quinta-feira, 4 de julho de 2013

… 2970 e a descer...

foto: A&M ART and Photos

(este cabrão deste censor é mesmo um grande filho da puta)
O povo gritava,
Revolução, revoluçãoooooo...
O povo farto, eu, eu que sou o povo, apenas nesta história, cansado, apenas num dia perco cinquenta e quatro amigos no Facebook, pergunto-me, porquê,
Porquê questiona-se ele,
Porquê?
Todos, hoje, resolveram remover a amizade que tinham comigo, ou apenas por motivos de censura, algum idiota, para não o apelidar de (cabrão e filho da puta), resolveu, hoje mesmo, remover os meus amigos, telefonou a uns quantos, uns quantos, como as ovelhas, passaram a palavra, e aí está, 2971 e a descer, noutros tempos, ficaria muito chateado, hoje, hoje sinto-me alegre, contente, porque podem remover-me todos os amigos... mas não podem tirar-me as palavras, mas não podem encerrar o Blogue Cachimbo de Água, não podem, não podes, e a descer
Agarra-te minha querida, agarra-te, e coloca o cinto segurança,
Não, não vamos morrer, não chores, oh... não chores que as lágrimas deixam o teu lindo rosto tristonho, como uma rosa, depois da chuva, sim, vamos conseguir, olha meu amor, olha para mim
Estou a olhar, meu querido,
Eles, eles não vão conseguir,
Juras?
Juro, acredita, acreditar sempre, olha sabes quem está em Alijó?
Não, não sei meu querido,
O meu “rating” de amigos está a descer, como o Ex-espião Americano Edward Snowden que tenho a informação acaba de aterra neste momento no Aeroporto Internacional da Chã e vai ficar uns dias hospedado numa unidade hoteleira da linda Vila encastrada no coração do Douro Vinhateiro,
É só o facto...
Diz, minha querida, diz,
Refiro-me à sujidade das ruas, e ao mau cheiro dos contentores do lixo, isso?
Sim, isso,
Isso ninguém vai notar...
Revolução, revoluçãoooooo...
(este cabrão deste censor é mesmo um grande filho da puta)
Isso ninguém vai notar... o cheiro é uma sombra invisível, indolor, como a paisagem, olha meu amor,
Sim, meu querido,
Acreditas em gaivotas?
Acredito,
Acreditas?
Sim, acredito...
Pois... não devias acreditar...
Porquê?
“Todos, hoje, resolveram remover a amizade que tinham comigo, ou apenas por motivos de censura, algum idiota, para não o apelidar de (cabrão e filho da puta), resolveu, hoje mesmo, remover os meus amigos, telefonou a uns quantos, uns quantos, como as ovelhas, passaram a palavra, e aí está, 2971 e a descer, noutros tempos, ficaria muito chateado, hoje, hoje sinto-me alegre, contente, porque podem remover-me todos os amigos... mas não podem tirar-me as palavras, mas não podem encerrar o Blogue Cachimbo de Água, não podem, não podes, e a descer
Agarra-te minha querida, agarra-te, e coloca o cinto segurança”,
“FODA-SE...”.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S. A foto que acompanha o texto dá direito à perda de 250 amigos...
(Quero lá saber, o censor que se foda)

Blogue Cachimbo de Água


Blogue Cachimbo de Água

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Como tu, refugiada em palavras mortas

foto: A&M ART and Photos

Como tu
refugiada em palavras mortas
mórbidas borboletas de veludo
voando
sonhando câmbios e orgasmos das neblinas filhas da madrugada
sou
como tu
embriagado pelas luzes do extinguido habitáculo de nylon,

Como tu
uma árvore em silencio no recreio da velha escola
sentamos-nos? Podíamos entrelaçar as mãos como fazem as andorinhas
quando
como tu?
Acordam as letras envenenadas das canções de amor...

Não sou nada
parecendo uma pedra lançada ao vento
e cai gravemente sobre o teu peito...
e da ferida... uma pequena rosa sobrevive aos teus lamentos,

(Como tu
refugiada em palavras mortas)

E insignificantes espelhos da eira triste
dançando como as bailarinas das fotografias suspensas no gesso alicerçado às mãos de um inocente homem com barba branca
dançamos?

(mórbidas borboletas de veludo
voando)

Nunca mais regressarei aos teus abraços braços
porque agora sou um barco
sem leme rumo ou velas
sem motor marinheiro ou perfume teu dentro de mim
caminharei sobre os cedros apodrecidos de uma lápide significando a minha ausência
nunca
regressarei ao porto de abrigo
para ser ancorado e aprisionado a uma corrente enferrujada com sintomas de tuberculose...

Fumamos?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Tão linda e tão bela, ela...

foto: A&M ART and Photos

Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas, olhávamos os céu, e víamos o cansaço dos anos em pequenas travessuras de crianças, doidos, correndo na peugada de uma sandes de marmelada, ouvíamos, e nada dizíamos, porque éramos pobres, porque éramos melancólicos, porque
Oiça,
E é tão bom, saber que sobre nós, voa uma voz de silêncio, vestida de noite, e ouvir sem perceber porquê... o bater de asas em papel crepe, oiça
Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Todos loucos, porque os pássaros deixaram de voar, porque as flores nunca mais senti que sorrissem para mim, para os outros é uma coisa... agora, para mim? Eu, o único solitário que lhes pegava com todo o cuidado, acariciava-lhes as pétalas doiradas de olhar envergonhado, eu, eu que me sentava em frente a elas, eu que cruzava os braços, e sorria
Inventava-lhes abraços,
Oiça,
E é
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
E é tão bom quando chegamos a casa, abrimos a porta, nada lá dentro, e tudo cá fora, entramos, deixamos as roupas transpiradas no cabide exposto no Hall de entrada, ficar nu, cá dentro nada existe, apenas um espaço vazio, sem vozes, sem livros, e palavras
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
E é tão bom, percebermos, que ninguém nos espera, e é tão bom, tão bom, e palavras voando pela janela até desaparecerem entre as roseiras do quintal da Augusta, parecem borboletas vagueando os sonhos do meu corpo desnudo, ósseo, filho de um esqueleto de vidro, finas partículas de areia, um alto-forno a temperaturas elevadíssimas, eu, no centro do forno, borbulhas de azoto, películas de pele levadas pelo vento, panfletos a anunciarem uma greve geral que nunca chegou a acontecer, um dia, de um País que nunca existiu, e morreu dentro do alto-forno... todos lá dentro, o meu esqueleto, a areia, e eles, claro,
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
(isto está fodido!)
Isto, isto o quê?
Isto, isto tudo!
Tudo não, porra, porra não, quase tudo, mas nós ainda estamos de boa saúde, pensa Carlitos, pensa que ainda existem pessoas em pior situação do que a nossa
A nossa, qual nossa?
A minha e a tua, porra, porra não, é que...
Oiça o que eu lhe digo,
É que ainda estamos vivos, percebes? E nos tempos que correm... estar vivo é a maior vitória, depois da águia, claro, claro, claro, não porra, porra não, claro, ah...
E é
É o quê?
Tão linda, ela, mais bela que o mar, mais leve que o vento... e voa, voa como as gaivotas, e navega, e navega como os barcos quando entram na barra
Nos teus braços?
E é
É o quê?
Tão linda e tão bela, como ela, como ela quando entra em casa, tudo vazio, as vozes ofegantes das minhas personagens, todas elas, dormem, digamos que
Talvez não durmam todas, mas tenho a certeza que algumas delas, dormem, oiço-as, oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas,
Tão linda e tão bela, ela...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 2 de julho de 2013

e corações com o marcador encarnado

foto: A&M ART and Photos

Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno
habitava em nós o tédio
construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso
como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti
eu
de esquadro e régua
tu
deitada sobre o estirador do desejo
delineava-te em curvas com sombras de trapézios
e dos poucos ângulos que sobejavam em ti
davam para alimentar-me quando chovia nos lençóis da espuma infância
e sorrias como os milímetros de noite inertes entre pilares de granito e luzes ancoradas pelo suicídio,

Vou deixar de escrever
(confesso-o apenas a ti)
porque tudo tenho perdido com as palavras
hoje
(confesso-o apenas a ti)
olhei-me no espelho do meu guarda-fato (que te garanto, nada guarda)
e vi os meu olhos em pedaços de lume
como a lareira de Carvalhais
(lembras-te do Inverno?),

Sorrir para quê?
Se todas as minhas fotografias são tristes
inexpressivas e doentes
até parecem (disseram-me um dia)
cadáveres voando sobre os Oceanos onde mergulhavas em busca de cardumes inexistentes
de peixes
e lobos descendo a Serra
aldeias perdidas em ti
como eu
(disseram-me um dia, que as madrugadas não eram todas iguais)
apelidei-te de PARVALHONA e hoje percebo que errei
(peço-te desculpa)
porque nenhuma madrugada consegue ser decalcada no estirador onde habitas
digamos que (onde ainda consigo ver o teu corpo no esquisso),

Abro a janela
(para quase todos eles, já é noite)
para mim (para mim acorda agora o dia)
começam as brincadeiras dos meninos enquanto mães desassossegadas
habitam como tu no estirador semi-nu das estrelas de plátano adormecido,

(confesso-o apenas a ti, tenho fome)
fome daquela que estávamos habituados a saciar
coisa que conseguíamos resolver com dois ou três livros
alguns beijos
e corações com o marcador encarnado
deixando no teu peito uma rosa
um silêncio
sem queixumes
saudades
ou pieguices...
abro a janela
e deixaste de descer a Serra
como os lobos
(quando ouviam a velha máquina de costura Singer),

Hoje
Que dia é hoje, (se posso apelidar-te de amor)?
Não sabes ou não queres responder...
deixei de perceber se é Sábado
Terça-feira
não o sei porque não o desejo saber
(Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno
habitava em nós o tédio
construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso
como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti
eu
de esquadro e régua
tu
deitada sobre o estirador do desejo)
porque se o soubesse
perceberia o quanto feliz eu era sem as malditas palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Em destaque - Blogue Cachimbo de Água


Em destaque na Rede – Sapo Angola
Blogue Cachimbo de Água

segunda-feira, 1 de julho de 2013

e nunca e nunca tenhas medo de me desejar...

foto: A&M ART and Photos

deseja-me imprimido nos teus braços
como fatias de xisto expostas à claridade dos teus lábios
deseja-me em fios de luz
como as sílabas escondidas no poema
deseja-me entre clarins e melancolias quando desce a noite
e te vestes de neblina,

deseja-me dentro de um espelho
morto
cansado e abandonado
não importa o desejo teu quando acordarem as estrelas em ti
mas por favor...
se me ouves
deseja-me nem que seja apenas em verso
pensamentos vagos
mas deseja-me... ou em sonhos
nas palavras ou em arbustos junto ao Tejo
… deseja-me como se eu fosse uma flor na boca de uma abelha
deseja-me ou inventa desejos em mim como se fossem os teus desejos,

as tuas tristes palavras
deseja-me antes de adormeceres
se o conseguires
reza como se eu fosse o teu Deus
Cristo crucificado nos teus braços de insónia
doirado teu adormecido corpo
arde como madrugadas em delírio...
e nunca e nunca tenhas medo de me desejar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 30 de junho de 2013

As tuas tristes algas

foto: A&M ART and Photos

Flutuávamos como duas abelhas sobre desejos de mel, abraçavas-me e beijavas-me, não percebendo eu, o significado do amor em equações diferenciais, acariciava-te a integral tripla dos teus seios, e tu, tu olhavas-me como se eu fosse uma flor com pequenas convulsões, desejava-te, e não percebia, que eu, também mulher como tu, mergulhava num círculo de tédio com pequenos cubos de insónia, olhava-te, olhava-te... até me cansar, até desapareceres do meu espelho verde alface que sempre viveu dentro do meu coração, flutuávamos como duas serpentes e acabávamos pela manhã, entre a madrugada e o amanhecer, enroladas uma na outra, como duas cordas em sisal, como duas âncora a aprisionar barcos que gemiam enquanto éramos pássaros, que saltitavam os quintais dos velhos pescadores, como nós éramos, meu amor, duas simples gaivotas sem qualquer plano de voo,
Tinha medo de perder-te, e ausentares-te de mim, quando o pensava, parecia-me um suplício, uma tristeza disfarçada de palavras, poucas, porque bastavam-nos os lábios, e nunca, nunca precisávamos de livros, sebentas... ou canetas de tinta permanente, porque éramos pétalas vagueando sobre um rio em delírio, porque te amava como ainda te amo, a ti, ao teu corpo, aos teus sonhos, e às tuas algas,
E como é triste, o silêncio do teu corpo,
Como são tristes, as tuas algas, os teus esconderijos, que fazes-me procurar-te entre pinheiros e gaivotas, entre marés e o pôr-do-sol, como é difícil olhar-te e ouvir da tua voz
Amo-te, minha querida,
Como, o quanto difícil é, dizer-te
Amo-te, minha querida,
Como são tristes, as tuas nádegas, depois de partires, como será sempre triste, a tua triste ausência, navegando tu pelas sílabas dos alicerçados desejos, e como são tristes, todas as peles bronzeadas que te conheci, quando deitavas a tua cabeça sobe os meus seios, e imaginávamos barcos a brincarem nas nossas coxas...
Sempre tua,
Ana.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Infelizes como eu por acreditar nos pássaros voando não voando como nós

foto: A&M ART and Photos

Acreditava que voavam os pássaros
como voavam as tuas mãos nas janelas do meu peito
fingia-me de morto
apenas para perceber a cor das tuas lágrimas
acreditava que voavam as flores
como voavam os teus lábios nos meus lábios
acreditar
acreditando que as noites são pedacinhos de pano
com beijos em papel...
acreditava que voavam seios teus
em minhas mãos de sílaba adormecida
eu, eu acreditava,

Acreditando
acreditar que todas as manhãs acordavam as minha antigas sandálias em couro
esquecidas debaixo das mangueiras
acreditava que dormias em pé e te enrolavas no cacimbo
acreditava que voavam os pássaros
como voavam as tuas coxas sobre o trapézio da madrugada...

acreditar eu acreditava
mas não te amo como amo o voo dos pássaros
mas não te amo como amo as minhas pobres sandálias em couro
acreditava que voando como os pássaros
eu poderia voar como o amor sobre o mar ao cair a noite
acreditava que vias nas minhas palavras as fotografias de ontem
enquanto brincávamos sobre as bananeiras do teu quintal...
acreditava que voavam os pássaros
como voavam as palavras em versos esfomeados
distorcidos
infelizes como eu por acreditar nos pássaros voando não voando como nós
eu, eu acreditava.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 29 de junho de 2013

Os silêncios envergonhados

foto: A&M ART and Photos

Deixei de ti os silêncios envergonhados
alicerces maleáveis com cabeça de madeira
deixei em ti o sulco prometido das rosas envelhecidas
cantigas da madrugada
cantigas... palavras húmidas
que o teu corpo absorve
como uma esponja recheada de lâmpadas de halogéneo...
como uma mão emprestada,

Cantei de ti
as cantigas profanadas nos jardins da insónia
gostei de ti em ti depois das estrelas sobre a cama nocturna com olhos de luar
entrarem em mim
deixei de ti
os silêncios envergonhados...
deitados os maleáveis sonos programados pelo relógio portátil em paredes ocas de gesso...
e um coração de ti parece romper as cordas que prendem a tenda do circo ao chão de areia,

Cansei-me de ti
em ti
por mim
entre colunas de granito e traves velhas de castanho...
cansei-me
das palavras ocas das paredes húmidas
em corações de gesso?
Mentiras de ti quando acordam em mim os silêncios envergonhados...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os muros de ontem em loucuras de hoje

foto: A&M ART and Photos

Saltávamos o pequeno muro todos os finais de tarde, após a escola, às vezes com milímetros de fome a brincar nos estômagos vazios, nós, nós existíamos apenas porque tínhamos de existir, era-nos proibido desistir, era-nos proibido entrar no quintal do senhor António Joaquim de Alicate, homem robusto, homem rude, e de poucas palavras,
Um dia
E das poucas palavras, as poucas palavras, se não servissem para resmungar com três ou quatro miúdos, serviriam para quê? O quê? Não acredito, queixava-se ele, um dia, quando ia para entrar no palheiro e viu-me sobre o telhado, em pés de lã à procura de uma velha bola de futebol, gritou-me
Agora salta!
Claro que eu, incrédulo comigo mesmo, saltei, caí, não me magoei... e consegui desprender-me das suas garras de lobo solitário, Palavras? Para quê? E ainda hoje, durante a noite, quando abro a janela e espero que regresse, sinto-as
Agora salta,
Sinto-as ao redor do meu esguio pescoço, como se fossem finos arames suspensos entre duas árvores, eu, incrédulo, vestido de palhaço, percorro o arame, e sinto-as, as mãos do senhor António Joaquim de Alicate e a triste bicicleta da menina Alzira, que ainda hoje, quase com noventa anos
Olá, menina Alzira... está boazinha?
Claro que sim, responde-nos, e desde o salto mortal entre quintais, que ela, que ele, que nós, nós que supostamente não era para existirmos, inacreditavelmente, existimos, e ainda hoje, em todos os finais de tarde, saltamos os quintais invisíveis, alguns deles foram degolados por escavadoras e bulldozers, tal como o senhor António Joaquim de Alicate, robustos, de poucas palavras, para quê palavras?
Agora salta...
E eu saltei, voei sobre as espigas de trigo, e em vez de cair
Ainda hoje sinto-lhe as mãos no meu esguio pescoço,
E em vez de cair sobre uma leve cama de espigas de trigo com lençóis de cansaço, não, não ouvi as palavras dele, não percebi as palavras dela,
Ainda hoje
Menina,
Ainda hoje
Salta,
Ainda hoje
Olá, menina Alzira... está boazinha?
Um dia
E das poucas palavras, as poucas palavras, se não servissem para resmungar com três ou quatro miúdos, serviriam para quê? O quê? Não acredito, queixava-se ele, um dia, quando ia para entrar no palheiro e viu-me sobre o telhado, em pés de lã à procura de uma velha bola de futebol, gritou-me
Agora salta!
E eu, ainda hoje, não consegui poisar o meu corpo no doce chão, nós, três ou quatro, de quintal em quintal, saltávamos os pequenos muros, e eu, ainda hoje, tenho saudades do senhor António Joaquim de Alicate e da menina Alzira, e eu
Sobre o telhado do palheiro...
E eu, hoje, sinto-lhe as mãos no meu esguio pescoço.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Das palavras não escritas

foto: A&M ART and Photos

Sentia as tuas mãos a sufocarem-me das palavras não escritas
promessas incompreendidas quando havia uma manhã de desejo
correndo encosta abaixo
afogando-se nas veias submersas em saliva que escondiam sombras do meu pobre esqueleto
ossos e pó deles envenenados pelas imagens a preto-e-branco dos meus lábios descoloridos,

Amargos
sofridos quando sabíamos que era o último reencontro após a partida em direcção ao nada
sabíamos e não o confidenciamos a ninguém
apenas trocávamos verdes olhares de verdes olhos
em frente à inocência saudade,

Sentia a tuas mãos de xisto
vagueando no meu corpo de árvore em papel paixão
poisavam pássaros em ti
e ouviam-se as tuas dolorosas canções de amor
caminhando sobre a praia-mar...

Uma floresta de carnívoras madrugadas acordava dentro de nós
quando abrias os olhos e sabias que já tinha partido
descia a janela com vista para as rochas mergulhadas no mar...
e procurava da noite dispersos gemidos de ti
que eu pensava serem versos nas folhas mortas do poeta,

O livro escrevia-se conforme se extinguiam as luzes dos nossos gemidos
formatávamos os nossos discos rígidos até percebermos que já não éramos nós
eu deixei de saber quem eras
e tu, tu percebias que eu não passava de um mero cortinado de areia
a brincar numa rua de Luanda...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um rio encostado aos seios desnudos da montanha

foto: A&M ART and Photos

Nada me apetece, nada me interessa, o sono chora dentro de mim como um rio encostado aos seios desnudos da montanha com corpo de socalco, uns míseros carris de aço contornam a barriga de pele lisa e perfumada, as videiras conversam com as mãos de xisto de homens e mulheres, alguns, filhos da montanha, herdaram-na dos avós, passaram a pertencer aos pais e dos filhos pertencerão, um dia, e se esse dia chegar, um comboio desgovernado roçará o sexo na água morna e serena do Douro antes do pôr-do-sol,
Nada me interessa, dizes tu, desiludido com as nuvens inventadas pelos olhos da Andreia, sorris como sorriram as cavernas dos dentes de marfim, um crocodilo em pau preto suspendes-se sobre a mesa da sala de visitas, está triste, está cansado de viver sempre sobre a mesma mesa, sempre a ouvir as mesmas palavras, e sempre
O calendário
E sempre a olhar os dias preenchidos com pequenas cruzes, depois de terminarem, novas cruzes, novos círculos, até que a noite seja noite, até que o dia morra dentro da garganta do mar,
O calendário submete-se aos critérios do crocodilo com dentes de marfim, tão velho, tão velho que se perdeu na idade, tão velho que nem o próprio luar se recorda do seu nascimento, e sempre, sempre pronto a resmungar com as letras de caligrafia antiga que vivem nas fotografias do álbum que trouxemos de Angola, e tão velho, tão velho como as lágrimas do amor...
Nada me apetece, oiço o grito desesperado do finalmente só, oiço a alegria das tardes antes de terminarem, mesmo antes da menina Andreia acender todas as luzes do silêncio, a musicalidade, a poesia, o reviver de sonhos esquecidos num fita de dezasseis milímetros, imagens, vultos passeando-se junto a umas pedras de nome
Albertina, Joana e Joaquina,
Três lindas flores, três belas montanhas, encalhadas entre um rio louco e um par de carris envelhecidos, encurvados, às vezes chorando porque as dores são intensas, as dores do cansaço, as dores da desilusão, as dores da vida quando deixou de existir vida nesta terra, as dores da solidão, quando entre multidões
Estamos sós, diz-me ela antes de baixar o estore e desligar o interruptor dos queixumes, das dores quando as dores não são físicas, quando as dores são dores, inventadas pelas noites intermináveis, pelas noites doentes com dores não dores
Albertina, Joana e Joaquina,
Três meninas, três sonhos, três jardins com três lagos, e onde brincam... três patos,
Quando entre multidões os esqueletos vadios confundem-se com as dores de não dores, quando entre multidões os dentes de marfim dele, deixam de lhe pertencer, quando os pássaros que voam dentro da cidade, cai a noite e todos eles, sem excepção, entram casa adentro, poisam sobre os arbustos que vivem na sala de jantar, um dia, tão velho, que me esqueci dele no velho calendário, um dia pareceu-me ouvir-lhe algumas palavras, poucas, escrevia-as tal como as ouvi, e ainda hoje, depois de muitos anos, tão velho, coitado, pergunto-me
Porquê?
Albertina, Joana e Joaquina,
Três patos, três pontes, e três barcos, tão... tão velhos como o teu corpo de seda
Pergunto-me,
Tão velhos como o teu corpo de seda, tão velhos como nós, e se te perguntar – Quem somos nós? - percebes que não somos ninguém, percebes que não somos papel, percebes que não somos palavras, percebes que não somos dias, noites, desilusões ou sonhos, percebes...
Que não somos nada,
Pergunto-te
Porquê?
E
Albertina, Joana e Joaquina, tão velhas, também elas, tal como nós... não o sabem, ou não querem falar,
Porque ainda existem palmeiras no largo em paralelos graníticos do tempo em que sabíamos quem éramos, sonhos, percebes?
E
Albertina cerrou os olhos como o fizeram todas as pálpebras da cidade esquecida no centro da montanha,
“nada me interessa, dizes tu, desiludido com as nuvens inventadas pelos olhos da Andreia, sorris como sorriram as cavernas dos dentes de marfim, um crocodilo em pau preto suspendes-se sobre a mesa da sala de visitas, está triste, está cansado de viver sempre sobre a mesma mesa, sempre a ouvir as mesmas palavras, e sempre
O calendário”,
No centro da montanha em púbis de cereja.
(e o calendário arde encostado à parede das tuas coxas de areia)


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A falsa casa numa falsa morada (eu)

foto: A&M ART and Photos

Em meu sangue flutuas como uma porcelana adormecida
uma Rainha desesperada
voas entre paredes e muros e escadas...
em meu corpo habitas falsamente no compartimento exíguo
onde deixo durante a noite alguns dos meus sonhos,

Finjo ter em mim uma morada
uma pequena casa com asas de papel
é triste a fachada
uma casa com cortinados de aço
onde suspendes os teus desejos quando desce a noite em nós,

Em nós?
Se tu não existes como não existem as amoreiras da nossa infância
como nunca existiram as cavernas encastradas nas rochas junto ao mar
éramos dois barcos com velas desenhadas numa sombra vinda do céu
como vinham até nós (Nós?) os silêncios amanheceres das falsas madrugadas,

E inventávamos janelas de abrir no sorriso dos transeuntes
que dizimavam cigarros de enrolar
ouvíamos o ruído da água sibilando das finas esferas de açúcar
que brincavam no corredor da memória...
havíamos de reencontrarmos-nos numa qualquer paragem do eléctrico,

E nós?
Pergunto se algum dias existiu Nós em nós?
Um vocabulário apreendido pela polícia numa rusga em Alcântara
mesas cadeira e nós
nós? Quem somos nós?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 27 de junho de 2013

São nove e qualquer coisa...

foto de : A&M ART and Photos

São... oiço-a no fino pano de espuma, que nos separa, oiço-a do esconderijo com folhas de azedume e janelas de neblina
São nove e qualquer coisa...
Antes das dez, presumo eu, nunca tive um relógio, não por difíceis condições económicas, mas porque sempre achei ser um utensílio, Objecto? Quase, recordo-o agora
(Objecto quase – José Saramago)
Desnecessário, pergunto-me para que me serve um relógio se eu nunca, nunca lhe obedecia, ou minto, fui um servo escravo dele, mas hoje, hoje não o sou, deixei de o usar, tenho-o poisado sobre a cómoda, passo por ele, logo de manhã, indiferente, sublime a luminosidade que consigo observar-lhe quando a luz incide sobre o mostrador com números brilhantes, a princípio, a princípio fiquei na expectativa se aguentaria viver sem ele, e consegui, e sinto-me feliz, muito feliz...
Claro que minto, caro que o tive e deixei de o usar,
O amor?
Entre dois pontos com coordenadas tridimensionais, algures no espaço, com apenas três coordenadas, e um referencial, percebo, que ele, o amor, vive, respira, habita nos corpos mais lentos da cidade, movimenta-se com dificuldade, é mutante, e raras vezes aparece depois de encerrarmos as luzes dos candeeiros a petróleo espalhados pelos silêncios dela,
Oiço-a
São nove e qualquer coisa...
Ainda não dez, brevemente, depois como uma louca corrida em direcção ao fim do corredor, ele, desaparece pelas sombras submersas nos cobertores dos divãs do amor, as escadas em madeira, barulhentas, rabugentas, doces, elas, as nádegas do relógio de pulso submergido no rio de suor da pele ausente que tu me prometeste, e que nunca
São quase dez,
Nunca cumpriste, nunca, escrever para quê?
(Objecto quase),
Em saltos de prateleira em prateleira, em risos, como os móveis teus cobertos por um velho lençol, deixaste de entrar em mim, deixaste todos os móveis do meu corpo protegidos por um branco pano, ausência de pó, vida medíocre, ausência de oxigénio, sempre com as minhas janelas fechadas como uma cancela em suspenso por dois pilares de cansaço, a embaixada
São nove e qualquer coisa...
Você não é Angolano,
Percebo que não sou, percebo que nunca o fui, percebo que a certidão de nascimento onde consta que nasci em Luanda, lamento informá-lo mas a sua certidão de nascimento é falsa, é falsa, como são falsas a respectiva cédula pessoal, como são falsas as fotografias, como é falso o cartão de vacinas contra a febre amarela
O quê? Qual febre amarela, rapaz... enlouqueceu,
Tudo é falso, eu sou falso, a embaixada
Você não nasceu em Luanda, você é um mentiroso, compulsivo, sou, pois sou, e garanto-lhe que nunca brinquei no Mussulo, e garanto-lhes que nunca vi, juro pela minha honra que nunca vi, não sei o que são, machimbombos, juro que não tenho terra, juro-o...
São quase dez,
Nunca cumpriste, nunca, escrever para quê?
(Objecto quase),
Em saltos de prateleira, dentro de um falso paquete, enganaram-me, disseram-me que nasci num local que não existe, falsos, disseram-me que vim num paquete, lindo, enorme, atraente como as meninas que passeavam junto ao Tejo, e não vim, e descubro que esse paquete nunca existiu, falsos, mentirosos, falsas infâncias, como os jardins da escola
Será que ela existiu?
São quase dez, diz-me ela, oiço-a..., em Portugal continental, e no entanto descubro que toda a minha infância foi uma mentira inventada por um menino que andava de calções e sandálias de couro, sentava-me debaixo das mangueiras e inventava histórias,
E inventou esta história, que nasci, vivi, e vim...
E eu, acreditei,
Como acredito nela que me diz que são quase dez horas, da noite?
(Objecto quase)
E eu, acreditei.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de junho de 2013

As cinco torres de neblina

foto: A&M ART and Photos

Embebida nas drogas sintéticas do desejo
há palavras que brotam em teus alicerçados lábios de amanhecer
como pedaços de papel suspensos de um velho livro de poemas
há uma cadeira vazia onde te sentavas
e deixaram de existir os gemidos gonzos perdidos de ti,

Saboreando eu as ditas embebidas na tua doce boca
ou quando acorda o botão de rosa
e sabes que vem do espelho cinzento o vento que te enlaça
e enrola nos cordões de aço
sobre o rio em delírios nocturnos,

Abres as janelas das cinco torres de neblina
que sobejaram da alegre tempestade de alento
sabes que parti porque sou como as gaivotas
voando de mastro em mastro
em busca de alimento,

Sou
sou um falso carvão filho de um medíocre carvoeiro
que corre as ruelas da cidade numa bicicleta antiquada
não estou habituado a alimentar-me como as pessoas normais
talvez porque eu não seja humano… talvez porque eu sou um normal carvão,

Sem coração
profano
embebida nas drogas sintéticas do desejo
ela a Rainha das madrugadas em poesia
saltando de vez em quando os tristes muros da insónia...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 25 de junho de 2013

A revolta dos lençóis de linho

foto: A&M ART and Photos

Olhos, eu? Não os tenho... são apenas pedaços de xisto vagueando ente os socalcos do Douro e a imaginação invisível do sonho de voar..., uma velha metralhadora dispara sorrisos contra a parede de vento que separa os quintais, um pertence ao palhaço rico, e o outro, como nem podia ser de outra forma, é propriedade do palhaço pobre, quando criança queria ser palhaço, trapezista... ilusionista, qualquer coisa que rimasse com circo, qualquer coisa que me fizesse deslocar de terra em terra, e nunca, nunca ser pertença de nenhuma, não ter terra, não inventar rimas quando vinhas à janela, olhava-te e sorriamos como crianças entrelaçadas nas aranhas dos livros de banda-desenhada, imagina que eu fosse o circo, uma roulote, uma fera indomável, correndo e comendo carne até adormecer,
Imagina-me de bicicleta entre sombras de mangueira e gargalhadas de plátanos, imagina-me, não à janela do primeiro andar, mas... num rés-do-chão sobre rodas,
Imaginava-me prisioneiro a uma corda sem princípio nem fim, eu, um palhaço, um trapezista ou um malabarista engolindo fogo e vomitando pedaços de vidro, imaginava-me acorrentado aos abraços de alguém, que quando chegasse no final da noite,
Estou enjoada,
E eu confortava-a dizendo-lhe que provavelmente era do trapézio, ela olhava-me e sorria
E ente silêncios,
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Nunca, quando chovia, nunca, quando montávamos a tenda e debaixo dela centenas de crianças, sorrindo, comendo pipocas, gelados, nunca, quando eu no palco travestido de cigana lançava-me às feras, elas diziam que eu
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Disparam-se sorrisos contra a parede de vento, revoltam-se os lençóis de linho das nossas avós, e ardentemente, faço uma pequena sesta na minha infame roulote, e o melhor local para arquivar determinadas mensagens é sem qualquer dúvida a pasta “LIXO”, e enquanto me esticava no pouco espaço da roulote, olhava-me suspenso no tecto, e percebia que nunca seria eternamente criança, e que um dia a vida artística terminaria, deixaria de ser o trapezista, deixaria de ser o palhaço pobre, deixaria de ser o malabarista... e de to e sempre, deixaria de ser o menino do mar, e perguntar-me-ia
Do trapézio?... Parvalhão que não percebe,
E que não, nunca percebeu, e ainda hoje acredita que os olhos são apenas pedaços de xisto vagueando ente os socalcos do Douro e a imaginação invisível do sonho de voar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O gato “Orlando”

foto: A&M ART and Photos

Um círculo de espuma
no centro sombrio de uma tela mergulhada em insónia
junto à fronteira que separa a noite do dia
o mar rasurado misturando-se em lágrimas e pequenos silêncios de papel...
e de um sofá submerso em sonhos pincelados de sal... ouve-se o gato “Orlando” em gemidos de sono,

Ele inventa a madrugada sobre os telhados de Lisboa
e pinta nas manhãs de neblina a paisagem invisível do rio envergonhado
atravessado por uma ponte rabugenta
enferrujada pelo vento das nortadas entre despedidas e desejadas barcaças
derramando a solicitude em palavras abstractas e insignificantes,

O desejo em tua felina pele voando sobre as árvores do Tejo
confunde-te com gaivotas e pernaltas em pétalas de açúcar
barcos apaixonados
e astronautas
e no final do dia dizes-me que no Sábado vais ficar ausente de mim,

Habituei-me às tuas garras sobre o meu peito em papel-cartão
marinheiro tu saboreando sorvetes de chocolate como broches na lapela do mendigo artista
dormindo sobre a calçada e desenhando nos teus tornozelos as equações trigonométricas da paixão
e procurando ângulos no negro quadro separando a parte real da parte imaginária
os números complexos em ti descendo o corpo do círculo de espuma,

Estás nua
geada de sémen em migalhas de areia
correndo esquinas e travessas em madeira
pilares e vigas
e sorriso algum emerge dos teus lábios de cidade adormecida... vadia e prostituta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Poesia sem Gavetas II – Participação de Francisco Luís Fontinha