(desenho
de Francisco Luís Fontinha)
O
lavatório permanecia triste, havia uma sombra ensanguentada de
lágrimas,
Não
percebi,
No
espelho, o meu rosto desintegrava-se como se eu fosse um cometa, um
pedaço de cartão, ou... ou uma caneta escondida numa mão, um muro
sólido, robusto... um pulmão quase a rebentar, e os cigarros
dançavam sobre os meus ombros, e as palavras atrapalhavam os meus
sonhos,
Não
percebi, as ratazanas nos cinzeiros de prata, esqueletos de cigarros
esperando a chegada do cangalheiro, e no cemitério alguém
perguntava
Morreu
de quê?
Porra,
E no
cemitério alguém perguntava se as cidades são os esconderijos do
amor, se as ruas são os sorrisos de uma qualquer flor, e que não,
pode lá ser, respeitadamente respondi-lhe
Morreu,
Morreu
enquanto olhava a tristeza do lavatório e tentava conversar com a
sombra ensanguentada de lágrimas, nada mais do que isso,
Isso...
o quê?
Trazia
um casaco bordado com lantejoulas, durante a noite sentia-me o
palhaço mais pobre do circo da minha aldeia, nunca tinha poisado a
minha mão na neve,
Mãe...
o que é a NEVE?
Morreu
de quê?
Porra,
No
espelho, os alicates da saudade suspensos no olhar da madrugada, uma
canção voava sobre os telhados de silêncio, não,
Medo?
Nunca
tive medo...
Não,
nunca tinha tocado na neve, não, nunca tinha sido aliciado pela
geada em plena madrugada, e o feiticeiro dos barcos plastificados
gritava
Morreu...
E o
barco não flutuava, lançava-me ao tanque público... e mergulhava
para salvar o meu barco plastificado, e percebi
Não
E
percebi que tinha sido enganado, este maldito barco nunca sairá
deste tanque sem nome, nómada, anónimo
Como
eu?
Sim
como eu,
Sim...
sim como tu,
E
hoje, sinto saudades do lavatório de ferro... e rangem as suas
tenras pernas recheadas de reumático, como rangiam os meus dentes
quando a geada comia a madrugada,
Medo?
Não,
nunca tive medo...
Mãe...
o que é a NEVE?
Morreu
de quê?
(texto
de ficção)
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira,
8 de Janeiro de 2015
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