Mostrar mensagens com a etiqueta ruas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ruas. Mostrar todas as mensagens

sábado, 9 de janeiro de 2021

As invisíveis cidades de ontem

 

Quando as amarras se desprendem da paixão e, o rio galga os socalcos da insónia.

 

 

Eles tiram-nos a vontade de caminhar,

Mas nunca, nunca, nos tirarão a razão de pensar.

O amor,

A paixão entre dois corpos cerâmicos,

Quando dois lábios de seda, ao nascer do sol, se entrelaçam na maré e,

Um finíssimo fio de chuva,

Dorme, docemente, na cânfora manhã de ontem;

Sois vós, aqueles que me apedrejam e, depois, vêm lamber-me o cu.

Os livros, dormem,

Todas as estátuas, dormem… e,

Até as palavras, vejam lá, também elas, dormem.

O circo,

Os palhaços de farrapos que dormem na soleira das portas,

Também elas,

Todas,

Encerradas.

Querem que ele trabalhe, estude, seja educado, obedeça.

Mas, obedecer, nunca.

Como os pássaros,

Livres pensadores do destino,

Erva daninha dos caminhos de areia,

Que depois,

Dormem, como as palavras dele.

A paixão.

O orgasmo literário de um pobre blog,

Uma simples fotografia de um momento passado,

Cadernos mortos,

Corpos assados,

Na fogueira,

Da língua dos outros.

A boca, incha,

Morre de desgosto,

Sepultam-se os corpos cerâmicos, na fogueira do incenso,

Morde as palavras e,

Grita; foda-se.

Os sete cavalos de aço,

As sete pernas de gesso,

Os setenta corvos da madrugada,

Que o diabo deixou acordar;

Foda-se.

Amanhã estará neve na minha aldeia,

Um rio de sémen, em demanda, correrá para o abismo,

Nascerá mais tarde uma borboleta em papel,

Que o menino deixa adormecer na sua mão.

Hoje, sábado, tarde manhosa, triste,

Dançam as crianças à volta da fogueira,

Pequenos livros, grandes papeis,

Voam e, deixam em mim,

A cinza da tristeza.

Choram eles.

Gritam gemidos de ódio, elas.

Como sabem, o amor é uma pedra linda,

Que caminha junto ao rio;

Foda-se. A água salgada da língua amaldiçoada.

Corpo,

Carne,

Sangue,

Pedaços de pedra,

Amuletos de nada…

São estas as brincadeiras da sereia.

A mesma sereia, aquela que dorme como um porco,

Num qualquer comício de aldeia.

Foda-se, amanhã não.

Fecha.

Abre as pernas, filho,

Porque o Governo te vai foder.

E fode-nos, como fodem as pedras todas as cabeças e cabeçudos do circo e,

Fode-nos, como todos os pregos de aço que serpenteiam as manhãs de sábado.

Os secretos AMORES que habitam esta casa,

Fecha.

Abre.

Fode-o profundamente como que fode o próximo.

Come. Não come. Tem fome, ninguém quer saber.

O gajo é fodido.

Escreve nas paredes da insónia…

Estou farto desta merda.

Merda.

Foda-se.

Ponto final.

Paragrafo.

Amanhã, Domingo.

Hoje, um corpo suspenso na avenida.

O poema, morre.

Como morreram todas as palavras de há pouco;

A marmelada, fria,

Azeda ternura.

Os beijos.

A ferradura.

A mão de enxada na mão.

O polícia quase a vomitar parágrafos e travessões…

“Felizes os convidados para a ceia do Senhor…”

Que são poucos.

Bons companheiros de tribunal.

Levanta-se o réu: inocente, “senhou” Juiz.

Inocente.

Pernas, paus, picaretas, todos à molhada,

Parecendo brinquedos em plástico,

Que o tio “Celito” vende nas ruas de Lisboa…

O cu amarelejado de centeio,

A peida perfumada, quando se senta na esplanada, assume que é apenas um pouco de raiva, a que sente ao estar completo no signo mais estúpido do zodíaco.

Há fogo dentro dela.

Ardem palavras de amêndoa, cornos descascados e,

Putas, muitas, na feira da cidade.

Assim termina mais um confinamento:

Fodam-se.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó, 09/01/2021

quarta-feira, 11 de março de 2020

Os pássaros do amor


O tempo silencia os teus lábios de cereja adormecida,
Quando a nuvem da manhã,
Poisa docemente no teu sorriso;
Há palavras na tua boca,
Que absorvo com saudade,
E, nada me diz, que amanhã será uma manhã enfurecida pela tempestade.
Subo à sombra do teu olhar,
E, meu amor,
O cansaço da solidão deixou de acordar todas as manhãs.
Fumamos cigarros à janela,
Dentro de nós um volante de desejo,
Virado para a clarabóia entre muitas janelas,
Portas de entrada,
Escadas de acesso ao céu,
E, no entanto, o fumo alimenta-nos a saudade,
Porque lá longe,
Um barco de sofrimento, ruma em direcção ao mar.
É tarde,
A noite desce,
O holofote do silêncio, quase imparável, minúsculo, visto lá de cima,
Ruas, caminhos sem transeuntes, mendigos apressados,
Vagueando na memória.
STOP. O encarnado semáforo, cansado dos automóveis em fúria,
Correm apressadamente para Leste,
Nós, caminhamos para Oeste,
E, nunca percebemos as palavras que as gaivotas pronunciam,
Em voz baixa,
Com os filhos ao colo,
Sabes, meu amor?
Não.
Amanhã há palavras com mel para o almoço,
Dieta para o jantar,
E beijos ao pequeno-almoço;
Gostas?
Das nuvens da manhã?
Ou… dos pilares de areia que assombram a clarabóia?
Nunca percebi o silêncio quando passeia de mão dada com a ternura,
De uma tarde junto ao rio,
Ele, folheia um livro,
Ela, tira retractos aos pássaros,
E, porque te amo,
Também vagueio,
Junto ao rio,
Sem perceber o meu nome,
Que a noite me apelidou,
Depois do jantar,
Numa esplanada de gelo.
O ácido come-me, a mim, às palavras, como a Primavera,
Num pequeno quarto de hote,
Entre vidros,
Livros,
Palavras,
E, desenhos.
(aos depois)
Nada.
Brutal.
Os comprimidos ao pequeno-almoço.
Fim.
Amanhã, novo dia, nova morada, beijos,
Cansaços,
Abraços,
E, portas de entrada.
O amor é luz.
O amor são flores, árvores e, pássaros.
E pássaros disfarçados de beijos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
11/03/2020

segunda-feira, 8 de abril de 2019

A mosca


Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes.

Parem todos os automóveis,

Parem todos os loucos,

Parasitas e poucos.

Parem todas as campainhas,

A minha,

A do vizinho.

Parem a Terra,

O silêncio,

E as mulheres belas.

Parem o trânsito,

As ruelas,

Ruas,

Cadelas.

Parem as putas,

Os putos…

E as naus encarceradas nas tuas mamas.

Parem.

Por favor, parem.

Parem as flores,

Os jardins,

Os amores.

Parem.

(Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes).

Parem os chulos,

Prostitutos,

Afins…

Parem tudo. Dói-me a cabeça.

 

Parem.

 

E, respeitem os ciganos!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

08/04/2019

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Nunca me encontrarás


Nunca me encontrarás porque eu sou a sombra,

Nunca me encontrarás junto ao rio a escrever nos teus lábios de Belém,

Nunca me encontrarás nos jardins de Belém…

Nem nunca me encontrarás abraçado aos braços da maré,

Nunca me encontrarás sentado a pensar em ti… porque, porque deixei de pensar em ti,

Hoje, nunca me encontrarás a desenhar nos teus lençóis os meninos a brincar na praia,

Porque a praia morreu,

Porque os meninos morreram,

Nunca me encontrarás enamorado pelo teu olhar,

Debaixo das nuvens envergonhadas dos finais de tarde,

Nunca me encontrarás enrolado nas tuas mentiras…

E batem à porta…

E espero que não me encontres neste circo ambulante,

Observando as árvores assassinadas pelos teus dedos…

Nunca me encontrarás nesta casa desajeitada e sem porta de entrada,

Que nem uma simples caixa do correio tem para receber as tuas cartas perfumadas,

Nunca me encontrarás a olhar o Sol… porque odeio o Sol,

Detesto o Sol.

Nunca me encontrarás passeando na rua atropelando automóveis famintos,

Tristes…

Tristes desencontros das ancoradas em flor…

Nunca me encontrarás nas tuas cartas nem no interior dos teus livros,

Porque não o quero…

Não quero ser encontrado.

Nunca me encontrarás.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Junho de 2017

segunda-feira, 9 de maio de 2016

A embriaguez nocturna das sementes


O desgosto da vida.

Sinto a chuva explorando o meu débil corpo,

Que a noite alimenta

Como a morte se alimenta dos corpos,

Há uma película de sémen alicerçada às tuas mãos

De pergaminho,

As palavras fogem-me e sinto-me um inútil desgovernado…

Um barco sem comandante.

O deserto de ser eu,

A areia fina das tuas lágrimas entrelaçadas nos meus dedos,

O silêncio, meu amor,

O silêncio que confunde o horário do meu pulso,

E mais logo se inverte na escuridão,

Sei que estou aqui de passagem,

Ando de rua em rua para te recolher e agasalhar no meu peito…

Mas é-me difícil encontrar-te,

A embriaguez nocturna das sementes nas profundezas da terra,

Tão fundas, meu amor, e tão belas, meu amor,

Estremeço se te encontrar,

Morro de aflição pela tua ausência…

No suicídio do poema.

O desgosto da vida, o corpo despovoado de ossos e pequenos répteis…

Tenho uma cobra abraçada ao meu pescoço,

Um ténue letreiro onde alguém escreveu… FIM.

Não tenho amigos, amigas,

Tenho livros assassinados por mim,

De noite olho todo este amontoado de cadáveres envenenados pela paixão,

E tu, meu amor, e tu sempre ausente deste cemitério de palavras e desenhos,

Apenas eu, meu amor, apenas eu olho para eles…

E vejo o meu rosto sofrido.

O desgosto da vida,

A vida nas pedras húmidas da manhã

Quando a chuva se estende até ao mar,

A penumbra madrugada

No esconderijo do sono,

As minhas mãos, meu amor, abstractas, e não dou conta da vida se escoar em direcção ao Luar,

O segredo que faz com que eu não te encontre,

Percorro esta rua,

Percorro aquela rua,

Com saída,

Sem saída…

E tu, meu amor, sempre no desgosto da vida.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 9 de Maio de 2016

sábado, 21 de dezembro de 2013

Um monstro com olhos em xisto

foto de: A&M ART and Photos

O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio
O Douro?
O sorriso das madames com plumas desiguais sobre os ombros sombreados pelas nuvens que a noite constrói depois de todas, ou apenas uma ou outra, luzes de néon vomitarem as palavras encravadas nas montras da cidade, oiço-te vaguear como uma gaivota ferida, doente, oiço-te mergulhar no meu Douro que odeio, confesso... que sempre odiei, vivi para ser uma cidade, com bares, ruas e ruelas, travestis, putas, e donzelas... o Douro enerva-me, desiludiu-me quando o encontrei pela primeira vez... como me desiludiram algumas das mulheres que eu tive
(como desiludiste algumas das mulheres que tiveste)
Como me desiludiram algumas das calçadas empedradas com acesso ao rio, outro rio, um rio com vida, um rio com esqueleto de marinheiro, em cio
O Douro?
A ponte iluminava-se, a ponte voava sobre os espaços exíguos da minha cabeça, acordava com pequenas grandes tonturas, acordava a fumar cigarros proibidos e deitava-me a fumar
Cigarros proibidos?
O Douro enerva-me, desculpem-me, mas amo a cidade do Tejo, amo a ponte, os charros que fumei enquanto choramingava... e depois caía num qualquer bar em Cais do Sodré, depois era madrugada, deambulava pelas ruas mais profundas, mais escuras, mais... mais amadas em mim, depois cambaleava, tropeçava no paralelepípedo e vomitava sons inaudíveis dos carris frios, tão frios como o teu corpo de menina enquanto descia Setembro sobre uma sombra em Trás-os-Montes, odeio-te sabendo que sou prisioneiro de ti, odeio-te sabendo que só serei livre quando
Pegar na tua mão, acariciar-la como se fosse a folha de um dos livros do António Lobo Antunes, ou um dos pares de luvas de lã que tive em miúdo, depois deixei de sentir frio porque as minhas mãos transformaram-se em rochas, pedaços de granito, eles também gélidos, eles também... sós, depois vieram os olhos verdes que a pouco e pouco ficaram sem cor, hoje são daltónicos e precisam de lentes para ler as tuas palavras das tuas cartas que eu te reenviei... e hoje, hoje sinto saudades
Da cidade do Tejo,
A ponte iluminada balançava quando o vento vinha para me levar e sempre que me preparava para partir, não partia, um carro de brincar iluminava a ruela dos candeeiros mortos, movimentava-se por quatro pilhas de um volt e meio, redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
Dizer desejo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(dedico esta música a todos os meus amigos)
Amigos? Quais amigos... dás-te conta que não tens amigos, e que se vivesses na cidade do Tejo não tinhas um cão com catorze anos, caquéctico, rabugento... mas engraçado, porque só ele percebe porque choro, quando choro...
(qual é a frase?)
O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio, a heroína em ebulição sentia-se e no tombar das árvores doidas, como sonâmbulos corpos emagrecidos havia sempre alguém que não regressava,
(ai a frase... a frase...)
O Douro?
A límpida água dos sonhos e da esperança voltam à panela de pressão e evaporam-se nas avenidas encantadas dos guindastes com braços em aço e lábios em pergaminho,
Hoje temos beijos,
(quer uma ajudinha... senhor Francisco?)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(diga comigo senhor Francisco... “Com os voos nocturnos da menina Amélia a sobremesa adormece sobre a mesa-de-cabeceira”)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
E dizer amo-te é pura loucura, desilusão... sei lá que mais...
(à escolha)
E diziam-me que aqui existiam verdejantes barcos com asas em porcelana... pode lá ser...
E é, e é... é assim desde que partiste...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Elas as bailarinas

foto de: A&M ART and Photos

Imaginas-me?
descreve-me como és se ainda não o és
isto é
imaginas-me imaginando caminhar mar adentro
escrever na areia os verbos emagrecidos das pétalas doiradas
descreve-me
e imaginas-me... como um barco que se afoga no Oceano
imaginas-me como um náufrago sufocado com imensas palavras
desenhos
ruas
portas e janelas
e bancos de jardim

Belas
as flores
e os canteiros das intermináveis manhãs de Outono...

Elas
as bailarinas sem sono
imaginas-me?
candeeiros de papel
fios
meias...
cobertores imaginados quando me imaginas...
imaginas-me... deitados
o silêncio entrelaçado na tua mão
o beijo entalado nos teus lábios
imaginas-me?
eu... eu apaixonado?

Belas
as flores
e os canteiros das intermináveis manhãs de Outono...

Imaginas-me sendo o Sol?
mulher criança velho doente?
pigmeu cansado ausente...
sombra árvore e presente
imaginas-me... farto das palavras
dos versos
dos poemas e das... putas
parvas...
traiçoeiras madrugadas
nocturnas drogadas as tílias em chá...
e eu... esperando que me imagines...
… descreve-me como és se ainda não o és.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Dezembro de2013

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Malabarista de primeira classe... diplomado

desenho de: Francisco Luís Fontinha

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhaste-me em murais que ultrapassavam os edifícios em ruína na cidade das gaivotas
sentei-me em ruas onde tudo se vendia
o corpo flores drogas álcool e amores
livros e papel de embrulho
desenhos e merdas sem sentido
porcarias vãs
vadias entre as pernas alicerçadas aos tambores de choque
envaidecias-te
eras nobre como um donzela puta de adorno...
e os jardins cansavam-se de ti como velhos sorrisos
sonâmbulos das ínfimas janelas
e entrava-nos na sala de jantar o enfeitiçado mar...

Um cheiro horrendo
barcos vomitando saliva esbranquiçada
lágrimas
e muitas estrelas
todas elas
embriagadas,

Desenhaste-me como se eu fosse um boneco de palha
um cabrão mal vestido
de fato
gravata
e sapato bicudo afiado reluzente como um espelho da feira popular...
chorudas mulheres de açúcar
dormindo em roulotes como gazelas em sexos murchos que os finos pinheiros de Carvalhais...
lançam
deixam ficar sobre a tua pele...
todas as palavras de adeus...
Adeus
Até nunca mais me desenhares nos murais das montanhas de aço,

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhares-me invisível
sem saberes quem sou
como penso
vivo
se tenho sonhos
consegues perceber os meus lamentos?

Fui tanta porcaria...
cavaleiro
donzela
prostituto
pintor
escritor
abelha tonta tonta como ela... ela tão bela...
e tudo porque me desenhaste nos murais das montanhas de aço,

E poeta não o sou
talvez o seja quando se apercebe em mim um silêncio de loucura
devaneio
os peneirentos pássaros que as arcadas do desassossego escondem
constroem e inventam insónias em papel como pobres flores de arremesso...

Desenhares-me em toda a porcaria livre
nas calçadas
nas ruas e ruelas
cansadas...
desenhas-me como se eu fosse um esqueleto de amêndoa
suspenso nas três horas da madrugada...
nas calçadas
ruas
e ruelas
sou
nunca o fui
desejo-o como se ele fosse um abutre de asas cinzentas,

Sou
fui nunca
poeta pintor escritor porque nunca deixei de o ser...
malabarista de primeira classe... diplomado.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Cidade de vidro

Desenho de: Francisco Luís Fontinha

Há uma cidade com janelas de vidro
tem ruas e pessoas
há uma cidade com jardins invisíveis
e marés transparentes... que nem todas as pessoas
as pessoas dessa cidade
… há uma cidade
que nem todas as conseguem olhar
como persianas marteladas em papel hortelã,

Há marinheiros
filhos da cidade
vagabundos dos mares inavegáveis como rochas íngremes nas estradas de brincar...
há uma pobre cidade com braços de porcelana
e palmeiras
e pássaros...
há uma cidade em penumbras madrugadas
uma cidade embriagada,

Há uma cidade que renasceu do teu olhar sobre a ponte inoxidável...
uma cidade com seios prateados e coxas de plátano...
há conversas perdidas nas sombras desta cidade
uma cidade com beijos de lábios em néon imaginário
e pássaros
e palmeiras
há uma cidade com janelas de vidro
e toalhas de linho... sobre a mesa nocturna dos sexos débeis das flores perdidas na calçada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Uma louca mulher e silêncios homens de Francisco Luís Fontinha

foto: A&M ART and Photos

As personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
imagino-os
Ai sentados, ai coisa nenhuma, ai... deitados como âncoras de marfim quietas, formadas e bem vestidas, na formatura matinal, e todos os dias, a todas as oito horas da manhã... um pão e uma caneca com leite, depois, acordavam os complementos vitamínicos, como cigarros, vodka e às vezes, eles, tombavam como árvores quando a tempestade aparece e sem qualquer aviso, batem à porta,
quem é?
Correio,
ou é ou é, quase sempre é para receberem, porque para darem alguma coisa, não, nunca utilizam o correio, pelo menos, falo por nós, por mim, por ti
E eu, a infeliz dos dois,
E ele, o desgraçado com óculos e seios postiços, e ele, que em dia normais é ela, ou, ele, não interessa, e ele caminha dentro de nós as duas, cansadas, como animais, eles, abrindo, encerrando, as portas de entrada e as janelas de saída
da algibeira minguada?
De emergência, tinham escrito numa das paredes do sono, havia a planta do exíguo espaço, coisa pouca, “quebrar em caso de emergência” e nós
batemos, batemos... e a dita coisa não quebrou, ficou a olhar-nos, ficou...
E nós, como vós, entre as mulheres delas e os homens nossos, voávamos como pássaros loucos, no exterior complexo com grandes de ferro nas janelas, ele
eu escrevia na traseira das portas de madeira, desenhava na porta da casa de banho, inventava o mar na parede do corredor, e ainda nos sobrou tempo suficiente para assaltarmos a cabine telefónica estacionada no Hall de entrada, éramos também como os pássaros
Loucos embrulhados em drageias,
e os pássaros transformavam-se em cobras, e pela manhã, lá andavam eles a passear no corredor, tinham aproveitado o sonho, e devido ao diâmetro ínfimo, elas, conseguiam, e atravessavam as grades
E comiam-nos, e bebiam-nos, até chegar o medico e obrigar-nos a levantar, e levantávamos-nos, e entre as cobras, fumávamos os primeiros cigarros do dia, os primeiros cigarros da sobriedade, e
desistíamos de viver percebendo que tínhamos deixado a vida suspensa na rua dos plátanos e as personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
Imagino-os...
imagino-me deitado sobre o mar à espera que o barco da loucura me venha resgatar, levar-me para terra, e se possível, ao menos isso, cremarem-me
Como Gogol fez com o manuscrito de “Almas Mortas”... e apenas cinzas, de mim, de ti, e de vós... entre paredes e verniz até à mesa da sala de jantar, penhorada, hipotecada,
imagino-me e imagino-os
Comendo amêndoas recheadas com chocolate.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 28 de abril de 2013

Sabia-te quando terminavas nos sonhos

foto: A&M ART and Photos

(ao Rei dos Sonhos)


Sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um saco incolor de supermercado, finíssima, ela não maior do que um carro de linhas, que servia de carreto que com uma manivela de arame fazia rodar as imagens em frente de uma lâmpada, dormias, dormias, ainda dormes, e eu, permanentemente às voltas com a manivela a inventar imagens picotadas numa tira de plástico com uma agulha esquecida juntamente com o dedal da minha mãe,
a inventar imagens desde 1976,
Fundiam-se-lhe lâmpadas que só posteriormente percebíamos a escuridão das equações diferenciais que tínhamos para resolver, elas, como eles, poisavam sobre a mesa da sala de jantar, ficavam lá, perdidas, fazíamos-las esquecidas, e às vezes, poucas, só com a ajuda de drageias, elas, as equações (macho e fêmea) acordavam do sono incrédulo que Deus nunca acreditou e aos berros
preguiçosos,
preguiçosas,
Sabia-te quando terminavas, acordavas, abrias as janelas do teu corpo, e deixavas entrar a luz que o espelho do guarda-fato absorvia da velha máquina de slides, havia imagens dentro de ti, e só quando te acariciava os seios, e só quando te beijava os lábios de sonâmbulo cravo vermelho, e só
que desenhos mais esquisitos, como corredores, pássaros, migalhas de aço e sobras de vento,
E só quando deitava a minha cabeça nas tuas coxas, sentia eu, sentias tu, as imagens todas, as de ontem, as de antes de ontem, e as imagens de infância, saíam do espelho do guarda-fato, sentavam-se um pouco sobre a mesa-de-cabeceira, apenas para nos contemplarem, e só depois, começavam a entrar em ti, e no fim, eu entrava também, e tinha como missão, encerrar a porta, hermeticamente, e dentro de ti, saltava, brincava, dormia, como tu
a inventar imagens desde 1976,
Como tu, dentro de uma piscina, caminhando a passos apressados como se a rua estive quase a fechar-se, e a carapaça de tartaruga aos poucos, em pequeninos milímetros de cada vez, até todo o tecto baixar, e tu, desapareceres, em corrida, dentro de água com o cheiro a saudade, com o silêncio dos cobertores suspensos nas pálpebras tuas, que dormias, sossegadamente como um anjo louco, de caligrafia como pequenas mandíbulas de areia, como eu, desesperado procurando por ti, dentro de água, dentro de uma caixa de sapatos
onde funcionava uma pequena máquina de slides,
Com refrigeração,
a fundir lâmpadas desde1983,
E tubos de néons sobre a porta de entrada, “sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um saco incolor de supermercado”, e uma campainha de serviço, um gajo feio, como eu, devidamente fardado a preencher os impressos para a atribuição de subsídios para a construção de máquinas de slides, e eles
apenas com uma caixa de sapatos, uma lâmpada, duas pilhas de volte e meio, alguns fios eléctricos, um pedaço de vidro que fazia de lente, e cerca de cinquenta centímetros de plástico com cerca de seis centímetros de largura, e um carrinho de linhas, e claro, a manivela em arame... e um pedaço de pano que apelidamos de lençol,
Com refrigeração?
e desenhos pacientemente desenhados com uma agulha,
A fundir lâmpadas desde1983,
pacientemente eu, a perder parafusos desde Janeiro de 1966.

(não revisto; parte deste texto não é de ficção e aconteceu com o meu amigo de infância - infelizmente já falecido - JÚLIO)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 18 de março de 2013

Gemidos fingidos das janelas de vidro

Imagino-a sentada à minha espera, acendo a luz da despensa, procuro sem precisar qualquer coisa desnecessária, sal, ou açúcar, arroz, talvez polpa de tomate em lata, talvez nada, pretextos, manias, esconderijo onde me sento, esperando que ela
Vou embora,
Volto a apagar a luz, saio da despensa, vou à janela
Batem à porta, imagino-a a voltar, e finjo não estar, como antes o tinha feito,
Da janela, sem a abrir, oiço o desalinho dos automóveis caminhando pela calçada em paralelo que me fazem recordar as noites de embriaguez quando as calçadas voavam conjuntamente com o vento
Ora essa, não acredito!
Verdade, nós cambaleávamos porque os paralelos voavam, saltitavam, e nós, tropeçávamos como tropeçavam as minhocas antes de colocadas no anzol do desgosto, prendíamos grãos de trigo no anzol, e atirávamos-lo para o quinteiro da vizinha, depois, depois era só puxar o fio de pesca e uma galinha acabava de nos sair na rifa,
Acreditas agora?
Vou-me embora, levantar âncoras e baixar velas,
E quando abria a janela subia até nós o intenso cheiro dos resíduos sobrantes da noite passada, aquela onde os paralelos saltitam e cambaleiam, nunca os percebi, nunca os quis perceber, como também não percebo a existência de mim em calções quando me olho no espelho da praia, e eu ando lá, e eu, eu
Não
Andar lá,
Eu morri numa manhã de Sábado, em frente ao Tejo, em Novembro, e enquanto esperava que me transportassem..., perdi-me numa feira de velharias, perdi-me dentro dos livros, dos cachimbos, alguns mais idosos do que eu, e sinceramente, não me recordo de ter passado pela porta da tempestade cinzenta, lembro-me de um velhíssimo chapéu de soldado da ex-URSS, mas da porta
Via os vidros em pedaços, ouvia os estalido dos candeeiros da rua contra os automóveis que circulavam, entre paralelos inquietos, ressacados, de fome nos lábios, senti sobre os ombros as cordas que seguram as roldanas que puxavam as lanças para os guerreiros do Céu, e ouvia-a
Esperava por mim, eu, eu escondia-me dentro da despensa, acendia a luz, fingia procurar coisas, insignificantes, como quando não me apetece falar com ninguém invento buscas à minha biblioteca à procura de livros que ainda não foram editados, de livros que existem apenas dentro da cabeças
Deles e delas,
E eu,
Finjo,
Invento buscas, chamo os bombeiros, dou participação na polícia, digo-o, invento, que desapareceu de casa de seu pai, vestia gabardina negra (de noite) e calças de galga (polidas no tempo), calçava umas sandálias em tiras de couro, e a última vez que o viu
Diz que foi junto aos livros de Luiz Pacheco,
Ou
Não,
Minto,
A última vez que o vi foi junto dos livros de A. Lobo Antunes, foi, tenho a certeza, e desde então, nunca mais
Apareceu,
Nunca mais
Me atormentou,
E nunca mais
Apareceu-me à janela quando a escuridão entra casa dentro como flores tombadas pelas tempestades enceradas com gotas de água e bolas de sabão, lá fora, o cigano com uma máquina esquisita (fogareiro com sujidade) dá à manivela e aos poucos
Mãe
Sim filho
Olha
Pipocas,
E afinal ele ali tão perto, tão perto, perto
Que nunca acreditei que fosse ele, em gemidos fingidos das janelas de vidro.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha