foto: A&M ART and Photos
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Olhos, eu? Não os tenho... são apenas pedaços de
xisto vagueando ente os socalcos do Douro e a imaginação invisível
do sonho de voar..., uma velha metralhadora dispara sorrisos contra a
parede de vento que separa os quintais, um pertence ao palhaço rico,
e o outro, como nem podia ser de outra forma, é propriedade do
palhaço pobre, quando criança queria ser palhaço, trapezista...
ilusionista, qualquer coisa que rimasse com circo, qualquer coisa que
me fizesse deslocar de terra em terra, e nunca, nunca ser pertença
de nenhuma, não ter terra, não inventar rimas quando vinhas à
janela, olhava-te e sorriamos como crianças entrelaçadas nas
aranhas dos livros de banda-desenhada, imagina que eu fosse o circo,
uma roulote, uma fera indomável, correndo e comendo carne até
adormecer,
Imagina-me de bicicleta entre sombras de mangueira e
gargalhadas de plátanos, imagina-me, não à janela do primeiro
andar, mas... num rés-do-chão sobre rodas,
Imaginava-me prisioneiro a uma corda sem princípio
nem fim, eu, um palhaço, um trapezista ou um malabarista engolindo
fogo e vomitando pedaços de vidro, imaginava-me acorrentado aos
abraços de alguém, que quando chegasse no final da noite,
Estou enjoada,
E eu confortava-a dizendo-lhe que provavelmente era
do trapézio, ela olhava-me e sorria
E ente silêncios,
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Nunca, quando chovia, nunca, quando montávamos a
tenda e debaixo dela centenas de crianças, sorrindo, comendo
pipocas, gelados, nunca, quando eu no palco travestido de cigana
lançava-me às feras, elas diziam que eu
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Disparam-se sorrisos contra a parede de vento,
revoltam-se os lençóis de linho das nossas avós, e ardentemente,
faço uma pequena sesta na minha infame roulote, e o melhor local
para arquivar determinadas mensagens é sem qualquer dúvida a pasta
“LIXO”, e enquanto me esticava no pouco espaço da roulote,
olhava-me suspenso no tecto, e percebia que nunca seria eternamente
criança, e que um dia a vida artística terminaria, deixaria de ser
o trapezista, deixaria de ser o palhaço pobre, deixaria de ser o
malabarista... e de to e sempre, deixaria de ser o menino do mar, e
perguntar-me-ia
Do trapézio?... Parvalhão que não percebe,
E que não, nunca percebeu, e ainda hoje acredita
que os olhos são apenas pedaços de xisto vagueando ente os socalcos
do Douro e a imaginação invisível do sonho de voar...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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