Mostrar mensagens com a etiqueta Douro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Douro. Mostrar todas as mensagens

domingo, 19 de abril de 2015

Sentido proibido


A vida do sentido proibido

O escoamento do líquido adormecido

Nas mãos do sem-abrigo

Esquecido

Faz da cidade

O amor em quadriculadas paixões de medo

Dorme acreditando que não acordará mais

Sonha com triângulos de luz

Saltitando no tecto do desejo

A vida

Esta vida

Embrulhada no invisível beijo

 

Não o vejo

Meu amor

Deixei de o ver desde o dia do Adeus

Quando os Cacilheiros da nossa cama

Se afundaram no poço do prazer

Tínhamos os livros exilados

Das tempestades do sofrimento

E mesmo assim

A vida do sentido proibido

Não brinca dentro de nós

O cigarro nos teus dedos

E nunca fumaste

 

Imaginava-te em frente do espelho da solidão

Procurando rugas

E aranhas zangadas com o silêncio

Dos teus peixes

Meu amor

As espinhas

E o pó dos Oceanos enferrujados

Os barcos de água

Galgando as coxas da inocência

Como um bolo

De chocolate

Na boca de uma criança

 

Dormíamos com o Tejo pintado no teu corpo

Regressavam os petroleiros

E sentíamos os apitos das gaivotas de aço

Poisando

Em pequenas plataformas de espuma

Até… até adormecerem no teu colo

Olhava-as

Fazia-lhes festas como se fossem os nossos filhos

Que nunca viram a madrugada

Nem a manhã

Dançando nos teus lábios

Tínhamos o mundo dos vulcões de areia

 

E as pinceladas conchas do primeiro abraço

Tínhamos os socalcos do Douro

Encurvados nas lâminas da insónia

E o vento folheava o teu cabelo

Entre espadas e balas de amêndoa

Canso-me

Meu amor

Da escrita e das palavras

Dos livros

E das coisas parvas

Canso-me das fotografias que me tiraram na infância

Sempre o mesmo ranhoso

 

Sempre…

Sempre a mesma sombra sobre os ombros

Frágeis

Magoadas conversas

Nós

Perdidos num jardim de província

Sem barcos

Sem Calçadas

Sem gajas

Nem gajos

À pedrada

À pancada

 

Como os Monstros do Tejo

Quando dormíamos

E entravam nos nossos corpos de néon

Faziam-nos o que não queríamos fazer

E nós

Impávidos

Perdidos num jardim de província

A declamarmos poesia roubada na Feira da Ladra…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Abril de 2015

terça-feira, 14 de abril de 2015

O vento me abraça, o vento me enlaça, o vento…


O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas

O meu cão fugiu de casa

Ou fartou-se da casa

Ou cansou-se das minhas palavras

E nem o vento o traz

 

E nem o vento me leva

Como o faz

Às folhas caducas de uma árvore

Ou aos cabelos desalinhados da doença

Não toca nas páginas escritas sobre a minha secretária

Nem nos livros não lidos

Por falta de tempo

Por falta de vontade para o fazer

O vento não passa por mim

Não me abraça

Nem dá força à tua barcaça

Que andas à deriva

 

Num Oceano sem nome

Algures entre Luanda

E

E Lisboa

O vento

Esquece

O vento esquece a criança que vive dentro de mim

Que brincava num quintal

Recheado de sombras e cheiros

Que trouxe

Mas com o tempo se perderam nos socalcos do Douro

E outro vento

 

Os levou

Para outro Oceano

Tão distante

Meu amor

Tão distante que nem à velocidade da luz

Eu

A criança

Conseguia alcançá-los

Os calções

Os papagaios de papel


Longe

 

Procurando outro vento

Numa outra cidade

Sem ruas

Sem pessoas para amar

Apenas cinzas

De um velho cigarro

Suspenso

Entre dedos

E rochedos

(O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

 

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas)

Como o sorriso do teu amanhecer

Junto ao Tejo

Os cacilheiros embriagados de transeuntes

Apressados

Tão apressados

Que

Que deixaram de sentir o vento

 

Como eu

Eu

A criança do baloiço

Inventando círculos de prata

Nas manhãs engolidas pelo cacimbo

O vento

O vento é uma desgraça

Não passa

Nem me abraça…

A cabeça estoira

E a chuva pendura-se

No vento que de mim desistiu.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 14 de Abril de 2015

terça-feira, 31 de março de 2015

O fim


O fim

Duas rectas paralelas…

… Abraçadas

No infinito cansaço

A sinfonia das pálpebras em veludo

Na sombra do amor

Gaivotas tontas

Tontas… tontas flores de papel

Sobre o teu ventre

Envenenado

O fim

Duas

 

Rectas

Longas

Infinito…

Abraçadas

Triste

A distância

Triste

A solidão nos dias em companhia

Os livros

Me alimentam

Abro a janela

O Douro à espreita

 

Nos barcos azuis da madrugada

O comboio pára

Os homens e as mulheres

Nos livros

Triste

Infinito…

E longas

As tardes sem ti

Adormecia no teu colo

E inventava aviões de musgo prensado

Olhava as lâmpadas dos teu olhar

O tecto dos teus seios

 

No mar

O comboio se esconde no teu púbis

E entre apitos

Uma nova paragem

As mão

Escalam o teu corpo de cera

Em chamas

Não sei o teu nome

Meu amor

Sei o dia em que nasci

Sei o dia em que vi o mar pela primeira vez…

Mas o teu nome

 

Meu amor

As mãos

Nos livros

Triste

Infinito…

E longas (pernas)

Ruelas sem saída

Mulheres de ébano

Semeadas no passeio da ilusão

O esqueleto meu amor

Dançando sobre a praia

Nua (ela ou ela?).

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 31 de Março de 2015

domingo, 15 de março de 2015

farrapos de vidro...


o engate suspenso nos anzóis da tarde
à mão
regressa a caneta da solidão
e há nuvens de papel nos olhos do poema
és livre
de voar
sobre os corações de xisto
que habitam as imagens a preto e branco
do Douro
navegar
subir ao luar
e,

e abraçar-se aos vulcões de areia
dos homens
e das mulheres
de sombra,

imaginar
desenhar nas entranhas pálpebras de amar
o silêncio do beijo
à janela
o mar avança e nos leva
somos dois
talvez...
três
o engate
à mão
suspenso nos anzóis da tarde
a tarde... a tarde dos farrapos de vidro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015

sábado, 3 de janeiro de 2015

estas mãos de ninguém


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


estas mãos se cruzam no Oceano tua pele
mergulhando nas tuas pálpebras de madrugada
estas mãos te amam
e acariciam
nas tardes envenenadas pelo desejo
estas mãos de ninguém
com todos os cheiros da sanzala
estas mãos de ninguém
com todos os sons do amanhecer
que só o perfume de uma rosa consegue desenhar
e... e escrever
nas sombras do mar
estas mãos se cruzam no Oceano tua pele
que o barco do meu amor suavemente desliza...
como todas as palavras soltas
como todos os vinhedos suspensos no sorriso de uma enxada
estas mãos te amam
e acariciam
estas mãos de ninguém
que o tempo come
e despoja as suas cinzas no cemitério nocturno das gaivotas sem nome...
estas mãos
estas mãos se cruzam
quando todas as luzes se apagam e todos os corpos morrem...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 3 de Janeiro de 2015

domingo, 30 de novembro de 2014

Candeias da saudade


Sinto as tuas mãos
meu marinheiro iletrado
ensanguentadas
poisadas nos meus ombros de xisto
o rio se entranha nas minhas veias
no meu peito socalcos se embriagam
e sentem
o peso da despedida,

a lentidão da esperança
mergulhada no lixo poético do meu cansaço
e há mulheres tão lindas... esperando um abraço,

e há mulheres tão lindas... esperando um beijo
e sinto
as tuas mãos meu marinheiro iletrado
quando as candeias da saudade acordam
e fingem
que hoje é dia dos tentáculos de sal
das palavras enxertadas de insónia
e meu querido...
as minhas palavras são a febre que alimentam as hélices do corpo em cio
e do clitóris da estória...
sinto as tuas mãos...
meu querido!




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Novembro de 2014

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pássaros sem nome


Tudo em meu redor parece embriagado
os livros
os desenhos
e as palavras
o meu corpo pesado
e os poemas embalsamados
dormem
sobre a secretária
como se fossem um mendigo diplomado
o meu olhar desassossegado
inventa candeeiros de papel
com anéis de tristeza
não existem lágrimas que escondam a madrugada
nem lábios de framboesa que abracem os meus braços de lata
o meu silêncio em greve
o meu silêncio uma videira acorrentada
aos socalcos da dor
o meu corpo ferve como fervem as línguas de fogo que habitam os meus cabelos...
tudo em meu redor morre
as plantas
as árvores...
e os pássaros sem nome.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 25 de Setembro de 2014

domingo, 24 de agosto de 2014

Palavras com lábios de poema


Sou o legítimo dono da noite,
sou o candeeiro onde se esconde o mendigo,
o rio que não corre para o mar,
sou a ponte frágil em madeira que antes de ser ponte...
um caixote,
o cofre das minhas recordações,
as imagens,
os sons e os cheiros de uma terra que não existe mais...

Sou a videira que morreu no socalco,
sou o socalco que tombou...,
sou o cansaço legítimo e dono da noite,
a prostituta que sobe e desce a montanha dos segredos,
sou o vento de papel sobre a luz ténue da aldeia,
o sino que não se cansa de me acordar...
sou as palavras com lábios de poema,
dos sons e dos cheiros de uma terra que não existe mais...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 24 de Agosto de 2014

sábado, 16 de agosto de 2014

O corredor da mendicidade


Inventava no teu olhar barcos de esferovite,
desenhava nos teus sonhos rios sem nome,
vinhedos,
socalcos...
e tantos medos,

Inventava no teu corpo soníferos de verniz,
casinhas de papel onde brincávamos,
escrevia em ti o desejo sem giz,
inventava na tua almofada com bolinhas encarnadas o beijo...
uma porta que batia, lá longe, muito longe,
onde habitava o corredor da mendicidade,
tínhamos os cigarros suspensos no espelho do guarda-fatos,
e sentíamos o vento latir sob a janela da insónia...
éramos dois pássaros poisados num abraço de madrugada,
éramos duas rebeldes nuvens em direcção ao mar,
e sentíamos...
e tínhamos...

Amanheceres disfarçados de traição,

E inventava nos teus cabelos uma canção,
percebia-se na musicalidade das tuas mãos os tristes Invernos...
a lareira acesa e dois copos recheado com vinho do Douro,
os teus seios de diamante lapidado entretinham-se com os meus lábios...
e eu nunca entendi o significado amar,

Vinhedos,
socalcos...
e tantos medos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Agosto de 2014

terça-feira, 29 de julho de 2014

A Casa Amarela


Desejastes-me Senhora,
quando eu tudo tinha,
hoje, que não tenho nada,
vós, minha Senhora,
odiais-me...
pareceis, hoje, uma alminha,
denegrida,
deitada na madrugada,

Desejastes-me Senhora,
nas mansardas de Belém...
fazíamos amor olhando o rio,
triste, e habitado por chulos, putas... e Cacilheiros,
à janela,
os cigarros semeados numa casa amarela,
fumegavam, e gritavam... e gritavam... esta Senhora é bela,
bela Porcelana,
que rica Porcelana... ela!
Desejastes-me Senhora,
quando eu tudo tinha,
hoje, que não tenho nada,

vós, minha Senhora,
odiais-me...

O poeta é um fotógrafo de palavras,
um pintor de caricias e medos,
o poeta é... o poeta é um escultor...
molda, molda o corpo da minha Senhora bela,
do granito embalsamado...
que olhando outro rio,
não triste, não habitado por chulos, putas... e Cacilheiros,
vive como um coitado,

vós, minha Senhora,
odiais-me...

E ainda guardais dentro de um livro uma envelhecida flor,

Não morreu o poeta, não morreu a minha Senhora bela...
mas... mas morreu o amor,

E morreu a casa amarela.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 29 de Julho de 2014

sábado, 7 de junho de 2014

Shot de AMOR!


Hoje, quero fugir,
esconder-me na sanzala da minha infância,
com os meus frágeis bracinhos, chapinhar nos charcos de areia,
hoje, hoje a noite parece um cortinado de incenso, ténue silêncio nos teus dedos,
faltam-me as palavras, faltam-me corpos para escrever as palavras,
de neblina, de pólen... corpos, de cera, de nada, apenas corpos sem significado,
hoje, quero fugir,
hoje, hoje pareço uma locomotiva galgando os campos de milho de Carvalhais,
apitos,
e gritos,
hoje,
hoje, os teus olhos incendiaram os meus lábios,

(palpita-me que hoje vais descobrir o texto invisível que esconde o meu peito)

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(Cansado da tua ausência, e não estás ausente, e não... e não hoje, por favor, hoje não, hoje não sonhos nos teus cabelos)

Hoje, quero fugir,
desenhar-te na minha boca,
hoje, esconder-me em ti,
como uma criança amedrontada,
triste,
com medo,
medo que do mar venha a sanzala da minha infância,
e me traga,
paciência...
porque hoje, hoje quero fugir,
e hoje quero-te em mim,
construindo círculos de preia-mar,

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(searas, margaridas, hoje todos me pedem as palavras que nunca escrevi)

E hoje, e hoje escrevo porque te vi,
e sem ti,
senti o luar poisar nos meus ombros,
senti o xisto dos muros caindo dos socalcos imaginários,
como os barcos de papel,
como os marinheiros de sisal,
enfeitados com plumas encarnadas e sorrisos de vodka,
e hoje, e hoje quero fugir,
aterrar num bar sem conhecer ninguém,
sem palavras,
sem... sem ti,
sentir o machimbombo da paixão em pequenos soluços,

(e nada como uma bebida com sabor a amar)

Um shot de AMOR!
Porque hoje quero fugir,
um shot de saudade,
porque hoje sem ti,
senti a tua fotografia na montra de uma livraria,
raios...
outra vez a poesia,
um shot, por favor,
um shot de alegria,
um shot para me recordar,
como eram lindos os teus seios de madrugada,
e hoje, hoje quero fugir,

(sem me preocupar com o amanhecer, sem me preocupar com nada).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Junho de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

Gaivota madrugada

foto de: A&M ART and Photos

Voas nos meus olhos, gaivota madrugada,
procuras em mim, palavras,
voas porque sentes nos teus lábios o vento em desejo,
e no teu prometido beijo, uma simples canção, melódica... e adormeço,
e esqueço que lá fora habitam telhados de vidro, esqueletos de prata,
bairros em lata,
lá fora, na imensidão nocturna da embriaguez,
e um dia, talvez... talvez percebas as minhas tristes palavras,
como pertence aos muros o xisto envenenado,
dos socalcos... o cansaço humano vestido de negro,
e no rio... no rio o meu corpo ensanguentado pelas nobres estrelas da cidade,
voas, voas sem saber que estou vivo...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Março de 2014

sábado, 1 de março de 2014

Páginas de tristeza

foto de: A&M ART and Photos

São páginas de tristeza,
folheio os teus dedos no meu corpo ausente da madrugada sem janela,
existo, talvez... porque sinto o perfume da tua dor,
são lágrimas de papel que me fazem feliz,
e durmo pensando que estou debaixo de uma nuvem de porcelana,
velhos cacos, alguns grãos de solidão...
são páginas tuas presas à minha mão,
um livro que morre,
o escritor entranha-se no esqueleto vadio do poeta,
e este, este acredita nas infinitas flores dos jardins do nada,
uma montanha de silêncio corre em direcção à cidade do Adeus,
a ponte que me transportava para a outra margem, a casa da insónia,

(deixou de viver, morreu, caiu... simplesmente ruiu como pedaços de saliva na boca do Amor)

Onde está neste momento a casa da insónia?
nos teus olhos... acredito,
nos teus doces lábios de cereja envergonhada?
ou... nunca existiu uma casa da insónia?

São páginas de tristeza,
corações despedaçados como pedras atiradas por uma criança para o rio da morte,
dos lençóis teus, o meu peito pintado com holofotes de néon que a cidade do Adeus engoliu,
comeu,
alimenta-se de mim como sempre se alimentaram as árvores e os pássaros e os telhados de zinco,
sinto-me um analfabeto folheando pedras de xisto,
socalcos descem o meu corpo e sei que há um cais onde fundear o meu sorriso,
deixei de sorrir?
porque o faço se a vida é um circo com palhaços, carroceis e roulotes de cartolina...
sem pernas, sem braços... como os velhos guindastes do porto de Luanda,
folheio-te sabendo que pouco mais há que folhear,
e mesmo assim, são páginas de tristeza, as tuas...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Março de 2014

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Palavras de papel

foto de: A&M ART and Photos

A noite destrói todas as palavras de papel que o invisível destino escreve
a noite inventa-se na algibeira do clandestino miúdo com suspensórios de vidro
o miúdo estupidamente apaixonado por uma uma gaivota...
… chora
transpira como lâminas de aço quando a lareira acesa derrete o silêncio
há uma pauta sobre a mesa da sala de jantar
na pauta brincam notas musicais órfãs
crianças das ruas sem nome não vivem... mas também não choram
crianças com mastros ao peito... vivem navegam choram e morrem...
e bandeiras de cetim sobre os cabelos cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade
a noite embriaga-se como pedaços de xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente apaixonado...
… que chora... elas imóveis elas silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas fodem...
Alimentam-se dos sombreados tectos de verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na garganta do condenado
hoje há moelas
moedas de prata
lágrimas de crocodilo
e dentes de marfim
A janela do muro envidraçado abre-se e a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras de papel que o invisível destino escreveu
e o pobrezinho menino prostitui-se no cais de embarque dos petroleiros ofegantes
a gravata esgana o pescoço dos homens de mini-saia
os sapatos de três andares... adormecem noite adentro num sótão abandonado
a gaivota do amor
não dorme
não vive
chora
chora... chora... parvo... porque choras tu?
e era capaz de acreditar nos objectos negros das portas com triângulos desenhados...
com... com coxas cosidas pelas mãos da Avelã costureira...
Peneirenta
rafeira
e ordinária...
a noite é uma puta desgraçada
e feia...
a noite fode-nos como cinzeiros em prata nas mãos de um drogado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

Um monstro com olhos em xisto

foto de: A&M ART and Photos

O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio
O Douro?
O sorriso das madames com plumas desiguais sobre os ombros sombreados pelas nuvens que a noite constrói depois de todas, ou apenas uma ou outra, luzes de néon vomitarem as palavras encravadas nas montras da cidade, oiço-te vaguear como uma gaivota ferida, doente, oiço-te mergulhar no meu Douro que odeio, confesso... que sempre odiei, vivi para ser uma cidade, com bares, ruas e ruelas, travestis, putas, e donzelas... o Douro enerva-me, desiludiu-me quando o encontrei pela primeira vez... como me desiludiram algumas das mulheres que eu tive
(como desiludiste algumas das mulheres que tiveste)
Como me desiludiram algumas das calçadas empedradas com acesso ao rio, outro rio, um rio com vida, um rio com esqueleto de marinheiro, em cio
O Douro?
A ponte iluminava-se, a ponte voava sobre os espaços exíguos da minha cabeça, acordava com pequenas grandes tonturas, acordava a fumar cigarros proibidos e deitava-me a fumar
Cigarros proibidos?
O Douro enerva-me, desculpem-me, mas amo a cidade do Tejo, amo a ponte, os charros que fumei enquanto choramingava... e depois caía num qualquer bar em Cais do Sodré, depois era madrugada, deambulava pelas ruas mais profundas, mais escuras, mais... mais amadas em mim, depois cambaleava, tropeçava no paralelepípedo e vomitava sons inaudíveis dos carris frios, tão frios como o teu corpo de menina enquanto descia Setembro sobre uma sombra em Trás-os-Montes, odeio-te sabendo que sou prisioneiro de ti, odeio-te sabendo que só serei livre quando
Pegar na tua mão, acariciar-la como se fosse a folha de um dos livros do António Lobo Antunes, ou um dos pares de luvas de lã que tive em miúdo, depois deixei de sentir frio porque as minhas mãos transformaram-se em rochas, pedaços de granito, eles também gélidos, eles também... sós, depois vieram os olhos verdes que a pouco e pouco ficaram sem cor, hoje são daltónicos e precisam de lentes para ler as tuas palavras das tuas cartas que eu te reenviei... e hoje, hoje sinto saudades
Da cidade do Tejo,
A ponte iluminada balançava quando o vento vinha para me levar e sempre que me preparava para partir, não partia, um carro de brincar iluminava a ruela dos candeeiros mortos, movimentava-se por quatro pilhas de um volt e meio, redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
Dizer desejo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(dedico esta música a todos os meus amigos)
Amigos? Quais amigos... dás-te conta que não tens amigos, e que se vivesses na cidade do Tejo não tinhas um cão com catorze anos, caquéctico, rabugento... mas engraçado, porque só ele percebe porque choro, quando choro...
(qual é a frase?)
O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio, a heroína em ebulição sentia-se e no tombar das árvores doidas, como sonâmbulos corpos emagrecidos havia sempre alguém que não regressava,
(ai a frase... a frase...)
O Douro?
A límpida água dos sonhos e da esperança voltam à panela de pressão e evaporam-se nas avenidas encantadas dos guindastes com braços em aço e lábios em pergaminho,
Hoje temos beijos,
(quer uma ajudinha... senhor Francisco?)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(diga comigo senhor Francisco... “Com os voos nocturnos da menina Amélia a sobremesa adormece sobre a mesa-de-cabeceira”)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
E dizer amo-te é pura loucura, desilusão... sei lá que mais...
(à escolha)
E diziam-me que aqui existiam verdejantes barcos com asas em porcelana... pode lá ser...
E é, e é... é assim desde que partiste...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Dezembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

seara negra

foto de: A&M ART and Photos

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade
de pêndulo suspenso na alvorada
dá-lhe corda
fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...
há um leve apito de um novo marinheiro
o cachimbo geosmina como serpentinas voando sobre os candeeiros da saudade
o velho relojoeiro engata uma nova carvoeira
decidem os dois romperem os lençóis do desejo quando os segundos ficam suspensos nas ardósias tardes de literatura
há uma cama estonteante com tonturas e pequenos enjoos...
coisa de loucos

drogas dizem logo os transeuntes da rua dos abismos...
cansaço... sussurra o Psiquiatra Manel...

o homem do homem esconde-se nas ventosas térreas das searas negras
o velho relojoeiro dá a sua mão milagrosa à menina acabada de engatar
ouvem-se as sílabas castanhas borbulhando sobre uma prata de alumínio
chovem as lágrimas da menina engatada
se é a carvoeira ou a mendiga empregada da livraria... eu não o sei...
o homem chove
desculpem... os homens não chovem
choram
não choram
se fodem ou não fodem...
o silêncio sabe-o como sabe o cinzento eléctrico das noites que ejaculam migalhas de pão
sobre uma mesa... uma mesa sem vaidade

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

uma mesa vestida de eléctrico palmilhando medos
voando sobre a cidade das searas negras
parte de Cais do Sodré e adormece sobre a lápide encarnada do cemitério da Ajuda
não...
não AJUDA nada
pertenceres aos mosquitos de prata que brincam nos relógios de cacimbo
procurando a menina engatada pelo velho relojoeiro
carvoeiro... ejaculam
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

- que horas tens meu querido?

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...

… fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013