foto: A&M ART and Photos
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O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a
pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de
barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção
conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco
contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo
corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem
compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua –
Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade
condicionada, uma corrente de aço prendia-nos aos ventos do deserto,
os barcos, havia, folhas de alumínio, tão grandes, grandes,
enormesss, do tamanho da noite
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que
os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço
das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem
pintura, quatro pregos, pregos em aço, não dos outros, em carne e
osso, na moldura a fotografia dos teus olhos, apenas, negros, negros
olhos, penumbra de ti quando descem as calçadas de Lisboa pelo teu
corpo travestido, e antes de caírem no pavimento abriam-se-lhe das
cabeças ocas com pilares de areia, o cubo, e o rio...)
Do tamanho do homem com braços de noite, com pernas
de noite, com um esqueleto de noite, abraçados, apaixonados, dentro,
fora, encarcerados, com grades de madeira, lá fora as crianças da
escola pintavam o mar no tronco das árvores, e cá dentro, havia
entre nós uma mistura fria, havia um líquido esbranquiçado que nos
untava, oleava, e depois, depois vinham os dias, primos das calçadas
de Lisboa, primeiro a Ajuda, depois uma outra qualquer, não
interessa, e depois via-se o rio a sair da algibeira de uma mulher
com cabelo preto, olhos castanhos e corpo esguio, como uma enguia
saltitando as margens junto a Cais do Sodré – Amor, estou quase a
chegar – e
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que
os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço
das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem
pintura, quatro pregos, - Sim, meu amor, sim! - o inacreditável
parvalhão esperava pacientemente pelo reencontro das fotografias de
Lisboa com as fotografias de um local esquisito, distante, e quando
lhe perguntavam – Onde fica isto? - ele apenas encolhia os ombros,
silenciava-se e acreditava que ela um dia regressaria do vazio sonho
sem almofadas, subia-se uma escada íngreme, apertadinha, e quando
chegávamos ao sótão, a senhora teia de aranha – Noites de
insónia, terceiro andar frente – e de mão dada, descíamos,
descíamos, e acabávamos por ultrapassarmos as paredes velhas em
gesso e quando acordávamos, estávamos num jardim público, e junto
a nós o nicho de Nossa Senhora de Fátima, perguntavas-me – Amor,
o que fazemos aqui – e como sempre, não respondi, ou não sabia
responder)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma
inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu
rosto,
(extraias-me a raiz quadrada, calculavas-me a
integral tripla do meu coração, depois, traçavas aleatoriamente
rectas sobre o meu corpo, até que
“O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a
pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de
barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção
conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco
contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo
corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem
compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua –
Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade
condicionada”
até que nos deitávamos sobre um cobertor
almofadado, um tanto preguiçoso, e em conjunto, resolvíamos todos
os problemas de matrizes, e em conjunto calculávamos a massa dos
corpos em repouso, pegávamos no peso quase sempre nos esquecíamos
da força gravítica, e eu poisava em silêncio a minha mão sobre os
teus castanhos olhos e – Pede um desejo! - ao que tu respondias –
Quero-te a ti! - e claro, nem a raiz quadrada, nem as matrizes, e
claro, nem as integrais triplas, faziam sentido nas nossas vidas)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma
inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu
rosto, era a tua dúctil mão com sabor a cereja embrulhada em papal
de chocolate, havia palavras no interior do papel
(eu amar-te-ei sempre)
E com o tempo,
Há muito tempo,
O papel derreteu com as temperaturas elevadas da
cidade, e as palavras, elas, diluíram-se com a chuva miúda do
último Outono ausentado do cubo empanturrado de corpos, nus,
brancos, liquefeitos... como a terra molhada depois das chuvas, e o
capim balançava dentro de um pedaço de saudade...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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