sexta-feira, 31 de maio de 2013

Do medo, de olhar-te sem roupa e de não ser capaz de resistir à mais bela imagem a preto-e-branco

foto: A&M ART and Photos

(não foi por falta de tempo que ainda não escrevi sobre o teu corpo, mão porque o teu corpo seja desajeitado, não, porque ele é lindo, belo, desejado, não foi por falta de tempo, como os livros em fila de espera, como os textos em círculos dentro da minha cabeça, à espera de uma mão e de uma caneta, e claro, papel, não é por falta de tempo, mas confesso, que do teu corpo, sairá um dos mais belos textos, prometo, e não é, não foi, por, falta, de tempo, porque tempo, é certamente o que mais tenho...)
Não observava a luz natural desde que por decreto Real mandaram encerrar todas as janelas com vista para o mar, assim, deixamos de olhar os peixes em cardumes fingindo brincadeiras num qualquer jardim de uma aldeia encastrada na montanha bela adormecida, suas árvores diurnas caminhavam como pedras descendo ravinas, subindo escadas, galgando socalcos e olhando o Douro curvilíneo entre sombras e barcos imaginários, sentávamos-nos nas mãos flácidas dos pássaros negros com pintinhas brancas, recordavam-nos os velhos lençóis de areia que deixamos sobre a mesa da cozinha, quando também por decreto Real, tivemos de abandonar a cabana na margem direita da ribeira, pescávamos, às vezes, entre intervalos, entre palavras, oferecia-te um beijo, desenhava-te um abraço no teu corpo, aquele que espera pelas minhas palavras, que por falta de tempo, preguiça, quiçá... MEDO, ainda não o escrevi, sobre ele, olhando-o como se eu fosse o espelho de olhos verdes que te vê subindo as paredes do desejo, e esse belo corpo uma árvore semi-nua esperando o vento para se baloiçar nas cordas da manhã quando acorda, e as persianas do teu olhar, meias estonteantes, embriagadas pelo sono vernáculo que as palavras provocam no esqueleto feminino...
Tenho fome,
De ti?
Do medo, de olhar-te sem roupa e de não ser capaz de resistir à mais bela imagem a preto-e-branco, pendurada nas garras de um cortinado, velas parecendo lâmpadas, fósforos sobre o lava-loiças como silêncios em alumínio panelas, a sopa, o bacalhau esfriado, insosso, demolhado,
(apetecia-me um cigarro)
Invento nomes de objectos estranhos, lembro-me do hipercubo e de todas as histórias à sua volta, o porquê de ele ter nascido dentro de mim, das pessoas que me acompanharam, apadrinharam, coitadas delas, a paciência para me ouvirem sobre uma coisa quase estranha, mas real, lógica, geométrica, penso
Poderá o corpo nu ser um hipercubo?
E se
Penso, como serás quando todas as lâmpadas estiverem silenciadas, como as pessoas, de boca cerrada por um cortina de fogo, penso, como serás dentro das minhas mãos, quando eu, por uma mera suposição, manuseasse esse teu corpo de hipercubo, complexo, vagabundo no sentido poético, em desejo, eu,
E se, eu? E se eu transformar o teu corpo de hipercubo em flores com pétalas de papel, como as gaivotas, quando sobrevoam os teus seios...
Perceberás as minhas palavras, e dir-me-ás que sou louco, e dir-me-ás que já não queres, que eu, escreva sobre o teu corpo, o mesmo, aquele que é desejado e durante a noite se veste de hipercubo, sobe ao telhado e fica... assim, como eu, imune às imagens de marinheiros escrevendo nas paredes da madrugada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os ausentados

foto: A&M ART and Photos

Acreditava no silêncio
e perguntava-me porque todos os ausentados
esqueciam as pequenas rochas às palavras acorrentadas em pedaços sofrimentos
entre aços veleiros e panos transparentes suspensos sobre a cidade das colmeias adormecidas,

Acreditava na madrugada
quando eu próprio mergulhava nas suas garras como um vampiro desalmado
triste
cansado,

E mesmo assim eu acreditava
no silêncio
nas palavras
e nos muros de vedação,

Acreditava no betão
e nos telhados de areia
nas nuvens e na chuva miudinha dos Sábados à tarde...
… acreditava que o teu corpo era uma fina folha em papel crepe,

Distante
fundida como as lâmpadas da sala de jantar com pratos embriagados
e talheres roubados
da mesa de um ricaço qualquer...

Acreditava como serpentes em madeira
correndo no corredor da vizinha
e do apartamento ao lado
eu acreditava nas imagens negras em sabão clarim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pomba sem pátria


Significo nada
como uma pomba sem pátria
significo muito pouco ou quase nada
quando das ilhargas manhãs de Primavera
oiço as vozes camufladas
por nuvens e gaivotas acorrentadas,

Significo apenas um número com dígitos assombrados
significo quase nada no jardim das plumas árvores vestidas em purpúrea
entre migalhas de porcelana
e beijos inseminados nas ventosas gargantas da montanha branca
significo... não o acredito depois de ver desaparecer os muros em cartão
que separavam o meu quintal dos tristes fins de tarde,

Contávamos os barcos com letras pintadas a oiro
e bandeiras em pano de alecrim
gritávamos como os loucos entre janelas com grande ferrosas
e pequenos arbustos de asas de algodão...
significo nada
como uma pomba tristemente abandonada num País sem Pátria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Noite em reflexo do velho crucifixo

foto: A&M ART and Photos

Atravessávamos o lótus húmido da manhã
como eram as escadas que deslizavam ruela acima
sentávamos-nos sobre uma sombra gargantilha
e dos pinheiros mansos de Carvalhais
ouvíamos as eiras graníticas correrem em direcção à ribeira dos aflitos,

Éramos novos e crianças
mal sabíamos ler e escrever
e falávamos entre sons desconexos como pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria
tínhamos livros
e apenas víamos as imagens deslizantes como serpentes sem cabeça,

Gostava de ti ainda
como às paisagens de África circunflexas no interior do osciloscópio
e mágicos invadiam as janelas com cinco vidros pintados de encarnado anoitecer
vinha a noite
e via-te encostada a uma jangada invisível na esperança de voares,

Nunca o fizeste como comigo depois de eu ter caído no poço da angústia
tínhamos na boca o sabor a ervas ou a bolhas castanhas com asas verdes
deslizavam sobre uma lâmina de alumínio como correm todas as bolhas
quando chovem diamante e lábios de areia
entre canoas e pedaços de osso argamassado contra os eléctricos da Baixa,

O rio da saudade ornamentava-se e entrava em nós como silêncios gemidos
sobre uma cama de pensão com paredes rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira
olhávamos-nos no espelho
e os nossos corpos nus misturavam-se com o reflexo do velho crucifixo
… e assim deixávamos em suspenso o amor canino com dentes de marfim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sebastian Szymański - Your Soul (feat. Sławek Jaskułke, Grzech Piotrowski)


quarta-feira, 29 de maio de 2013

As cordas da tristeza correntes de abraços


Pendurava-me nas cordas da tristeza, sentia-me distante das pontes em madeira, algumas já em avançado estado de decomposição, de cheiro nauseabundo, também cansadas, ensonadas, como um esqueleto deformado pelas hélices das vertiginosas flores de Primavera, lá fora caminham pássaros que começam a aprender os primeiros passos, ainda não voam, mas... brevemente... ausentar-se-ão de mim, como se ausentaram milhares de estrelas, como se ausentaram centenas de sonhos, conversa fiada, uma feira de vaidades procurando abrigo debaixo do aquário nocturno da solidão, pendurava-me afinal sem perceber que em vez de cordas, eram correntes de insónia que eu durante o sono prendia ao meu corpo, e sentia-me pesado como rochas em queda livre em direcção ao abismo, abria o postigo e via coisas sem nome, coisas como simples objectos desproporcionais que o tempo encolhe, come, vomita como sendo corpos em aços, em fila, esperando a entrada no auto-forno, e entre cambalhotas e simples anedotas, eu escutava na paciência dos anjos femininos, os pássaros bebés em construções de areia, enquanto os olhava, recordava as aventuras de Fernão Capelo Gaivota, e imaginava-me um dia dentro de uma velha panela com arroz, algum feijão, e de sabor inconfundível a sonho, sonhar quando todas as grandes muralhas que a vergonha deixa das escadas para o patamar do terceiro esquerdo, a varanda cambaleava-se, embriagada pela vodka que os marinheiros Russos tinham deixado sobre os carris dos lençóis depois da ejaculação de palavras, que posteriormente, davam vida a poemas, e dos poemas, crianças, algumas pareciam vampiros com lenços de seda enrolados na cabeça, ouvia-se o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caía desordenadamente em nós
Sabia-te dormindo na cama do quarto encurralado entre a cozinha e a casa de banho, sem janela, e apenas uma porta de pano dividia-nos, quando te deitavas, imaginava-te sobre mim, nua, como um cobertor de lã em noites frias e que tínhamos desistido dos sonhos que esboçávamos conforme a mesma varanda, quando sóbria, deixava que nos sentássemos, com a condição, de, “Proibido Fumar”,
caía desordenadamente em vós os desejos das paralelas linhas azuis que circulavam em redor de um jardim com árvores, e confesso-o, as únicas que até hoje conheci, e que voavam, como os pássaros que eles imaginavam nas pequenas brincadeiras enquanto, os mesmos, tentavam voar com a ajuda dos papás e das mamãs, eles, aqueles que apreciavam o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caíamos diziam eles, caíamos das nuvens incolores que um artista plástico tinha pintado no tecto da cidade dilacerante, uma cidade velha com pessoas vestidas de negro, com pessoas voando como os pássaros, uma cidade...
Há tanto tempo que não sei o significado de cidade, de rio, de mar, de barcos, jangadas e beijos, e abraços, e lanternas mágicas, slides nas paredes encastradas que o velho João tinha deixado por esquecimento numa noite em princípios de Setembro, faziam-se apostas sobre o término do mês, e enquanto uns, os mais optimistas acreditavam que terminaria com flores sobre as mesas de granito, outros, os outros, os não optimistas, apenas que nunca terminaria o desgraçado mês de Setembro, para mim, e se eu mandasse, ainda hoje, ainda hoje
(setembro, o mês dos beijos debaixo das palmeiras)
Era setembro, sem dúvida, alguma, sempre Setembro, sempre... o eterno mês dos beijos debaixo das palmeiras, e a Ilha de Faro parecia um ponto de luz no centro do Oceano,
E de longe, via os aviões estacionados na pista, via o mar, via os barcos, mas esqueci-me da cor dos olhos do Sábado e do nome de cada palmeira junto à marina...
acordou a noite
E voamos entre os lençóis do verdadeiro amor.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As palavras agastadas

foto: A&M ART and Photos

Sentavas-te nas clarabóias do sorriso insónia madrugada
e eu imaginava-te voando sobre a cidade
voando desesperadamente como quem procura árvores baloiçando no vento de ninguém
em braços de aço sem odor sem fingimento
e no entanto tínhamos dentro de nós pequenas papoilas falsificadas
que um comerciante estrangeiro tinha estonteantemente inventado durante a noite desgovernada,

Éramos de pano como os cortinados da tia Adosinda
e vestíamos-nos enrolando-nos em palavras doentes com cabeças de néons abandonadas
pelos transeuntes imaginados na loucura das horas da Aspirina após o jantar...
havia uma janela de suor que escorria do teu corpo insuflável
porque das tuas palavras cresciam cravos encarnados como clavículas desperdiçadas depois de morto o esqueleto de água salgada,

Chovia-nos como chovem as lágrimas dos pilares de betão
quando do silêncio acordam mangueiras e capim envenenado
tive o mar na minha mão quando criança
como em nós
choviam barcos com plumas e rímel nos olhos transatlânticos em sinais de fumo,

Tocávamos cigarros por cigarros
beijávamos-nos dentro de um poço de prazer quando a lua escondia os mapas e as bússolas
que nos impediam de viajar pelas grandes planícies do medo e dos corpos suspensos na morte
chovia-nos como chovem pequenos adereços em papel e havíamos de encontrar uma porta
em fina cerâmica com bilhete para a eternidade...

[oiço “Eu Seguro” Samuel Úria e Márcia]
Encontro-me plenamente “SEGURO” porque já partiram os paquetes ensonados
e das poucas ruas ainda acordadas hoje nesta cidade
apenas uma a tua boca de Inferno
saboreando portas e janelas que as rochas transportam para a ilha do desejo
sem sabermos porque choravam os barcos com rímel nos olhos e plumas e cores nas faces rosadas da íngreme tristeza das asas de cartolina com palavras agastadas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 28 de maio de 2013

Estranhamente só como as lâmpadas de algumas cidades

foto: A&M ART and Photos

Sentia-me sem asas enquanto olhava os pedaços de vento que a manhã fazia acordar, ouviam-se-lhes em gargantas ocas, palavras de afecto, carinho, e desejo, havia árvores que balançavam, e não havia veleiros em passos curtos, sobressaltados, como os anjos quando sobem aos postes de iluminação pública e aclamam o nome, o meu, mas em vão,
A escada de acesso ao cais, em poucos segundos, ruiu, evaporou-se como se tinham evaporado todos os barcos com partida marcada para as nove horas da manhã, e já nas oito, desapareceram como abelhas depois da tempestade aportar nas flores em pólen adormecido, ninguém gostava de mim, porque diziam que eu era estranho, estranhamente só como as lâmpadas de algumas cidades, quando são despejadas as ruas dos velhos mapas, suspensos nas paredes caquécticas do desassossego e morte, havíamos de construir um rapaz robusto e cheio de vitalidade, diziam
Tal e qual o pai, perguntava-me, qual deles?
Queria ser bailarina, costureiro, queria ser marinheiro, navegador de barcaças entre a margem norte e a margem sul, queria ser guardião de mabecos no capim da saudade, queria ser papagaio de papel ou sombra de jornal, portão de entrada num quintal do Bairro Madame Berman, queria ser nuvem, escada, avião, barco cansado, prostituto, barco simplesmente, como as canções dos melros quando me encontro entre o acordar e o não acordado, havíamos de encontrar uma Baía com palmeiras, víamos o mar, havíamos de comprar duas cadeiras, e
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que nos diziam,
Porque as nossas fotografias tudo dizem, é só o esforço de folhear os dois álbuns e recordar, imaginar que ainda estamos vivos, e depois de sentados nas duas cadeiras que tínhamos comprado, ouvíamos o rosnar do mar dentro dos nossos peitos, tu
Eu pegava na tua mão silenciosa, por vezes tão ausente como a tempestade nos finais de tarde, havia pombas no galinheiro que comiam juntamente com as galinhas, e sentia-me liberto das tristezas manhãs quando além de ouvir os murmúrios do mar, ouvia os ruídos da tua mão caminhando vagarosamente no meu ventre, e descia vento, e levantavam-se-lhes os cocos até que das vozes sem corpo, renasciam solidões de azoto, e paixões de insónia, eu, na tua mão, no teu ventre, tu, caminhavas-me mar adentro, e as cadeiras de vime voavam em direcção à ilha dos desejos, hoje não, confesso-te, ainda te amo, como te amava quando brincávamos entre bananeiras e corridas de cavalos, jipes saltimbancos correndo de musseque em musseque, davas-me a mão, remexias-me o ventre como se eu fosse a algibeira perdida dos calções de pano, e mesmo assim,
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que nos diziam, éramos folhas de papel e que apenas servíamos para limparmos o rabo
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E acredito que ainda existem nuvens envergonhadas nos telhados de zinco, as pombas coabitavam alegremente com as galinhas, tu, coabitavas alegremente comigo, que diziam
É estranho, este miúdo,
E gostavas de mim como gostávamos dos silêncios navegantes das flores em despedida, encerrado o caixão, ele entrava num túnel de alegria até chegar ao rio, entrava na profundidade da tristeza, alimentava-se de beijos, bocas, lábios simplificados pela regra do quadrado, extraíamos a raiz quadrada do teu corpo, e ficava com nada, zero, bananas, latidos de mabecos envergonhados e pouco mais, e tudo porque um dia, um dia de tarde, disseste-me
Amo-te, querido João,
Confesso, não sei ainda se te reconheceria no amontoado de fotografias, antigas, éramos crianças em viagem e que acreditávamos no regresso dos pássaros depois de partires, e esperávamos, esperávamos...
Até que adormecíamos de mão dada
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E ainda não ouvíamos comboios a apitar dentro de nós.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Como tu em ripas do jejum anunciado

foto: A&M ART and Photos

Queria ser como tu não sorrido como eu
queria ser um veneno que habitasse no teu peito
um construtor de insónias
um transeunte faminto combinando encontros nas paragens do eléctrico
sem bilhete e despido e ausente deprimido,

Queria ter-te e ser como tu não sabendo que lá fora choram as garças
que amanhã é quarta-feira e as nuvens deixaram de ser em algodão
e as horas não são não
mais torrões de açúcar deitados na tua mão
queria ser como tu e não saber que existem noites em noites como noites...

Assim nuas despidas contínuas e semeadas entre planícies e almas desesperadas
como tu eu um esqueleto de vento saboreando pipocas
numa cadeira junto ao rio
sonhando não sonhando com frio em cio
como tu quando acordas e dás-te conta que eu nunca existi em ti,

Porque sou um banco simples de jardim
como tu em ripas do jejum anunciado
queria voar como voavam os teus cabelos no silêncio dos paquetes em movimento
como tu eu assim... deambulando na ponte para o amanhã não sabendo dizendo
como tu que as rosas têm espinhos de porcelana e lábios de andorinha,

Porque sou um camelo desorganizado
não como tu porque tu és sossego e plenitude prometida
palavras em degraus de escada
contra o corrimão assim como tu deitada
à espera que regresse a madrugada dos ilustres corredores da paixão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 27 de maio de 2013

É com enorme prazer e alegria que participarei com poemas meus na “Poesia Sem Gavetas- Aqui há Poetas, Parte II. Obrigado.

A minha vida é como uma roleta

foto: A&M ART and Photos

Sentia os rosnares engasgados dos automóveis ensanguentados pela paixão que em noites de escuridão, descia, solenemente, tristemente, às vezes, digo-o, alegremente, Porque não? Se o meu peito era o porto de abrigo dos teus braços de arame fingindo fileiras de madrugadas sobre as sobrancelhas antes de acordarem as manhãs, depois, o mesmo de sempre, a tempestade de sempre, a vida, sempre a vida em vida, completa, complexa, imunda, desperta como as flores do teus olhos, meu amor, meu amor das árvores envelhecidas, e do mostrador de um relógio, tu, a tua pele, os teus ossos em plasmas de fim de tarde, as rugas, os teus medos, o aço do teu peito quando o poisavas em mim, entre nós, réstias de insónia, angústias que provocavam os cigarros depois de fumados, havia no tecto do desejo, uma linda colorida lâmina de luz, camuflada, como tu, escondido entre o zero e o mil novecentos e oitenta e oito, nove vezes nove, atravessávamos o rio, olhávamos a ponte enferrujada pelos beijos das gaivotas sobrepostas nas rimas que sobejavam dos loucos poemas que tu inventavas, e sentias-me dentro de mim, e sentia-te deitado no perfume que atravessava a ruela entre gemidos e assobios do amolador de tesouras,
Eras tu?
O sangue, o teu, o meu, sabia-nos a poemas envenenados pela neblina de uma cidade flutuante, cacilheiros de ossos procuravam lânguidas línguas de prazer, comíamos coisas esquisitas, frágeis, como corpos acabados de nascer, tínhamos o prazer guardado dentro da gaveta da mesa-de-cabeceira, sobre nós, uma pilha de livros, e nervos, e plantas que eu, tu, que nós nunca percebemos para que serviam, apenas viviam, como nós, simples sombras, complexas manhãs de iodo, a areia fundia-se e filmava-nos como um espelho de luz a absorver os orgasmos das palavras esquecidas na ardósia que havíamos suspendido na parede da sala de jantar, amar-me-ias?
E eu sentia, as plumas do teu peito deambularem nas janelas gradeadas que escondiam o sofrimento das nossas almas, não, não consigo recordar os Sábados entre feiras de velharias e as idas à feira da ladra, ouvia-te numa roleta de casino clandestino, apostava-te todo, e saía-me um par de ases, porra, fico teso, uma semana, um mês, dois, três meses de miserabilidade, e no entanto, sabia-me feliz, subia cambaleando as escadas que me levavam aos teus braços de roseira bravia, indomável, e trazia na boca as sombras do hálito do vodka misturado com sumo de laranja, deixa-te sobre a mesa um bilhete de despedida, “regresso dia 23”, e sabias que eu, jamais regressaria, porque a minha vida é como uma roleta do casino clandestino,
Sempre, sempre saem asses, e sempre que eu perco, e no entanto
Contente, feliz, ausente, sou uma roleta em círculos em busca de uma par de ases, apenas um, um só,
Tinhas a certeza que era eu?
Diziam-me que sim, e no entanto, tu, e no entanto, eu, e no entanto, nós, dois corpos misturados na penumbra solidão procurando uma, apenas um, par de ases,
Pouca, coisa, a nossa triste história,
Tinhas a certeza que era eu?
Nem eu, nem eu,
Regressamos a nós.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O esconderijo

foto: A&M ART and Photos

Sabia que te escondias na sombra de uma locomotiva louca
entre carris imaginários
e praias de incenso sobre tingidas nuvens amarguradas
sabia e não fazia nada
deixava-te sombrear nas planícies rebeldes da solidão,

Inconstante este amor que os comboios deixam nos socalcos ao rio doirado
milagrosamente só como sandálias de couro e pingos de espuma
e o mar transpirava
e quase me levava até à pedra onde te sentavas
só como eu só nas locomotivas loucas,

Sabia que te escondias... louca
entre cartas invisíveis nas palavras famintas
sabia-o e nada fazia para te resgatar da ausência que a saudade constrói nos sorrisos de amendoeira
e olhava-te como uma louca locomotiva em movimento
procurando sombras que o rio Douro vomitava...

Tínhamos um mala simples com objectos simples com destinos diferentes
eu sabias que me transportava para Sul
e tu
tu fingias transportares-te para Sul obliquamente sabendo-o que irias para Norte
opostamente de mim como uma serpente envenenada,

Hoje somos apenas dois cadáveres de areia que o tempo
semeia sobre a água salgada onde se escondem os teus seios de cereja
e brincam as tuas coxas como livros em poesia depois de lidos relidos e transcritos
pela louca locomotiva
de uma imagem a preto-e-branco...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 26 de maio de 2013

Havíamos construído um casulo circular na profundidade do silêncio

foto: A&M ART and Photos

Mostra-me onde fica o mar, sussurra-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás? E se eu confessar-te entre murmúrios e sons melódicos que te amo... zangar-te-ás como fazem os pássaros quando lhes retiramos os cobertores nocturnos da geada? Guarda-o, e não tenhas medo, deste, dos outros, de tantos e tantos... desenhos meus, porque teus fantasmas são,
o branco negro da solidão, precisarei de lágrimas como tormentos meus para perceberes que a minha pobre embarcação, velha, cansada, começa, aos poucos de nada, a meter água, enche-se de medo, desassossego, e eu, espero-te desde ontem na ponte dos camuflados soldados de chocolate, lembras-te de mim, ainda?
São, todos teus, os tristes desenhos meus, porcarias sem nexo, e avança sobre mim a vergonha, a língua de fogo que a manhã transforma em dor, em poeira,
ai a poeira...!,
E não, não o digas mais, que a culpa foi dos morcegos, das equações de Einstein... porque não, não são os tectos da relatividade os culpados pela ausência de barcos na nossa cama, se ainda temos cama, sono, tempo para abraços, não, não foram os cansaços, culpados, prendam-me se for necessário, acorrentem-me a um cais de embarque, que eu, eu lanço-me ao mar, rio, onde vocês quiserem, mas... não culpes o Einstein
havíamos construído um casulo circular na profundidade do silêncio da areia, vestias-te de encarnado, a blusa, e das tuas velhas calças de ganga, ouviam-se-lhes ainda os gemidos da noite anterior, tínhamos medo, nós éramos o medo disfarçado de poesia, e inventávamos poemas nas descamadas conchas perfumadas dos moluscos envenenados por algas, ruídos de automóveis em confrontos desnecessários com os vizinhos do rés-do-chão, e tu, dizias-me
Amo-te,
eu, parvamente, engolia palavras, comia-as, como hoje almoço os livros que leio, como ontem dormíamos sobre os lençóis de seda com desejos prometidos, Amo-te, dizias-me tu, eu, e nós acreditávamos no largo das palmeiras, e enquanto te sentavas junto ao lago víamos os cisnes a dançarem nas encostas socalcos do Douro, havíamos
Amava-te, digo-o hoje, e comia-as, alimentavas-te de pequenas gotas de suor que o teu finíssimo corpo transbordava quando as minhas mãos
escrevias no meu corpo palavras, desenhavas-me e dizias-me que a tela dos meus seios, pequenos, ínfimos, tinham sussurrado o teu nome enquanto esperávamos pelo comboio para Alcântara, havia barcos estranhos nas nossas costas, crestados abraços, milímetros quadrados de tristeza, a saudade, escrevo-te, escrevo e peço-te que,
As minhas mãos, inventávamos sonhos e Primaveras, que
peço-te que não culpes o Einstein...
Que, e dizias-me, onde ficava o mar, sussurravas-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás?
peço-te que não culpes o Einstein... , e havíamos de cruzar os Oceanos arbustos que Belém aconchegava, e um rio,
Chorava,
tu choravas ensanguentando os meus braços de cinzentas lágrimas...
E choravas, sentia-te dentro dos lenços de papel.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Querida melancolia tarde de Domingo

foto: A&M ART and Photos

Estás tão triste querida melancolia tarde de Domingo
o vento levanta-se dos teus anseios cabelos
como o mar se acorrenta nos teus abraços
dos belos castanhos beijos
e os medos vaiados pelos poemas teus olhos
que alimentam a tua boca em desejo,

Tão tristes as paredes ruínas que encobrem as tuas melodiosas canções de amar
sabendo tu que o amor é um Sábado disperso e cansado
comendo amêndoas recheadas com chocolate e pequenos versos
e grandes nadas
tão triste querida palavra que não sou capaz de pronunciar...
porque hoje é Domingo,

Porque hoje é melancolia adormecida
luz em pequenas lâminas de silêncio
sobejantes janelas sem os cortinados do dia...
uma ardósia encolhe-se-te no centro dos teus seios
e todas as palavras de amor
choram como crianças arrependidas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

E a fome das coisas prometidas

foto: A&M ART and Photos

Percebiam-se-te cansaços que o tempo alimentava
flores dispersas como sandes de solidão
sobre uma cama encharcada
fina distância a janela da paixão
que a noite alicerçava,

E a fome
meu amor madrugada
que nuvens vorazes galopavam nas searas abandonadas
e a fome das coisas prometidas
dos livros murmúrios palavras,

Amor... lâminas de vidro que a espuma do mar recordava
entre a loucura e as lâmpadas do silêncio encardido dos candeeiros cadáveres
amor só como areia dispersa na imensidão da poesia
de dia
o amor... amor que não amava,

E desejava
sabia-te adormecida nos confins sulcos que o estômago rejeitava
vogais sílabas e imagens do teu corpo imprimido no céu petroleiro
e sobejava sabia-te dorida pelas mãos das ilhargas madeiras da Primavera
que o meu coração imaginava,

Chorava-te como lulas grelhadas
dentro da barcaça da alvorada
percebiam-se-te cansaços e limonadas
como este maldito zumbido da esplanada criança tristemente apaixonada
tristemente... recheada nos lábios teus finos beijos que as pétalas do amor o vento transportava...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 25 de maio de 2013

desenho de: Francisco Luís Fontinha – Alijó

Mostra-me onde fica o mar, sussurra-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás? E se eu confessar-te entre murmúrios e sons melódicos que te amo... zangar-te-ás como fazem os pássaros quando lhes retiramos os cobertores nocturnos da geada? Guarda-o, e não tenhas medo, deste, dos outros, de tantos e tantos... desenhos meus.

Francisco

nem pertenço ao mar, nem pertenço à terra

foto; A&M ART and Photos

O escritor não sou eu, os cigarros terminaram quando ainda pertenciam-me coisas pequenas, pássaros e poemas, secretárias que vomitavam palavras, cidades que flutuavam entre manchas de sémen e flores de pétala encarnada, o escritor morreu, não me pertencem as palavras que escrevo, que ele escrevia para mima, e eu, amava-o loucamente como quem ama uma árvores, um pedestal sem estátua, ou... escrevia-me nas costas enquanto eu, dormia, imaginava-me dormir dentro dos teus braços, hoje partiste definitivamente de mim, acabaram-se-me palavras e cores e os riscos desordenados das noites de Sábado, hoje
escrevia-te palavras vãs em teus olhos verdes, poisava os cotovelos sobre a secretária, mal educado, ouvia eu da tua triste boca, eu, sem sentido, não me importava que de ti acordassem glândulas e células onde eu guardava as palavras para ti, meu amor, e sinceramente, aos poucos fui desistindo dos teus lábios, ficaste confuso, tu, o homem que veste o meu corpo, me transportas para as imagens longínquas de uma cidade que ainda hoje, não Sábado, não consegues pronunciar, e da minha Luanda infinita com o mar arregaçado até aos tornozelos, tu, desististe de me transportar, de me amar, e assim, perderam-se-me todas as palavras que te escrevi...
Odeio-te como odeio as chuvas tempestades sobre os rios de brincar,
flutuávamos como alicerces de edifícios em ruína, éramos aço que cobria o esqueleto dorsal de um paquete não baptizado, levianamente, desaparecias durante a noite, provavelmente, vestias-te de peixe, e voavas sobre o capim ruidoso que os mabecos rosnavam antes de adormecerem, esperava-te na cama mergulhada em livros, papeis velhos e canetas de tinta permanente, perguntavas-me qual era a minha terra e eu respondia-te que sinceramente, ou
Provavelmente,
ou...
Não tenho terra, aqui não me conformo, não me revejo, e lá, lá não me querem como cidadão Angolano, portanto, além de te perder, além de perder as tuas palavras, os teus abraços, os teus doces lábios, perdi também a Pátria, e considero-me um apátrida, nem pertenço ao mar, nem pertenço à terra,
ou,
Odeio-te como sabias que todos os calendários inventam dias, e que todos os relógios, os pobres, e os ricos, todos, comem horas, minutos e segundos, e subíamos a um coqueiro com asas de vidro, e sentia-te em mim, e sabia-te disfarçado de sebenta com palavras, e palavras, palavras...
a quem pertenço eu? A que corpo pertencem os teus lábios que saboreiam o meu pescoço? Às palavras não ditas, por medo, covardia, Qual é a minha Pátria?
Quem diria, que eu, um dia, procurasse nos caixotes de cartão a tua fotografia, quem me diria, se eu te odeio, desde que morreste-me nas mãos em palavras,
vãs,
E nunca, pára de mentir-me, porque nunca vivi na Vila Alice, porque, nunca, vivi no Bairro Madame Berman, e
vãs, sãs, e nunca, nunca te esqueças, meu grande sacana, que o teu querido corpo, é meu e pertence-me, leva as tuas palavras, leva-as, mas deixa-me o teu corpo para eu brincar no espelho do guarda-fato enquanto não regressa o Inverno...

@Francisco Luís Fontinha

Na montanha dos lápis de cor

foto: A&M ART and Photos

Voávamos entre as gaivotas assassinas
que todos os finais de tarde
acordavam
voávamos como livres pensadores
sentados debaixo de um qualquer plátano que o tempo esqueceu em nós,

Havia um mar desenhado nas rochas que brincavam no teu peito cerâmico
e os barcos nossos que laçamos em viagens circulares
ouvíamos-los pacientemente chegando ao pôr-do-sol
que do teu corpo
aconchegava a maré dos vértices de luz,

Voávamos entre... assassinas
que das tuas mãos se erguiam quando encerravam o sol numa caixa de vidro
e os lábios oiro que construíam sorrisos nas margens do rio
voavam como nós
voávamos sobre as lápides como crânios selvagens vivendo na montanha dos lápis de cor,

Sem percebermos que éramos sibilantes palhaços de pedra
procurando as nuvens inventadas pelas loucas tardes tuas
que o prazer acorrentava nos teus finos braços de crisântemo envelhecido
voávamos
voávamos às viagens de cartão em redor de um pilar de areia,

Voávamos de mão dada entre gaivotas assassinas
e noites de literatura
esquecíamos as tardes de poesia e subíamos as escadas em caracol
que nos levavam até ao telhado silêncio da cidade das algas tuas coxas
e ficávamos... assim... como hoje... à espera que terminasse o dia.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água – Destaque no Sapo Angola

O preto transformar-se-á em dia

foto: A&M ART and Photos

O preto ambíguo semeado em lábios de chumbo
como a poesia melancólica das paredes de uma livraria
sentia-te dentro de mim em flores de inverno
das tuas guelras se transformam as palavras
e as tuas palavras
simples gargantas ao abismo térreo,

Sentir-te no meu peito que procura nas sombras o desejo
lágrimas e pequenas voláteis sílabas mergulhadas nos teus seios cereja adormecida
o preto transformar-se-á em dia
e do branco tua pele sedosa e meiga
acordará a noite
em prazeres de insónia,

Sentir-te como pedaços de papel
ainda virgens os livros por escrever
e folheias páginas brancas
céus crispados na língua suspensa no meu pescoço imensurável
ausente como as canções que a Primavera deixa cair sobre as árvores...
e afugenta os pássaros da paixão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coisas de gajos como eu

foto: A&M ART and Photos

O corredor encastrado nas rochas sobre lâminas pulmonares que sobejavam das cansadas manhãs de sobriedade, o corredor, altíssimo como o abismo, e aos poucos deixava de ver-se o tecto, dando a terrível sensação de claustrofobia, parecendo ao olhar do simples comum que as duas paredes se uniam no infinito, evidentemente que não, e a largura do tecto milimetricamente igual à largura do pavimento térreo, onde as tuas sombras mergulhadas em asas de pequenos tecidos réstios, recordando-me paisagens da África do Sul ou Austrália, recordando-me silêncios submersos em canções melódicas em roda de uma fogueira, quando recheada a noite, vinham até mim, sem perceberem que eu os desejava, os esperava, vinham até mim pequenas lascas de vento, saboreava-as, e claro que quando adormeciam debaixo de ti os recusados orgasmos matinais que dos cortinados do medo remexiam páginas e pequenas folhas dispersas sobre a mesa em fórmica barata que tinha adquirido numa das minhas visitas à feira da Ladra, apetecia-me comprar uma pistola, munições de argila, e brincar como as crianças, imaginando alvos, imaginando vidros, na escola, quando pontapeava uma bola em borracha, e a milhas da baliza, quebrava um dos grandes vidros da janela onde hoje habita a biblioteca municipal,
coisas de putos,
E de “Putas”,
coisas de gajos como eu, desajeitado, imprimido numa madrugada em mil novecentos e sessenta e seis, pior do que isso, um belo domingo de Sol, era verão, e era Janeiro, havia flores em redor da maternidade algures esquecida na cidade dos sonhos, para uns, desejos, para mim, pesadelos, e para ela
A cidade da vaidade, da arrogância, uma cidade em pedras comendo as lâminas pulmonares dos homens com janelas quebradas por um miúdo desajeitado, um miúdo, estúpido, um miúdo que depois de crescido, ficou palhaço, o circo entra cidade adentro, o miúdo esconde-se nas catacumbas do desassossego, porque sempre que o corredor aumentava em altura, notava-se, que, não sei... mas parece-me que aumenta também em comprimento,
cumprimenta o senhor General, Margarida Armanda,
Bom dia, senhor General,
coisas de putos,
E de “Putas”,
uma fogueira, quando recheada a noite, vinham até mim, sem perceberem que eu os desejava, os esperava, os comia mesmo antes de entrarem em mim, (bom dia, senhor General), e ele fazia-a acreditar que a lua era redonda, e que das nuvens, depois do prazer aconchegado das mãos do senhor General, eram de algodão, porco, filho da puta, e dizia-se que era normal, as meninas, mandadas pelos pais, cumprimentarem o senhor general,
Bom dia, senhor General,
e o prazer transformava-se em dor, e as pedras da parede do corredor, algumas, transformavam-se em pequenas bonecas, bonecos, e estrelas
E de “Putas”,
que ficavam no céu até acordar o dia, deitávamos-nos quando os machimbombos começavam as alegres caminhadas palas ruas da cidade, havíamos de conquistar as sanzalas com meninas que diziam ao acordar
Bom dia, senhor General,
palhaço, o circo entra cidade adentro, o miúdo esconde-se nas catacumbas do desassossego, porque sempre que o corredor aumentava em altura, notava-se, que, não sei... mas parece-me que aumenta também em comprimento, e a tristeza na proporcionalidade de cinco para um, desfaz-se em pequenos grãos de areia, ela agachava-se para espantar o medo
Bom dia, senhor General,
e o medo sabia a lágrimas como capim enrolado na ferocidade dos mabecos que durante a noite, entravam nas casas, e subiam à cama das meninas, e numa voz dilacerante, ouviam-se-lhes
Bom dia..., bom dia, senhor General.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Saudades como as tenho

foto: A&M ART and Photos

Saudades são gotas de água
que descem da imensidão da pele ensonada como bocas em despedida
saudades são pergaminhos enrolados nas tuas mãos de andorinha
quando acorda a Primavera
saudades das palavras pronunciadas como migalhas de sílabas
nas pálpebras das vogais adormecidas,

Saudades como as tenho
pensando acreditar nas manhãs de sábado
aquelas que ainda não acordaram
que nem sequer sabem se vão acordar
saudades de ti quando te sentavas num banco de jardim a passear livros
ou inventando a resolução de integrais numa sebenta envelhecida,

Saudades as tuas quando dos teus lábios de madrugada
sonhavam os beijos salivais com perfume a hortelã...
saudades são gotas de água
são rios
e ribeiras
são palavras e imagens a preto-e-branco numa janela sem vidros.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras

foto de: A&M ART and Photos

Não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,
não sabia,
E no entanto, quando ancorava o rabo na cadeira de couro, com pernas elegantes e rodinhas que me transportavam e me faziam transportar, em círculos, em ondas, como atravessando os espaços vazios do compartimento a que baptizaram de “escritório”, eu recordava-me dos teus olhos...
dirão... olhos, quais olhos, de quem são os olhos que neste momento dormem sobre as palavras acabadas de escrever?
E tantos, de tantas cores, uns cansados e usando óculos, outros, menos cansados, e não necessitando de uma bengala para simples leituras a curtas distâncias, e outros, outros da cor do desejo e com sabor a melancolia, a saudade, a tristeza, a... vinham as tempestades, e traziam-me os cordéis que serviam para me acorrentar às árvores em protesto pela sombra prometida, e víamos que de sombra nada ou algo parecido, concluindo que tínhamos sido burlados pelo vendedor de sombras, homem que se fazia passar por honesto, como todos os homens burlões, bem falante, com cultura superior à média, bem apresentado visualmente, e no entanto, abria a pasta de couro, e de um catálogo colorido, mostrava-nos vários tipos de sombras, algumas pareciam lâmpadas de baile de aldeia encurralada na montanha dos apaixonados cus de de um desonesto homem vendedor de lanternas, que além das sombras, nos impingia algibeiras envenenadas contra todas as perdas monetárias, como se de uma vacina se tratasse, comprei uma delas, e logo por azar, perdi trinta euros, paciência, digo-me enquanto folheio mentalmente as imagens das milhares de sombras, que ele, o homem, nos vendia por uma módica quantia de cinco mil euros,
adquiri uma em treze suaves prestações, mas até à data de hoje, sombra nenhuma,
Voltando ao apelidado “escritório” quando carregava no interruptor que supostamente serviria para ligar a lâmpada do pequenos espaço com duas secretárias (em madeira – não das outras), só não acendia lâmpada alguma como ouvia do rés-do-chão o rinchar de uma égua, a princípio não sabia explicar o sucedido, depois, depois de tanto pesquisar, de descer escadas, entrar no curral do animal, carregar no interruptor e a luz apagada, e do primeiro andar a voz da menina Augusta
acendeu a luz do escritório...
O electricista tinha trocados os fios, e o interruptor do escritório servia para acender a luz do curral da égua, e o interruptor do curral da égua, acendia a luz do “escritório”, não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,
não sabia,
E dos inúmeros olhos que poisaram sobre os meus olhos verdes, foram os teus, foram os teus, aqueles olhos cristalinos como a água transparente da ribeira quando desce a montanha, e sem o perceberes, estás sentada num lago invisível, e nas tuas costas, cisnes, brincam, conversam contigo, iluminados pelos
não
Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras, e agora, não sei, se foste uma sombra, ou se és um sonho, não sei,
acendeu a luz do escritório...
Ou... talvez saiba, luzes, luzes embainhadas em cores como os milagres do burlão vendedor de sombras, que na compra de uma, me ofereceu como bónus... o teu olhar de feiticeira, escondida sempre entre jardins e clarabóias de sótãos com janelas viradas para o rio, o mesmo, que te viu despedir-se do mundo...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A cidade perpétua

foto: A&M ART and Photos

Mergulho na cidade perpétua, ambígua e solitária, mergulho-me como se eu pertencesse à classe dos aços carbono, um ser estranho, diletante, companheiro e amante de melodias poéticas, das flores carnívoras e das árvores em desenhos herbívoros, poisava-me no varandim com quatro cadeira de vime, uma mesa também ela de vime, e na companhia de três invisíveis cadáveres de areia, sobressaia um sorriso defunto com lágrimas de incenso, ouvíamos tocar o telefone, propositadamente, não atendíamos, tínhamos medo da cidade perpétua, tínhamos medo às sombras das sombras que subtraiam à cidade as saborosas multiplicações e divisões,
o miúdo dos calções, multiplicava beijos e dividia abraços, conclusão
Empobreci, quase tudo perdi, porque ninguém, a não ser numa outra cidade, ninguém enriquece multiplicando beijos e dividindo abraços, ninguém engorda lendo poesia, e ninguém, ninguém...,
conclusão, pertenço à classe dos aços carbono, tenho cento e setenta e cinco centímetros e vivo numa casa com silêncios em pedaços de rés-do-chão, na rua dos milagres, sem número, cidade perpétua, as pessoas apelidam-me de barra de ferro, e quando entro no café, quando tudo parece adormecido, ouvem-se os murmúrios das cadeiras vazias
Ninguém na sala, um exemplar espaço exíguo, liminarmente penumbro, vazio, ninguém se levanta à minha passagem, ninguém se recorda da minha existência, ouvíamos os candeeiros a petróleo quebrarem os vidros de gelo das janelas com inclinação a norte, um edifício de quase trinta e cinco andares, tão alto, meu deus, alto, tira-nos a visibilidade, acorda a neblina, e nem com os faróis de nevoeiro conseguimos ver o mar,
vazias?
Porquê?
vazias, e tristes, e longas manhãs de doce claridade, e
Traziam-nos os pães de leite em réstias de desassossego, e como hoje, e como agora
(um terramoto sonolento entranha-se-me)
e como agora, ontem, o nevoeiro entrava-nos porta adentro, brincava no corredor e depois de algumas horas, sentíamos-lo deitado no nosso sofá, vestido de criança, uma criança amena, simpática como todas as crianças, como todos os apitos dos petroleiros quando se fazem à costa, ao longe, ouvíamos-lhes os cigarros de enrolar perdidamente perdidos nos corações dos marinheiros com âncoras de plátano bordados com fio doirado,
e
Traziam-nos...
(um terramoto sonolento entranha-se-me)
… pequenas borboletas de papel, e ouvíamos-lhes os sonoros ruídos das montanhas ensanguentadas pelos perfumes marinhos, coisas tristes com roupa de uma cidade perdida e ausente, farta em alturas, até que quase, não nós, mas eles, quase que chegavam com as pontas dos dedos da mão ao céu,
Ao céu?
pode lá ser isso possível,
Nem que a cidade mude de nome, e de perpétua passe a chamar-se “a cidade da neblina encarnada” onde vivem barcos de porcelana, onde vivem meninas de olhar castanho com cabelos negros, meninas, e meninos, o circo, esta cidade, a cidade dos circos, palhaços, malabaristas, a minha apaixonada trapezista, e claro
pode lá ser possível, amanhã chover, amanhã acordarem as sobrancelhas e depois de levantadas, e depois do duche, voltarem para a cama, embrulharem-se nas pálpebras quebradas e numa voz húmida
Até amanhã, meu querido,
e numa voz húmida, cansada, (um terramoto sonolento entranha-se-me), e claro, o imprescindível AGENTE, o nosso querido Alberto, aquele que nos sustenta, aqueles que ainda acredita nas nossas capacidades, aquele... parvalhão, e de um até amanhã, meu querido, depois, descem os grandes rios às íngremes ruas da cidade, e claro
A tua inconfundível voz
até amanhã, meu querido,
Sem perceberes que amanhã já não vivo nesta cidade,
“mergulho na cidade perpétua, ambígua e solitária, mergulho-me como se eu pertencesse à classe dos aços carbono, um ser estranho, diletante, companheiro e amante de melodias poéticas, das flores carnívoras e das árvores em desenhos herbívoros, poisava-me no varandim com quatro cadeira de vime, uma mesa também ela de vime, e na companhia de três invisíveis cadáveres de areia, sobressaia um sorriso defunto com lágrimas de incenso, ouvíamos tocar o telefone, propositadamente, não atendíamos, tínhamos medo da cidade perpétua, tínhamos medo às sombras das sombras que subtraiam à cidade as saborosas multiplicações e divisões”,
sem perceberes que amanhã já não sou eu.
(ficção não revisto, o sono em decomposição, o cansaço sobrepõe-se ao livro que ultimamente tem vivido sobre a mesa-de-cabeceira, e em vez de folhear as páginas com sabor a “Abraço” de José Luís Peixoto, certamente folhearei os tristes lençóis com pronuncia de insónia... - Pronuncia? Sim, claro, propositada, e não Prenúncia...)

@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 21 de maio de 2013

Menina mimada

foto: A&M ART and Photos

Que cansaços
os teus abraços
que lábios vou ter
para construir um beijo com sabor a Primavera
que triângulo colocarei em minha mão para entrar no teu peito,

Que coração
teu ou emprestado
meu sem jeito
deitado sobre a sombra da paixão
que maçada as coisas tristes que me recordam o teu olhar,

Que movimentos são esses de pássaros em bater de asas
montes e vilas e casas
e tu e tu deitada nas sandálias que caminham sobre a praia...
que tempo e que desejos os teus véus de amendoim
quando rompe a madrugada dentro do meu jardim,

Que flores são as tuas mãos
quando poisam no meu pescoço apreensivo
desmedido
perdido...
que cansaços os teus abraços,

Que loucura ser teu sem o ser
escrever as palavras com medo de adormecer
de caneta na mão sobre a secretária em madeira...
que
que dizer de ti menina mimada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha