrever?
Sobre a aldeia vazia, perdidamente entre duas distâncias, um ponto insignificante algures no Rossio, ou uma recta paralela ao rio tal como os carris que te levavam para Belém, ou talvez
O que me dizes das flores?
De escrever, ou talvez sobeja um ponto final para colocar no paragrafo em suspenso, à espera que regresses do outro lado da circunferência amarela, os círculos de luz, abelhas envenenadas pelas garras ciumentas da tua boca carnívora, enfeitada com cigarros de enrolar e pedacinhos de pétalas de papel,
Ou talvez
De escrever, desesperar até que a morte nos separe, acredites, não acredites, eu vou partir, oiro, marfim, ou talvez, dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telhados são como as flores que tenciono oferecer-te, ou talvez não, ou
Infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telegramas (telegramas?) dir-te-ia que os telhados de papel sobre a aldeia onde nascia arderam, tal como as flores, tal como os poemas do Inverno de écharpe na cabeça à lareira da sonolência à espera que o livro poisado na mão acordasse e se transformasse em simples criança desenhando sonhos nas paredes escuras, nas paredes frias, dos vidros que guardam as janelas
Do amor.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó