foto de: A&M ART and Photos
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A noite destrói todas as palavras de
papel que o invisível destino escreve
a noite inventa-se na algibeira do
clandestino miúdo com suspensórios de vidro
o miúdo estupidamente apaixonado por
uma uma gaivota...
… chora
transpira como lâminas de aço quando
a lareira acesa derrete o silêncio
há uma pauta sobre a mesa da sala de
jantar
na pauta brincam notas musicais órfãs
crianças das ruas sem nome não
vivem... mas também não choram
crianças com mastros ao peito... vivem
navegam choram e morrem...
e bandeiras de cetim sobre os cabelos
cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade
a noite embriaga-se como pedaços de
xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas
correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente
apaixonado...
… que chora... elas imóveis elas
silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela
loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas
fodem...
Alimentam-se dos sombreados tectos de
verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e
envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na
garganta do condenado
hoje há moelas
moedas de prata
lágrimas de crocodilo
e dentes de marfim
A janela do muro envidraçado abre-se e
a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras
de papel que o invisível destino escreveu
e o pobrezinho menino prostitui-se no
cais de embarque dos petroleiros ofegantes
a gravata esgana o pescoço dos homens
de mini-saia
os sapatos de três andares...
adormecem noite adentro num sótão abandonado
a gaivota do amor
não dorme
não vive
chora
chora... chora... parvo... porque
choras tu?
e era capaz de acreditar nos objectos
negros das portas com triângulos desenhados...
com... com coxas cosidas pelas mãos da
Avelã costureira...
Peneirenta
rafeira
e ordinária...
a noite é uma puta desgraçada
e feia...
a noite fode-nos como cinzeiros em
prata nas mãos de um drogado...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013