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sábado, 7 de junho de 2014

Shot de AMOR!


Hoje, quero fugir,
esconder-me na sanzala da minha infância,
com os meus frágeis bracinhos, chapinhar nos charcos de areia,
hoje, hoje a noite parece um cortinado de incenso, ténue silêncio nos teus dedos,
faltam-me as palavras, faltam-me corpos para escrever as palavras,
de neblina, de pólen... corpos, de cera, de nada, apenas corpos sem significado,
hoje, quero fugir,
hoje, hoje pareço uma locomotiva galgando os campos de milho de Carvalhais,
apitos,
e gritos,
hoje,
hoje, os teus olhos incendiaram os meus lábios,

(palpita-me que hoje vais descobrir o texto invisível que esconde o meu peito)

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(Cansado da tua ausência, e não estás ausente, e não... e não hoje, por favor, hoje não, hoje não sonhos nos teus cabelos)

Hoje, quero fugir,
desenhar-te na minha boca,
hoje, esconder-me em ti,
como uma criança amedrontada,
triste,
com medo,
medo que do mar venha a sanzala da minha infância,
e me traga,
paciência...
porque hoje, hoje quero fugir,
e hoje quero-te em mim,
construindo círculos de preia-mar,

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(searas, margaridas, hoje todos me pedem as palavras que nunca escrevi)

E hoje, e hoje escrevo porque te vi,
e sem ti,
senti o luar poisar nos meus ombros,
senti o xisto dos muros caindo dos socalcos imaginários,
como os barcos de papel,
como os marinheiros de sisal,
enfeitados com plumas encarnadas e sorrisos de vodka,
e hoje, e hoje quero fugir,
aterrar num bar sem conhecer ninguém,
sem palavras,
sem... sem ti,
sentir o machimbombo da paixão em pequenos soluços,

(e nada como uma bebida com sabor a amar)

Um shot de AMOR!
Porque hoje quero fugir,
um shot de saudade,
porque hoje sem ti,
senti a tua fotografia na montra de uma livraria,
raios...
outra vez a poesia,
um shot, por favor,
um shot de alegria,
um shot para me recordar,
como eram lindos os teus seios de madrugada,
e hoje, hoje quero fugir,

(sem me preocupar com o amanhecer, sem me preocupar com nada).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Junho de 2014

sábado, 3 de maio de 2014

poema de ninguém

foto de: A&M ART and Photos

embainhas-te no meu corpo como uma bala perdida
há na tua mão a espingarda do desejo
oiço entre as sombras e os sons metálicos
pigmentos do teu olhar envidraçado na cidade do feitiço
às tuas pálpebras de pergaminho
vêm a mim as insignificantes flores da paixão
das tuas palavras
as lágrimas da solidão
sem medo
rompem a montanha das árvores de papel
há luz na cabana
e uma cama que nos espera...

(estarás vivo, meu poema de ninguém!)

há dentro de ti uma janela
um telheiro com odores de Carvalhais
um velho espigueiro aproxima-se do teu coração
e entre as frestas das ripas em madeira cansada...
os teus beijos
como nuvens de espuma
saltando
e brincando na eira
cruzo os braços
e espero o regresso do paquete teu corpo
há âncoras de sémen nas palavras da madrugada
e uma flor deita-se nos teus seios de silêncio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 3 de Maio de 2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

A dita tranquila paixão...

foto de: A&M ART and Photos

Sentíamos os pinheiros de papel voando nas planícies pinceladas em vermelho inventado,
havia um pulmão de Inverno nos teus olhos de disco voador,
gaivota sonhadora, havia em ti um tímido silêncio de dor,
uma travestida mágoa conversando nas eiras com palheiros de granito,
ouvíamos, às vezes, o ranger das ripas entre os pregos ao aço dorido,
e sentíamos os triângulos isósceles quando ainda existia em nós... a dita tranquila paixão...

Ainda sinto as tuas tristes mãos onde habitavam palavras com medo,
segredos sem sentido,
amores proibidos... beijos que nunca conheceram o diáfano cansaço da noite,
sentíamos os alforges engolindo pedras e outras coisas sem nome,
e ainda sinto,
e ainda tenho... a dita tranquila paixão...

Sabíamos que a saudade era apenas uma palavra perdida no meio da seara envenenada,
sabíamos... sentíamos... sabíamos que os nossos corpos jamais se separariam das janelas com grades em vidro,
e no entanto... deixamos adormecer todas as imagens a preto-e-branco que tínhamos encerrado dentro dos nossos corações de manteiga,
o amor desperdiçado em voláteis vozes em fumo e banho-Maria,
e... e nós... a dita tranquila paixão...
em poderosos parquímetros com paquetes em dóceis apitos do desejo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ou... ou talvez... não

foto de: A&M ART and Photos

Vinte e uma horas e as ratazanas azuis deambulam no corredor da insónia
sou invadido por um sonho em tons de branco
e um tecido opaco ofusca-me o olhar
a cegueira entranha-se na minha mão
passo-a pelo teu rosto e verifico que não tens rosto...
… vinte e uma horas e tu não existes
e tu
tu pareces uma rosa desgovernada na paisagem sem moldura
uma tela em branco
uma janela...
janela sem caixilho... quando sinto o vento entrar e nada posso fazer
e nada me apetece fazer...

Deixo a caneta sobre a secretária
deixo um dos livros em pausa perto da mesa-de-cabeceira
desligo o interruptor da saudade
dos sonhos
e percebo que a lâmpada do desejo nunca mais se acenderá na minha vida...
anticongelante corre-me nas veias tristes e sonolentas
agrestes
precoces como os primeiros passos em sandálias de couro
os calções voavam sobre as mangueiras sem bandeira
e a apátrida criança nunca mais quis olhar o mar...
desistiu
desistiu dos sonhos com bonecos de peluche

Desistiu dos velhos pinheiros de Carvalhais
da eira
do espigueiro...
vinte e uma horas em Portugal Continental
e um miúdo perde-se na imensidão das ruas com os espelhos das velhas secretárias
com velhos papeis
em velhos edifícios atulhados em reumatismo e bicos de papagaio...
o tempo acabou
e os calões hoje são gaivotas com sandálias de couro
que brincam no Baleizão
ou...
ou... ou talvez... não.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de2013

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

não dormem mas... também não sonham

foto de: A&M ART and Photos

Tristemente invadido pelas análises clínicas dos perfumados jardins das jangadas embebidas em cianeto e outras
Escadas?
Palavras, não o sei, não o consigo perceber, talvez este verso alimentado pela inveja encontre dos triângulos dos dias tristes as algas masturbadas dos rios envenenados pelo doce odor da paixão, do cinismo...
As escadas...
Nunca tive Sábados, e à Sexta-feira tínhamos Açorda de Marisco, pão, vinho e sobremesa,
A sério?
Tristemente invadido pelos machimbombos da insónia, escondia-me de ti, debaixo da mesa no quintal das bananeiras, mangueiras e outras … eiras
Carvalhais,
Sexta-feira,
Eles não sabiam que tínhamos almoçado, traziam-nos coisas estranhas, comíamos tardíssimo porque acreditávamos que havia fantasmas que roubavam a comida dos pobre, e as tuas mãos abraçavam-se à minha cintura rechuxuda, hirta... fria como a geada de hoje à noite, e dizias-me que todas as árvores são como os pássaros quando são velhos...
Não voam, não voam mas também não andam, não bebem... e também não pagam, e também,
As escadas?
Sexta-feira,
Tristemente...
Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...
E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados
Procurando,
Coitados...
Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...
De nós...
Deles...
O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos
Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
E não bebem, e não pagam, não dormem mas... também não sonham,
As escadas?
Tristemente tristes, tristemente... sós, sós, talvez só às vezes tristemente sós...
O beijo dilacerava-se, o beijo derretia-se como chocolate, a Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo pela módica quantia de
Os beijos pareciam migalhas de pão abandonadas sobre a mesa de ébano, cheirava a naftalina, a toalha pertencia aos objectos escondidos como as pratas que deixaram de existir desde eu criança, como as porcelanas e todo o marfim, tínhamos falido, e vivíamos como Príncipes imperfeitos vestidos de carrancudos criados sem ofensa para vossemecê meu grande amigo
As escadas?
E pela módica quantia de dois beijos e uma sexta-feira...
Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo a estrear, excepto o vinho, que esse, esse já era em quarta ou quinta mão,
Sexta-feira, amanhã, a estrear, o beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro, e eu, eu inventado Açordas de Marisco, sopa, pão... e o vinho, e o vinho parecendo água depois das tempestades de...
Sexta-feira, Sábado, e Sexta-feira temos
Açorda de Marisco... e vinho, e vinho, tristemente... só. Só.
(onde está a sobremesa, raios?)


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2013

domingo, 10 de novembro de 2013

sentir não sentindo as velhas noites de cetim

foto de: A&M ART and Photos

senti-te despregada dos sonhos em castelos de veludo
desci as escadas da solidão à tua procura
mergulhei no incenso magusto das castanhas embebidas em pétalas de amor
dormi na rua por tua causa
subi às árvores para buscar-te as asas que te prometi
e por lá fiquei
senti
e sem ti
senti-te mais tarde dentro de mim como se sente o rio quando corre nas nossas veias de onomatopeias desgovernadas
tristes
e simples espada nas cantigas das janelas em ruelas empobrecidas
senti-te despregada dos sonhos em cubos de areia vestidos com bonecos em palha seca
sabia-te perdidamente nas cidades em volta dos relvados nocturnos dos néons castrados como abelhas fundeadas no cais das aranhas e noites em dormitórios de marés rochosas ou das malignas coberturas de zinco nas cabeças sem coloridas manhãs de Outono
amar-te-ei depois dos terramotos de cetim em cobertores de chita?
e por lá fiquei
senti
e sem ti
imaginava-te louca com brincos de centeio dos campos de Carvalhais
imaginava-te nua dentro do espigueiro junto à eira
e sentia-te entre as frestas do dia em delírios poemas como gotículas de suor que o teu corpo derramava sobre a minha sombra
e por lá fiquei
senti
e sem ti
às caravanas esplanadas do rio embrulhado em pontes de concreto armado
vagueavas-me na ponta dos dedos como objectos minúsculos do edifício da rua dos apaixonados mosquitos de arame
sentia-te fervilhar no meu sangue
sentia-te a desfrutares as palavras dos meus suspiros quando acordava o pôr-do-sol...
e um barco se sémen poisava sobre as tuas coxas envergonhadas
absorvendo o prazer da tarde como uma equação diferencial esquecida dentro do caderno quadriculado
e por lá fiquei
sem saber que tu eras como as espigas de milho
sem saber que tu sonhavas com clarabóias de insónia depois dos terramotos de cetim em cobertores de chita
amar-te-ei?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 10 de Novembro de 2013

sábado, 9 de novembro de 2013

abstractos objectos dentro do meu peito

foto de: A&M ART and Photos

em todas as coisas belas fui mestre das tempestades de zinco que habitavam a cidade do nada
adormeci debaixo das sombras pedestres dos castanheiros
vivi em vãos de escada
sorri
e chorei
em todas as coisas belas...
me senti embebido nas lâminas de azoto que vagueavam os alicerces dos muros invisíveis
e descobri que o amor
e descobri que a noite
sorri
e chorei
são abstractos objectos dentro do meu peito

pinto desejos nas nuvens de algodão que descem as paredes do Inverno
olho-me no espelho do rio
sinto-te em mim apaixonada por palavras minhas
servem apenas os espantalhos de pano
como as ervas daninhas dos campos de milho de Carvalhais...
abraçadas aos espigueiros da saudade

dizem que sou esquisito
que tenho mau feitio
que sou
como o amor
e a noite
objecto abstracto
sem sorrisos
sem âncoras de aço fundeadas no cais das tempestades de zinco
dizem que sou parvo
dizem que sou... esquisito e de mau feitio...
sorri e chorei
são abstractos objectos dentro do meu peito


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 9 de Novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

é Domingo

foto de: A&M ART and Photos

podíamos aproveitar os desenhos da sala de jantar
podíamos fazer das paredes húmidas telas com alegria
e palavras em espuma
à espera do Oceano
sentávamos-nos sobre a soleira da porta de entrada
e esperávamos o regresso das almas impregnadas no mármore livro onde dorme o avô Domingos
é Domingo
visitei-o e percebi que um dia
eu
não tenho quem faça o mesmo por mim
pertencerei a uma sepultura solitária
entre riachos e pedras dentárias
prédios e alicerces de vidro
é Domingo
e o avô Domingo parece satisfeito com a minha visita
não o consigo ouvir
não o consigo ver...
mas sei que ele vagueia nas minhas mãos enquanto nascem delas as palavras dele


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A chuva, para ti, é o quê?

foto de: A&M ART and Photos

Habitas os planaltos castanhos desde que foram construídos pelos teus olhos em flor, habitas como sombra dentro do meu corpo, dentro do meu cubo esquelético, e dos meus olhos triangulares sinto os ângulos obtusos entranharem-se-me como agulhas, como serpentes de aço, barcos e caravelas enferrujadas, velhas, caquécticas sentadas à mesa do café, pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo húmido circula concêntrico na fogueira dilacerante que os morcegos deixaram antes de todas as luzes se acenderem, ouvia gritar o meu nome no espelho de um guarda-fatos de mármore, a cama cheirava a sexo e a palha, o colchão picava os corpos transparente que tinham sobejado do Verão minguado, havia uma mão na tua boca, havia
A chuva, para ti, é o quê? Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, escrevem sobre a mesa as folhas tristes do Outono, desnudas, as árvores, abraçam-se aos guindastes plastificados em brinquedos crianças, vêm as lágrimas, vêm os primeiros holofotes de néon depois de partirem as madrugadas, e os corpos, os nossos, e os deles
Apodrecem os ramos...
E os corpos amanhecer suspensos nos alfinetes do alfaiate, as calças ficam-me pelos tornozelos, ele ri-se como se eu fosse um boneco de palha espetado no centro do campo de trigo em Carvalhais,
Você cresceu, amigo!
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, a chuva
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo magoado, ausente, triste e cansado, um corpo molhado, um corpo em pura lã virgem antes de acenderem-lhe os braços, ela sorri, encerra os olhos como um navio antes de partir, olhava os porões... e lá longe, homens do tamanho de agulhas, passeavam-se como abelhas de colmeia em colmeia, como velhos
De asilo em asilo,
As ovelhas brincavam sobre a erva doirada das tardes de Primavera, no intervalo entre duas cervejas, uma delas diz-me que se sente apaixonada pelo distinto orvalho, faço-lhe ver que o orvalho é um gajo mal disposto, mal educado, que é um gajo
A chuva, para ti, é o quê?
E ela insiste, e ela que o amor não escolhe idade, religião, sexo ou cor... que o amor apenas acontece, e nada mais de que isso, e que as ovelhas são umas grandes cabras, e que as cabras, às vezes, parecem e nunca o conseguiram ser... mulheres vestidas de chuva, mulheres que pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, que fuma cigarros quando sentadas num banco em granito, e que
E que caiem as folhas das árvores porque elas, as árvores, estão tristes, porque elas, as árvores
E que ninguém quer perceber,
As árvores sinto-as vacilarem como cordéis de neblina no centro esquerdo do cais das borboletas flutuantes, o lago espirra, tosse, tosse... e o dióxido de carbono aloja-se nos teus seios de incenso, como a noite, como todas as mulheres...
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Gajas nuas, gajas... saltando muros em xisto.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Outubro de2013

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Conversas de Enxofre

foto de: A&M ART and Photos

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,
Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço
Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu
Disfarçada de cetim?
Tecido barato, chita, ou...
O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...
Perguntas-me
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...
O avô Domingos,
“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”
É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,
O avô Domingos,
“Muitas terras, casas...”
E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura
Não “Fingertips”,
O avô Domingos,
Finger quê menino?
Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,
Sina de dinheiro,
O quê? Finger quê?
Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?
Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento
Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?
(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?)
E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...
Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, éramos loucos e loucas, e tínhamos dentro de nós o jardim da saudade, tinhas-me inventado como inventaste tantos outros bonecos de palha, como tantas outras flores em papel crepe, coladas numa cepa envelhecida e envernizada, ofereci-te o meu primeiro ramo de flores, ainda em criança, e diziam-nos que os morcegos roubavam-nos os sonhos, que os morcegos roubavam-nos os suspensórios onde prendia-mos as poucas palavras que sabíamos pronunciar, e vagamente adormecíamos sobre a bandeja da empregada do bar,
Matilde... olhava-nos e tinha dó, pela nossa tristeza, pelo nosso desespero... pela nossa infinita solidão como os cordões brancos das malditas botas da tropa, que aos poucos se afundavam dentro do Tejo e os velhos Cacilheiros dormiam envenenados pelas Ratazanas de duas patas, de tão grande porte... que quando aparecia o vento, quase sempre estas ficavam em terra, pesadas, os pés recheados de pequenas bolhas, era Verão, era Verão e tinhas-me inventado depois de um pequena brincadeira de adolescentes, prometeste-me o Céu, e eu, eu nada te prometi, um grande sovina, sempre de algibeira vazia, sempre depenado, após uma noite de jogarmos ao montinho
Azar ao jogo, sorte...
Maldita,
Tinhas-me inventado numa noite de tempestade, jogávamos ao montinho, bebíamos Moscatel de Alijó, estávamos em mil novecentos e oitenta e oito, Julho, quase, quase a despedirmos-nos das Ratazanas, desta vez, as de quatro patas, era noite, e tu dançavas sobre um lençol branco suspenso numa parede triste, desprovida de qualquer cor, chamávamos-lhe a parede dos sonhos, nas traseiras do triste lençol ardia um prato com chouriço embebido em aguardente, o cheiro intenso espalhava-se pela janela e poisava nas sombras adormecidas da vida, havia uma ruela estreita, onde a empregada da esplanada, a querida Matilde aparecia em altos voos, descia, tão vagarosamente... que quando chegava até nós...
Olha... adormeceram,
Cansados,
Embriagados do intenso cheiro das Ratazanas,
E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais, um parvalhão questionava-me
Ouve lá pá, onde fica Carvalhais?
Timidamente... perto de Viseu,
(puta que te pariu)
Claro que Carvalhais pertence a S. Pedro do Sul, claro que Alijó é Alijó e tinha de me explicar mil vezes que Alijó
Fica em Vila Real,
Trás-os-Montes?
Sim, (cabrão), sim, sim em Trás-os-Montes,
Sacana,
Eu, eu sacana?
Sim, sim você seu grande cabrão...
Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, comíamos comboios ao pequeno-almoço e espingardas ao almoço, éramos todos tímidos, e todos fumávamos charros nas vagas horas, depois
Tombavam na formatura como toupeiras,
Matilde aparecia, abraçava-me, dilacerava-se nos meus cabelos inexistentes, dava-me um beijo, e desaparecia como tinha aparecido, sempre pelo buraco da chaminé,
E chorei,
Quando tudo ardeu semanas depois de eu regressar, arderam as minhas memórias, arderam os meus passos pesadíssimos com cordões brancos, arderam as livrarias onde comprava os meus livros, e ardeu também a querida Matilde, depois ainda a vi em sonho, vestida de cinza passeando em frente ao Tejo e em pequenas despedidas,
E adeus querido Chiado, e adeus, adeus minha querida Matilde...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

domingo, 11 de agosto de 2013

Reinventa-se e mergulha entre silêncios

foto de: A&M ART and Photos

O corpo do texto, emagrece, reinventa-se e mergulha entre silêncios e cavernas como a solidão dos primeiros dias da ausência dos sons poéticos e melódicos, o corpo ausente de tamanho, do zero ao doze, finge-se de morto, termina a linha, muda-se para baixo, travessão, ponto final, parágrafo, ponto de interrogação?
Desisto, pergunto se vale a pena continuar, e oiço-o como um vibrador dentro do meu ouvido,
Não, não continues, desiste rapaz,
E desisto,
E pergunto-me como será o Inverno, lá, depois de partir,
É como cá, respondem-me, respondem-me, respondes-me
Não faz mal, não faz mal, tudo é maleável como a sombra dos pinheiros em Carvalhais, tu
Tudo mesmo, mãe?
Tudo filho, tudo, o teu corpo é maleável, os teus sentimentos
Como são eles, mãe?
São em tecido e bordados com rosas, umas bravias, outras...
Como são as outras, mãe?
Menos bravias, mais calmas, mais
Belas, mãe, mais belas?
Muito mais, meu filho, muito mais,
O corpo do texto, o papel fica composto, cada vez menos espaços vazios, cada vez mais sofrimentos devidos às letras distorcidas da velha máquina de escrever, o teclado engasga-se, o teclado
Como são as outras, mãe?
O teclado prisioneiro das tardes junto ao rio, o teclado encalhado nos rochedos das sanzalas invisíveis dos panos encarnados, tapavam cadáveres, tapavam fome, tapavam o sol e os sonhos dos meninos, eu sonhava, ela sonhava, nós sonhávamos...
Com rosas, mãe?
Sim filho, sim
O teclado acabado de ser detido, criminalmente... ser oposição, escrever nas paredes negras da noite, e separadamente, éramos espancados vos chicotes de corda, com a ponta em fino papel, era assim, é assim, sempre o foi, sempre assim será, tudo
E se o velho morrer, mãe?
O venho nunca morre, meu filho, nunca, como nunca morrem as rosas bravias, como nunca morrem as sanzalas e os musseques e os charcos depois da chuva, e o velho, mãe, e o velho
Eterno, eterno sentado a olhar o mar,
O texto multiplica-se na maré doentia de Domingo, dizem-me que fiquei absorvido pelas nuvens que sobrevoavam os telhados de vidro, e o texto agora com pequenas imagens, e o texto agora com letras, grandes e pequenas e nenhumas... e algumas, tristes, alegres, negras, azuis e cinzentas, multiplica-se e vomita canções de amor, música, palavras declamadas por gargantas envenenadas pelos peixes e pelas tuas algas, havia um rio que nos prendia à madrugada, havia três caixas de cartão todos os papeis que lá jazem, têm o teu nome, e ainda tu não tinhas nascido
Mãe, como é isso possível? Porquê, mãe?
Estás lá, abro-as, o teu nome escreve-se como teclados domesticados, a tua fotografia hoje pertence aos esqueletos de cartão, morreu disseram-me depois de te ausentares
Morreu de quê, mãe?
Saudade?
Porque se morre de saudade, mãe?
Porque um dia o mar virá buscar-te, um dia, um, filho meu...
E o texto? E o texto cresce como árvores na Primavera, e o texto reinventa-se..., e dorme, e dorme em ti, sobre ti, e dorme na tua mão
O velho, mãe?
O velho morrerá,
E a liberdade dos pássaros e dos corpos... serão comestíveis como os teus mamilos quando salteias os lençóis nocturnos dos pequenos parágrafos, dos pequenos pontos finais, outras
Nem pontos, nem vírgulas,
E enquanto o velho não morrer, não felicidade, não vida, não sonhos.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 11 de Agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Não Slave to love

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me verdadeiramente encaixotado nos aranha-céus que o teu querido pai me prometeu, entre um deles e um qualquer livro, escolho um qualquer livro, e entre um qualquer livro e um copo de vodka, escolho obviamente...
Um qualquer vodka, porque dispenso o livro, porque dispenso um qualquer poema, porque dispenso o copo, sinto-o e sinto-me encaixotado nas tuas mãos vendadas pelo sono, cerras os olhos dos ténues pulsos de areia, pertences aos corpos clandestino como os pequenos grãos e as distintas óbvias gotículas do suor tua pela, cerras os olhos que jazem nos teus pulsos, suicidadas-te como uma menina mimada, singela, como uma flor vagabunda num qualquer palco, onde se ouve, uma qualquer banda, o piano melódico, e da voz poética, ela, ele, transformam
“Demito-o obviamente”,
E demiti-me,
Deixei se ser o amantes nocturno das noites de Verão, deixei de ser o clandestino mendigo passeando-se pela Avenida ribeiro das Naus, enquanto escrevo, oiço a melódica voz de “Joana Gomes” e dos “Fingertips”, e obviamente
Recordo, as saudades, de Carvalhais, e de S. Pedro do Sul, e dizem-me que o rio ainda corre como corria, e dizem-me que a eira ainda é a eira de ontem, pouca coisa mudo, apenas que o avô Domingo deixou de passear-se de bengala e dorme debaixo da lápide granítica onde alguém escreveu
“Eterna saudade”,
E demiti-me,
Hoje, hoje não amante, hoje, hoje não escravo do amor “Slave to love”, STOP, e na primeira rotunda a segunda saída, a respectiva plana de sinalização
“Precisa-de amor”,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente apanha um chupa-chupa, lembro-me de quando ainda era eu, muito antes de me demitir, lembro-me do Baleizão, lembro-me dos palhaços e dos malabaristas, lembro da tenda do circo dançar sobre a minha cabeça de menino
Mimada, tu
Eu, eu mimado, filho único, tinha um cavalo em madeira, saltava o portão de entrada e entrava cidade adentro, a cada machimbombo que encontrava gritava
Avô Domingos?
Nada
Avô Domingos?
Nada, nada de nada
Outra vez... Avô Domingos?
E encontrava-o numa transversal em Luanda com um cordel na mão a puxar um machimbombo com olhos azuis e missangas no pulso esquerdo, no direito
Machimbombo? Outra vez... Avô Domingos?
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Triste,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Infeliz,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Cansada de ti,
E obviamente... demito-me.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Malabarista de primeira classe... diplomado

desenho de: Francisco Luís Fontinha

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhaste-me em murais que ultrapassavam os edifícios em ruína na cidade das gaivotas
sentei-me em ruas onde tudo se vendia
o corpo flores drogas álcool e amores
livros e papel de embrulho
desenhos e merdas sem sentido
porcarias vãs
vadias entre as pernas alicerçadas aos tambores de choque
envaidecias-te
eras nobre como um donzela puta de adorno...
e os jardins cansavam-se de ti como velhos sorrisos
sonâmbulos das ínfimas janelas
e entrava-nos na sala de jantar o enfeitiçado mar...

Um cheiro horrendo
barcos vomitando saliva esbranquiçada
lágrimas
e muitas estrelas
todas elas
embriagadas,

Desenhaste-me como se eu fosse um boneco de palha
um cabrão mal vestido
de fato
gravata
e sapato bicudo afiado reluzente como um espelho da feira popular...
chorudas mulheres de açúcar
dormindo em roulotes como gazelas em sexos murchos que os finos pinheiros de Carvalhais...
lançam
deixam ficar sobre a tua pele...
todas as palavras de adeus...
Adeus
Até nunca mais me desenhares nos murais das montanhas de aço,

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhares-me invisível
sem saberes quem sou
como penso
vivo
se tenho sonhos
consegues perceber os meus lamentos?

Fui tanta porcaria...
cavaleiro
donzela
prostituto
pintor
escritor
abelha tonta tonta como ela... ela tão bela...
e tudo porque me desenhaste nos murais das montanhas de aço,

E poeta não o sou
talvez o seja quando se apercebe em mim um silêncio de loucura
devaneio
os peneirentos pássaros que as arcadas do desassossego escondem
constroem e inventam insónias em papel como pobres flores de arremesso...

Desenhares-me em toda a porcaria livre
nas calçadas
nas ruas e ruelas
cansadas...
desenhas-me como se eu fosse um esqueleto de amêndoa
suspenso nas três horas da madrugada...
nas calçadas
ruas
e ruelas
sou
nunca o fui
desejo-o como se ele fosse um abutre de asas cinzentas,

Sou
fui nunca
poeta pintor escritor porque nunca deixei de o ser...
malabarista de primeira classe... diplomado.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 2 de julho de 2013

e corações com o marcador encarnado

foto: A&M ART and Photos

Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno
habitava em nós o tédio
construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso
como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti
eu
de esquadro e régua
tu
deitada sobre o estirador do desejo
delineava-te em curvas com sombras de trapézios
e dos poucos ângulos que sobejavam em ti
davam para alimentar-me quando chovia nos lençóis da espuma infância
e sorrias como os milímetros de noite inertes entre pilares de granito e luzes ancoradas pelo suicídio,

Vou deixar de escrever
(confesso-o apenas a ti)
porque tudo tenho perdido com as palavras
hoje
(confesso-o apenas a ti)
olhei-me no espelho do meu guarda-fato (que te garanto, nada guarda)
e vi os meu olhos em pedaços de lume
como a lareira de Carvalhais
(lembras-te do Inverno?),

Sorrir para quê?
Se todas as minhas fotografias são tristes
inexpressivas e doentes
até parecem (disseram-me um dia)
cadáveres voando sobre os Oceanos onde mergulhavas em busca de cardumes inexistentes
de peixes
e lobos descendo a Serra
aldeias perdidas em ti
como eu
(disseram-me um dia, que as madrugadas não eram todas iguais)
apelidei-te de PARVALHONA e hoje percebo que errei
(peço-te desculpa)
porque nenhuma madrugada consegue ser decalcada no estirador onde habitas
digamos que (onde ainda consigo ver o teu corpo no esquisso),

Abro a janela
(para quase todos eles, já é noite)
para mim (para mim acorda agora o dia)
começam as brincadeiras dos meninos enquanto mães desassossegadas
habitam como tu no estirador semi-nu das estrelas de plátano adormecido,

(confesso-o apenas a ti, tenho fome)
fome daquela que estávamos habituados a saciar
coisa que conseguíamos resolver com dois ou três livros
alguns beijos
e corações com o marcador encarnado
deixando no teu peito uma rosa
um silêncio
sem queixumes
saudades
ou pieguices...
abro a janela
e deixaste de descer a Serra
como os lobos
(quando ouviam a velha máquina de costura Singer),

Hoje
Que dia é hoje, (se posso apelidar-te de amor)?
Não sabes ou não queres responder...
deixei de perceber se é Sábado
Terça-feira
não o sei porque não o desejo saber
(Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno
habitava em nós o tédio
construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso
como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti
eu
de esquadro e régua
tu
deitada sobre o estirador do desejo)
porque se o soubesse
perceberia o quanto feliz eu era sem as malditas palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal

foto: A&M ART and Photos

É sexta-feira, atiram-se pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal onde juntamente com demais roupa, de homem e senhora, uma criança grita pelos patos que brincam no lago, são três, podiam ser quatro, o ideal seriam cinco, mas é o que eles têm, e já não é pouco, de essa criança existem alguns brinquedos espalhados ao redor das mortas árvores de papel grosso, pouco maneável, não chove, o tempo seco ressaca-lhe os pulmões desabituados ao fumo do cigarro, e hoje, não sente saudades de fumar, mas não se cansa de recordar o cheiro, as imagens inventadas pelo fumo esbranquiçado, penumbro, arrancando bonecos de palha do campo de milho da tapada do avô Domingos, Carvalhais existe, S. Pedro do Sul padece das minhas mãos quando me sentava no jardim junto ao Município, ou ficava horas a imaginar o rio Sul em círculos enquanto do meu corpo uma sombra de planaltos deambulava pelas encostas em frente às Termas, queria atravessar o rio, voando, como pássaros, os melros invadiam-se da gaiola do senhor Joaquim, tio,
(o tio Joaquim não percebe porque chamam ao grande José Eduardo Agualusa, falso escritor, não percebe, não entende, talvez porque o tio Joaquim já tenha morrido, talvez porque o tio Joaquim só tinha a quarta classe, ou, porque apenas e só, quem o afirma, o escreve por inveja, ou pior, por ignorância, ou porque não lhe interessa ou interessam os temas dos livros de Agualusa, é verdade que todos têm direito à opinião, livre, mas dizer falso escritor... porquê? Tínhamos três patos, eu passeava-me em volta do lago imaginário onde perto do lago existia um canastro, atulhado de milho, a eira ao lado do canastro, ambos, pertenciam ao outro tio, o artista, Serafim, grande homem, este, e o outro também, o Joaquim, mas tinha um defeito, um grande defeito, não percebia a razão de escreverem que Agualusa é uma falso escritor..., tantas falsas coisas, e os livros, são todos eles verdadeiros, e aquele que escreve, será ele um falso homem? Só não percebo, querido tio Joaquim, questiona-se a possível fortuna de Agualusa, e não se questiona a fortuna de certas pessoas que em Angola vivem sem que se perceba como conseguiram tão grandes fortunas, essas sim, colossais, quando não ainda há muito tempo, alguns, mal sabiam ler e escrever e andavam de G3 no mato... e agora, alguns deles, passeiam-se de avião e vêm às compras a Lisboa)
O tio, o outro, o artista, cantava fado e declamava poesia na sua adega, rodeava-se de amigos, alguns de simplicidade invejável, outros, que deixavam o respectivo canudo à porta da adega e madrugada depois, saiam, felizmente o conseguiam fazer, alguns de gatas, outros, outros cambaleando sobre rodas de incenso e lápis de cor,
(hoje percebo que não nasci em Angola, que jamais regressarei porque felizmente não compactuo com determinados comportamentos, sempre o fui e sou, a favor do livre pensamento, recuso-me a aceitar o insulto apenas pelas diferenças de opinião, não concordo que José Eduardo Agualusa seja um falso escritor, e para terminar, percebi hoje que os destaques do meu blogue Cachimbo de Água no Sapo Angola, de hoje em diante, terminaram; paciência, sou e sempre fui assim, mesmo sabendo que posso perder tudo, o pouco que tenho, e não te preocupes tio Joaquim, um dia, um dia vamos ver o Mussulo, e depois, levamos duas cadeiras de vime, sentamos-nos junto à Baía e esperamos pelo regresso da...)
E dos lápis de cor, ele, o tio, o Joaquim, deitou fora o de cor azul.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Noite em reflexo do velho crucifixo

foto: A&M ART and Photos

Atravessávamos o lótus húmido da manhã
como eram as escadas que deslizavam ruela acima
sentávamos-nos sobre uma sombra gargantilha
e dos pinheiros mansos de Carvalhais
ouvíamos as eiras graníticas correrem em direcção à ribeira dos aflitos,

Éramos novos e crianças
mal sabíamos ler e escrever
e falávamos entre sons desconexos como pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria
tínhamos livros
e apenas víamos as imagens deslizantes como serpentes sem cabeça,

Gostava de ti ainda
como às paisagens de África circunflexas no interior do osciloscópio
e mágicos invadiam as janelas com cinco vidros pintados de encarnado anoitecer
vinha a noite
e via-te encostada a uma jangada invisível na esperança de voares,

Nunca o fizeste como comigo depois de eu ter caído no poço da angústia
tínhamos na boca o sabor a ervas ou a bolhas castanhas com asas verdes
deslizavam sobre uma lâmina de alumínio como correm todas as bolhas
quando chovem diamante e lábios de areia
entre canoas e pedaços de osso argamassado contra os eléctricos da Baixa,

O rio da saudade ornamentava-se e entrava em nós como silêncios gemidos
sobre uma cama de pensão com paredes rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira
olhávamos-nos no espelho
e os nossos corpos nus misturavam-se com o reflexo do velho crucifixo
… e assim deixávamos em suspenso o amor canino com dentes de marfim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de maio de 2013

Inventavas o desejo entre as paredes pintadas de um azul claro

foto: A&M ART and Photos

Murmuro-te contra a fina película que separa o dia da noite, descem os cortinados das clareiras paixões de areia, e um sorriso de mar acorda nos teus braços, começa brevemente a noite agreste dos solitários portões de ferro, o jardim dos sentidos, em pedaços, acorrenta-se ao luar que finge viver nos teus olhos, percebo, hoje, que nunca exististe, nunca tiveste olhos, nunca tiveste boca, lábios, abraços para mim, percebo, hoje que nem o teu nome deixaste ficar no espelho do guarda-fatos cá de casa, penumbra, compartimentos embaciados quando entra em mim a neblina, os cruzeiros e os passageiro imaginados pelas tuas mãos, quando inocentemente
pegavas na esferográfica,
Nunca escreveste o meu nome, nunca desenhaste o meu corpo, nunca sequer escreveste no meu corpo... e que eu adorava-o, ser escrita pelos teus dedos de cacimbo ao final da tarde, sentir a Primavera a entranhar-se-me nas coxas como a concha de um molusco anónimo, sem nome, idade ou profissão, adorava-o, sentir-te em mim, sem estares sempre do outro lado da fina película de vidro, que separa o dia, da noite, e deixa ficar um espaço simples e vazio, oco, obsceno, leviano como os sonhos das árvores do quintal invisível onde em criança brincaste, gostavas de Favarrel – Carvalhais – S. Pedro do Sul, abrias a janela do quarto do meio, chamavam-lhe do meio porque talvez devido a serem três quartos seguidos, e esse, ficava mesmo no meios dos outros, era também o mais estreito, e com a paisagem mas bela, deslumbrante...
pegavas na
Em mim, ouvia-se o sino, ouviam-se os pássaros poisados na ramada das traseiras, ouviam-se os sussurros das espigas de milho, a dormitarem palavras por entre as frestas da ripas em madeira que revestiam o canastro, pegavas na esferográfica, e nem um risco o fazias dentro do meu silêncio peito, poisavas os cotovelos no parapeito, e ficas-te a imaginar sombras a subirem a montanha que olhava para ti, como se fossem lírios tímidos, tão tímidos que cerravam os olhos quando eu, quando eles me olhavam, eu nua, tu, entre dois vidros, e eles, elas pareciam pombas brancas à procura do som poético das palavras ainda não escritas, ainda não prenunciadas, e todo o meu corpo tremia com a tua ausência,
pegavas na esferográfica, inventavas o desejo entre as paredes pintadas de um azul claro, nelas, imaginava o mar, as gaivotas, os abraços que me pedias, e porque eu estava prisioneiro do feitiço da preguiça, não tos dava, desprezava-te como mulher, via-te como uma criança mimada, uma criança que para mim nunca cresceu
Cresci, meu amor, sou adulta, cresci como os eucaliptos da tapada do avô Domingos, cresci e sinto-me e sei, sou mulher, desejas-me?
que ainda olho para lá do espelho, e vejo-a de voz simples, e princesa, saltitar entre as coisas espalhadas no passeio da casa de Carvalhais, hoje penso que ainda és a mesma criança, a menina, a mimada, aquela que dizia
Amo-te, amo-te tanto, meu querido,
criança, menina, mimada até à ponta dos castanhos cabelos, e mesmo assim, hoje, vejo-a sentada num banco com ripas de madeira, aqui, nas Termas de S. Pedro do Sul... ou num qualquer jardim em Luanda,
Criança.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 18 de maio de 2013

Línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs

foto: A&M ART and Photos

Esperas-me?
terminam os carris, sorris, desces para mim das bananeiras imergente dos teus livros em desassossego, levantas-me como se eu fosse uma fina folha de papel, revestida, o sobretudo, as algibeiras desconexas, parasitando-lhes as mandíbulas emagrecidas, que a noite escreve no teu cabelo, o trabalho?
Não trabalho,
imagino-me como línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs onde brincam caravelas, mulheres, homens, gaivotas coloridas, travestidas e belas, tão, o pouco trabalho, desejado caminhar sobre capim e sombra do zinco musseque de arame, as palmeiras viajam paralelamente ao teu corpo diurno, conheci ontem uma montanha, imagino-a deitada, debaixo dos meus lençóis de cadáver com cheiro a mimosas florida, alecrim, e
Não pertenço aos teus doces crisântemo adjacentes das curvas de horror que vivem nas clareiras praias inocentes, existiam dizias-me, homens com capacetes de verniz, dizias-me, existirem janelas com roldanas onde uma corrente de aço se alicerçava, e puxavas os pesadíssimos ascensores entre o trânsito, transeuntes de palha, moveis de penúria, magrezas e gentilezas, tuas, quando gritavas o meu nome
francisco!
Coisa nenhuma, eu, escondido no teu ventre de sofrimento, lendo, relendo, o perfume e os desenhos (corações e setas... e algures, perdidamente, eu + tu), e hoje, não percebo, nunca percebi, quem eras tu, e quem realmente sou eu,
Francisco, e pensava olhando o espelho da noite que começava na sanzala, - Vais levar nos cornos! - e claro, eu, eu nunca me enganava, e ainda hoje, tenho medo ao
francisco...
esperas-me?
Ao que eu pensava, não, não te espero, nunca te esperei, odeio-te, és um inútil covarde de metano, um cigarro encharcado de medos, fúrias, solidões e casas de pasto, factura?
não
Obrigado, a todos, por, terem vindo ao meu último desejo, a viagem sem regresso, deslizar sobre o gelo fundido, caminhar sobre as searas de milho e recordar-me das corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente
peixe frito, sandes de torresmos, tremoços e quitetas, (os parvos nem imaginam o que são quitetas), vinho da casa, bom, do melhor que há, e claro, não posso esquecer os bolos maravilhosos da tia Guilhermina, tão velhinha, tão oca como as oliveiras antes de conhecerem a morte, mas apenas ela, e só ela, consegue, com meia dúzia de ovos, pouco açúcar e farinha... inventar maravilhosos belos bolos cobertos por uma única fina película de chocolate, as galinhas ainda não morreram, ainda temos algumas couves para o seu sustento, e os peixes do aquário, ultimamente, parecem andorinhas, voam, de encontro às vidraças das janelas da sala de jantar, que por razões economicistas, está encerrada, na porta, temos um letreiro “encerrado para obras”, e assim, enganamos os clientes, amigos e familiares,
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente, nesta, na próxima, cidade, brevemente regressados a casa, descalços, despidos, mergulhávamos no misterioso corpo rochoso da menina Guilhermina
sua tia?
Não, esta não é a verdadeira tia Guilhermina, esta, a menina, a menina do rés do chão frente, número trinta e três, mil e duzentos, Lisboa, esta, a menina Guilhermina, aquela que entra em mim, e me desassossega para eu escrever todas estas
francisco...
Corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Francisco.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha