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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A chuva, para ti, é o quê?

foto de: A&M ART and Photos

Habitas os planaltos castanhos desde que foram construídos pelos teus olhos em flor, habitas como sombra dentro do meu corpo, dentro do meu cubo esquelético, e dos meus olhos triangulares sinto os ângulos obtusos entranharem-se-me como agulhas, como serpentes de aço, barcos e caravelas enferrujadas, velhas, caquécticas sentadas à mesa do café, pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo húmido circula concêntrico na fogueira dilacerante que os morcegos deixaram antes de todas as luzes se acenderem, ouvia gritar o meu nome no espelho de um guarda-fatos de mármore, a cama cheirava a sexo e a palha, o colchão picava os corpos transparente que tinham sobejado do Verão minguado, havia uma mão na tua boca, havia
A chuva, para ti, é o quê? Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, escrevem sobre a mesa as folhas tristes do Outono, desnudas, as árvores, abraçam-se aos guindastes plastificados em brinquedos crianças, vêm as lágrimas, vêm os primeiros holofotes de néon depois de partirem as madrugadas, e os corpos, os nossos, e os deles
Apodrecem os ramos...
E os corpos amanhecer suspensos nos alfinetes do alfaiate, as calças ficam-me pelos tornozelos, ele ri-se como se eu fosse um boneco de palha espetado no centro do campo de trigo em Carvalhais,
Você cresceu, amigo!
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, a chuva
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo magoado, ausente, triste e cansado, um corpo molhado, um corpo em pura lã virgem antes de acenderem-lhe os braços, ela sorri, encerra os olhos como um navio antes de partir, olhava os porões... e lá longe, homens do tamanho de agulhas, passeavam-se como abelhas de colmeia em colmeia, como velhos
De asilo em asilo,
As ovelhas brincavam sobre a erva doirada das tardes de Primavera, no intervalo entre duas cervejas, uma delas diz-me que se sente apaixonada pelo distinto orvalho, faço-lhe ver que o orvalho é um gajo mal disposto, mal educado, que é um gajo
A chuva, para ti, é o quê?
E ela insiste, e ela que o amor não escolhe idade, religião, sexo ou cor... que o amor apenas acontece, e nada mais de que isso, e que as ovelhas são umas grandes cabras, e que as cabras, às vezes, parecem e nunca o conseguiram ser... mulheres vestidas de chuva, mulheres que pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, que fuma cigarros quando sentadas num banco em granito, e que
E que caiem as folhas das árvores porque elas, as árvores, estão tristes, porque elas, as árvores
E que ninguém quer perceber,
As árvores sinto-as vacilarem como cordéis de neblina no centro esquerdo do cais das borboletas flutuantes, o lago espirra, tosse, tosse... e o dióxido de carbono aloja-se nos teus seios de incenso, como a noite, como todas as mulheres...
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Gajas nuas, gajas... saltando muros em xisto.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Outubro de2013

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A mão inclinada

foto: A&M ART and Photos

O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada, uma corrente de aço prendia-nos aos ventos do deserto, os barcos, havia, folhas de alumínio, tão grandes, grandes, enormesss, do tamanho da noite
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, pregos em aço, não dos outros, em carne e osso, na moldura a fotografia dos teus olhos, apenas, negros, negros olhos, penumbra de ti quando descem as calçadas de Lisboa pelo teu corpo travestido, e antes de caírem no pavimento abriam-se-lhe das cabeças ocas com pilares de areia, o cubo, e o rio...)
Do tamanho do homem com braços de noite, com pernas de noite, com um esqueleto de noite, abraçados, apaixonados, dentro, fora, encarcerados, com grades de madeira, lá fora as crianças da escola pintavam o mar no tronco das árvores, e cá dentro, havia entre nós uma mistura fria, havia um líquido esbranquiçado que nos untava, oleava, e depois, depois vinham os dias, primos das calçadas de Lisboa, primeiro a Ajuda, depois uma outra qualquer, não interessa, e depois via-se o rio a sair da algibeira de uma mulher com cabelo preto, olhos castanhos e corpo esguio, como uma enguia saltitando as margens junto a Cais do Sodré – Amor, estou quase a chegar – e
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, - Sim, meu amor, sim! - o inacreditável parvalhão esperava pacientemente pelo reencontro das fotografias de Lisboa com as fotografias de um local esquisito, distante, e quando lhe perguntavam – Onde fica isto? - ele apenas encolhia os ombros, silenciava-se e acreditava que ela um dia regressaria do vazio sonho sem almofadas, subia-se uma escada íngreme, apertadinha, e quando chegávamos ao sótão, a senhora teia de aranha – Noites de insónia, terceiro andar frente – e de mão dada, descíamos, descíamos, e acabávamos por ultrapassarmos as paredes velhas em gesso e quando acordávamos, estávamos num jardim público, e junto a nós o nicho de Nossa Senhora de Fátima, perguntavas-me – Amor, o que fazemos aqui – e como sempre, não respondi, ou não sabia responder)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto,
(extraias-me a raiz quadrada, calculavas-me a integral tripla do meu coração, depois, traçavas aleatoriamente rectas sobre o meu corpo, até que
“O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada”
até que nos deitávamos sobre um cobertor almofadado, um tanto preguiçoso, e em conjunto, resolvíamos todos os problemas de matrizes, e em conjunto calculávamos a massa dos corpos em repouso, pegávamos no peso quase sempre nos esquecíamos da força gravítica, e eu poisava em silêncio a minha mão sobre os teus castanhos olhos e – Pede um desejo! - ao que tu respondias – Quero-te a ti! - e claro, nem a raiz quadrada, nem as matrizes, e claro, nem as integrais triplas, faziam sentido nas nossas vidas)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto, era a tua dúctil mão com sabor a cereja embrulhada em papal de chocolate, havia palavras no interior do papel
(eu amar-te-ei sempre)
E com o tempo,
Há muito tempo,
O papel derreteu com as temperaturas elevadas da cidade, e as palavras, elas, diluíram-se com a chuva miúda do último Outono ausentado do cubo empanturrado de corpos, nus, brancos, liquefeitos... como a terra molhada depois das chuvas, e o capim balançava dentro de um pedaço de saudade...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha