terça-feira, 25 de junho de 2013

A revolta dos lençóis de linho

foto: A&M ART and Photos

Olhos, eu? Não os tenho... são apenas pedaços de xisto vagueando ente os socalcos do Douro e a imaginação invisível do sonho de voar..., uma velha metralhadora dispara sorrisos contra a parede de vento que separa os quintais, um pertence ao palhaço rico, e o outro, como nem podia ser de outra forma, é propriedade do palhaço pobre, quando criança queria ser palhaço, trapezista... ilusionista, qualquer coisa que rimasse com circo, qualquer coisa que me fizesse deslocar de terra em terra, e nunca, nunca ser pertença de nenhuma, não ter terra, não inventar rimas quando vinhas à janela, olhava-te e sorriamos como crianças entrelaçadas nas aranhas dos livros de banda-desenhada, imagina que eu fosse o circo, uma roulote, uma fera indomável, correndo e comendo carne até adormecer,
Imagina-me de bicicleta entre sombras de mangueira e gargalhadas de plátanos, imagina-me, não à janela do primeiro andar, mas... num rés-do-chão sobre rodas,
Imaginava-me prisioneiro a uma corda sem princípio nem fim, eu, um palhaço, um trapezista ou um malabarista engolindo fogo e vomitando pedaços de vidro, imaginava-me acorrentado aos abraços de alguém, que quando chegasse no final da noite,
Estou enjoada,
E eu confortava-a dizendo-lhe que provavelmente era do trapézio, ela olhava-me e sorria
E ente silêncios,
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Nunca, quando chovia, nunca, quando montávamos a tenda e debaixo dela centenas de crianças, sorrindo, comendo pipocas, gelados, nunca, quando eu no palco travestido de cigana lançava-me às feras, elas diziam que eu
Do trapézio... Parvalhão que não percebe,
Disparam-se sorrisos contra a parede de vento, revoltam-se os lençóis de linho das nossas avós, e ardentemente, faço uma pequena sesta na minha infame roulote, e o melhor local para arquivar determinadas mensagens é sem qualquer dúvida a pasta “LIXO”, e enquanto me esticava no pouco espaço da roulote, olhava-me suspenso no tecto, e percebia que nunca seria eternamente criança, e que um dia a vida artística terminaria, deixaria de ser o trapezista, deixaria de ser o palhaço pobre, deixaria de ser o malabarista... e de to e sempre, deixaria de ser o menino do mar, e perguntar-me-ia
Do trapézio?... Parvalhão que não percebe,
E que não, nunca percebeu, e ainda hoje acredita que os olhos são apenas pedaços de xisto vagueando ente os socalcos do Douro e a imaginação invisível do sonho de voar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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