foto: A&M ART and Photos
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Atravessávamos o lótus húmido da
manhã
como eram as escadas que deslizavam
ruela acima
sentávamos-nos sobre uma sombra
gargantilha
e dos pinheiros mansos de Carvalhais
ouvíamos as eiras graníticas correrem
em direcção à ribeira dos aflitos,
Éramos novos e crianças
mal sabíamos ler e escrever
e falávamos entre sons desconexos como
pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria
tínhamos livros
e apenas víamos as imagens deslizantes
como serpentes sem cabeça,
Gostava de ti ainda
como às paisagens de África
circunflexas no interior do osciloscópio
e mágicos invadiam as janelas com
cinco vidros pintados de encarnado anoitecer
vinha a noite
e via-te encostada a uma jangada
invisível na esperança de voares,
Nunca o fizeste como comigo depois de
eu ter caído no poço da angústia
tínhamos na boca o sabor a ervas ou a
bolhas castanhas com asas verdes
deslizavam sobre uma lâmina de
alumínio como correm todas as bolhas
quando chovem diamante e lábios de
areia
entre canoas e pedaços de osso
argamassado contra os eléctricos da Baixa,
O rio da saudade ornamentava-se e
entrava em nós como silêncios gemidos
sobre uma cama de pensão com paredes
rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira
olhávamos-nos no espelho
e os nossos corpos nus misturavam-se
com o reflexo do velho crucifixo
… e assim deixávamos em suspenso o
amor canino com dentes de marfim...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha