segunda-feira, 27 de maio de 2013

O esconderijo

foto: A&M ART and Photos

Sabia que te escondias na sombra de uma locomotiva louca
entre carris imaginários
e praias de incenso sobre tingidas nuvens amarguradas
sabia e não fazia nada
deixava-te sombrear nas planícies rebeldes da solidão,

Inconstante este amor que os comboios deixam nos socalcos ao rio doirado
milagrosamente só como sandálias de couro e pingos de espuma
e o mar transpirava
e quase me levava até à pedra onde te sentavas
só como eu só nas locomotivas loucas,

Sabia que te escondias... louca
entre cartas invisíveis nas palavras famintas
sabia-o e nada fazia para te resgatar da ausência que a saudade constrói nos sorrisos de amendoeira
e olhava-te como uma louca locomotiva em movimento
procurando sombras que o rio Douro vomitava...

Tínhamos um mala simples com objectos simples com destinos diferentes
eu sabias que me transportava para Sul
e tu
tu fingias transportares-te para Sul obliquamente sabendo-o que irias para Norte
opostamente de mim como uma serpente envenenada,

Hoje somos apenas dois cadáveres de areia que o tempo
semeia sobre a água salgada onde se escondem os teus seios de cereja
e brincam as tuas coxas como livros em poesia depois de lidos relidos e transcritos
pela louca locomotiva
de uma imagem a preto-e-branco...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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