foto: A&M ART and Photos
|
Um, depois dizes-me que adormeço enquanto ficas
sentada a olhar-me, porque sabes que eu detesto que me olhem, porque
eu detesto que se comportem comigo como se eu fosse uma estátua
sobreposta entre a luz e multidão, entre homens e mulheres, em
delírio, revoltos os cabelos semeados na planície obscura da
sangrenta sinfonia em palavras ainda não escritas,
Gostas de mim?
Talvez, e um dia acordamos, e a noite deixa de
padecer aos movimentos corporais das amendoeiras em flor, a cerejeira
do quintal sem os significativos sinais vitais, deixamos de a ouvir
durante a noite, e de queixume em queixume, optou pelo silêncio,
Não sei!
Gostas? Gostas... vá lá, diz-me?
Não sei o que são janelas quando aprendi em miúdo
que das janelas só vinham bichos, ou serviam, nem sempre, para
imaginarmos o mar pintado nos vidros, alguns deles, quebrados,
outros, já tinham partido para longínquos lugares, apenas
resistiram as escadas em granito, e todo o resto, morreu, a porte de
entrada, sucumbiu numa noite de Inverno, cessou a respiração e daí
em diante ficou entreaberta, nunca mais ficou de boa saúde e a
fechadura em recusa pelas drageia receitadas pelo senhor Armindo, aos
poucos... trocá-mo-la por um cordel que de baixo custo tinha tudo e
de nada no servia gritarmos contra as paredes do compartimento
dividido por meia dúzia de metros quadrados de chita, de uma lado
ficava a sala de jantar, e do outro
Não sei...
E
Do outro
Gostas?
O meu quarto, com uma porta meio envidraçada, meio
esburacada, com vista insuflável como os pneumáticos dos roncos
automóveis quando regressava a gripe, quando eu ia à varanda, e
nada, nem sombras rompiam pelas árvores que eu imaginava existirem,
e que nunca passaram da minha imaginação, e do outro, do outro, um
pequena torradeira servia-nos de aquecedor, e o Janeiro foi tão frio
que quando acordei pela manhã, as escadas de granito eram lâminas
de gelo, o o céu aprecia cinzento, e não nuvens hoje pela manhã, e
aos poucos, descobri que até novas ordens estava acorrentado
ficticiamente a uma mesa e a quatro cadeira, velhas, tão velhas que
ouvíamos o caruncho mergulhar aos peixes do chafariz também ele,
congelado, também ele, como eu, acorrentado, ficticiamente...
Não, não sei se gosto de persianas, também eu,
ficticiamente existente, chorando, rindo, vomitando alimentos que não
me recordo de os ter algum dia ingerido, tudo, e apenas, milagres da
vida, da fé, e da alegria de viver numa casa acabada de morrer, e
desde a morte da cerejeira, não sei
Talvez!
Penso que nunca mais comi cerejas, e hoje, sei que
elas existem, porque oiço da tua bocas soníferos sons saboreando
pratos vazios que imaginas estarem cobertos de coloridas encarnadas
cerejas de papel, e sim, talvez não, sei lá..., os significativos
sinais vitais, deixamos de a ouvir durante a noite, e de queixume em
queixume, optou pelo silêncio, porque falar muito provoca
hemorróides como depois viemos a confirmar, quando eles se
levantaram da cadeira almofadada, com rodinhas, e meu Deus... o
cheiro intenso a madeira de putrefacto cadáver de lata; e há
pessoas com uma tal lata..., mas que lata, das grandes.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Sem comentários:
Enviar um comentário