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sábado, 31 de outubro de 2015

Um dia nos meus lábios


Diz que disse sem o dizer

Dizendo que eu era um monstruoso esqueleto com asas

Que voava enquanto todos dormiam

E que tinha uma cidade só minha

Diz que disse sem o dizer

Dizendo

Mas disse-o

Esquecendo

Que eu voava nas noites de insónia

Que era monstruoso

Que tinha alergia aos rochedos da solidão

Não o dizendo

Disse-o

Um dia

Nos meus lábios

Emagrecidos

Pobres

Descarnados pelo veneno da madrugada

Que só o Inverno consegue abraçar

Diz que disse sem o dizer

Dizendo

Que um dia

Qualquer dia

Eu

O esqueleto monstruoso com asas

Ia morrer

Sem o saber

Dizia-o

Que disse

Sem o dizer

Inventando-me sonhos que eu não queria

Nem dormia

Com medo das suas garras de chocolate…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 31 de Outubro de 2015

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

e sinto o meu esqueleto vaguear sobre as tuas coxas de cereja

foto de: A&M ART and Photos

embriagas-me os olhos em silêncios neblina
como esperanças vãs
e manhãs adormecidas
que dentro ti
voam como serpentes em desejo
no veneno tua doce mão
que dentro de ti
entre o beijo e a saudável poesia
embriagas-me
os meus olhos sintéticos pintados com acrílicas insónias
e dizes que as minhas pálpebras são os pedaços da noite
mergulhadas em mesas de café...

embriagas-me como paixões de areia
no coração dos barcos apaixonados
indefinidos sem saberem o sexo das marés travestidas de baloiço
onde me embriagas
e me comes
e sinto o meu esqueleto vaguear sobre as tuas coxas de cereja
como um transeunte ausentado das madrugadas em papel
branco vazio sem palavras ou... recheado de cadáveres empobrecidos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Tão linda e tão bela, ela...

foto: A&M ART and Photos

Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas, olhávamos os céu, e víamos o cansaço dos anos em pequenas travessuras de crianças, doidos, correndo na peugada de uma sandes de marmelada, ouvíamos, e nada dizíamos, porque éramos pobres, porque éramos melancólicos, porque
Oiça,
E é tão bom, saber que sobre nós, voa uma voz de silêncio, vestida de noite, e ouvir sem perceber porquê... o bater de asas em papel crepe, oiça
Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Todos loucos, porque os pássaros deixaram de voar, porque as flores nunca mais senti que sorrissem para mim, para os outros é uma coisa... agora, para mim? Eu, o único solitário que lhes pegava com todo o cuidado, acariciava-lhes as pétalas doiradas de olhar envergonhado, eu, eu que me sentava em frente a elas, eu que cruzava os braços, e sorria
Inventava-lhes abraços,
Oiça,
E é
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
E é tão bom quando chegamos a casa, abrimos a porta, nada lá dentro, e tudo cá fora, entramos, deixamos as roupas transpiradas no cabide exposto no Hall de entrada, ficar nu, cá dentro nada existe, apenas um espaço vazio, sem vozes, sem livros, e palavras
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
E é tão bom, percebermos, que ninguém nos espera, e é tão bom, tão bom, e palavras voando pela janela até desaparecerem entre as roseiras do quintal da Augusta, parecem borboletas vagueando os sonhos do meu corpo desnudo, ósseo, filho de um esqueleto de vidro, finas partículas de areia, um alto-forno a temperaturas elevadíssimas, eu, no centro do forno, borbulhas de azoto, películas de pele levadas pelo vento, panfletos a anunciarem uma greve geral que nunca chegou a acontecer, um dia, de um País que nunca existiu, e morreu dentro do alto-forno... todos lá dentro, o meu esqueleto, a areia, e eles, claro,
Oiça o que eu lhe digo,
Diz lá, Carlitos,
(isto está fodido!)
Isto, isto o quê?
Isto, isto tudo!
Tudo não, porra, porra não, quase tudo, mas nós ainda estamos de boa saúde, pensa Carlitos, pensa que ainda existem pessoas em pior situação do que a nossa
A nossa, qual nossa?
A minha e a tua, porra, porra não, é que...
Oiça o que eu lhe digo,
É que ainda estamos vivos, percebes? E nos tempos que correm... estar vivo é a maior vitória, depois da águia, claro, claro, claro, não porra, porra não, claro, ah...
E é
É o quê?
Tão linda, ela, mais bela que o mar, mais leve que o vento... e voa, voa como as gaivotas, e navega, e navega como os barcos quando entram na barra
Nos teus braços?
E é
É o quê?
Tão linda e tão bela, como ela, como ela quando entra em casa, tudo vazio, as vozes ofegantes das minhas personagens, todas elas, dormem, digamos que
Talvez não durmam todas, mas tenho a certeza que algumas delas, dormem, oiço-as, oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas,
Tão linda e tão bela, ela...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha