domingo, 5 de janeiro de 2014


No meu texto de ontem “Estoy enamorado” alguém me chamou à atenção que literáriamente não leva acento agudo no “á”. Ora literariamente é um advérbio de modo terminado em -mente, derivado do adjectivo literário com acento agudo, e também no caso de advérbios de modo terminados em -mente derivados de adjectivos com acento circunflexo, ambos os casos não levam acento nem agudo, nem circunflexo.
Ex:
Literário – Literariamente;
Só – Somente;
Espontânea – Espontaneamente;


Por alguma razão, no final dos meus textos, está bem explícito (não revisto). A verdade é que o dito comentário apenas existe porque uma dita senhora, com vários perfis falsos no Facebook, resolveu chatear-me, ou melhor, pensa que me chateia... digamos como dizia o outro; para me chatearem precisam de morder-me a.... ela já o fez e não me chateou em nada. Pior do que isso são as pessoas que lhe emprestam o perfil para ela fazer comentários em nome de outros...
FIM

Cigarro invisível

foto de: A&M ART and Photos

Puxo de um cigarro invisível e penso nos teus cabelos húmidos depois das chuvas de Inverno, recordo o lamacento labirinto de saudade que existia nos teus doces dedos envenenados pela paixão do silêncio, habitas como um pássaro no meu pobre e triste covil, habitas também tu, tal como o cigarro invisível, derretido em pedacinhos de cinza que voa sobre os desejos matinais das ardósias sem janelas, puxo e penso no cigarro invisível, estive quase a desejá-lo, estive quase a possui-lo... estive quase dentro dele como ele vive eternamente dentro de mim, inexplicavelmente... não o fumei, inexplicavelmente... não o puxei, manuseei-o na minha mão como uma munição perdida, esquecida... e
Sem nome?
Uma carcaça de fome, puxo, não puxo, invento, adormeço, me sento sobre as dores do andarilho covil da minha infância, viajo, regresso, embarco... sem medo, com medo, sem nome?
E puxo e regressam todas as palavras adormecidas, e puxo e regressam todos os desejos prometidos...
Ausente,
Sente,
E puxo, e puxo até que o dia acorde, até que a noite se deite, durma, finja viver quando a vida não se vive... come-se como rodelas de laranja...
E estonteante me sinto para acreditar em labirintos de prata, e estonteante me sinto... me sinto para sofrer paixões de xisto quando a húmida manhã se entranha no púbis da atmosfera encharcada de dióxido de carbono...
Sente,
O ausente,
E puxo de um cigarro invisível e penso nos teus cabelos húmidos depois das chuvas de Inverno, recordo o lamacento labirinto de saudade..., e não sei, e não sei se a noite é negra, encarnada... ou... ou de cor nada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 5 de Janeiro de 2014

sábado, 4 de janeiro de 2014

Estoy enamorado

foto de: A&M ART and Photos

“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados,
Estoy enamorado,
“Estoy enamorado” sem perceber que a cidade dorme, respira e sonha..., deixei de sonhar quando dei conta das árvores com braços de cinzentos cigarros de enrolar, tive medo que depois de adormecer, nunca, nunca mais acordaria para olhar o mar, dormi, não sonhei... e quando me acordaram, anos depois, voltei a olhar
“Estoy enamorado” pelo mar,
E conheci uma abelha por quem “estoy enamorado”, literáriamente é uma besta, sempre aos gritos, acorda todos os fantasmas da cidade dos peixes, sinto dentro de mim os barcos da desgraça, sinto dentro de ti os edifícios com alicerces de prata e telhados em colmo, a floresta deambula nos teus cabelos, e tu, estúpida abelha, literáriamente pareces uma lareira sempre extinta, apenas daquelas que servem apenas de adorno, um cão saltita de sofá em sofá, e do resto do mobiliário... apenas a escrivaninha com quatro gavetas encerradas a fechaduras de marfim, um velho e rabugento cinzeiro e claro... a porcaria de sempre das mesmas fotografias de sempre, família, fantasmas que hoje apenas o são, habitam dentro do nosso pequeno espaço, não respiram, não saem de casa... mas... também não bebem, dançam umas com as outras, fumas haxixe por prazer e lêem revistas com fotografias de gajos nus, eles e a minha abelha parecem a tromba de um elefante depois da congestão com percebes e algumas quitetas, lembro-me das asas dela, e sinto nojo das palavras que me escrevia, dizendo que
“Estoy enamorada”,
As barbatanas sentiam o cheiro intenso do sossego das conchas vermelhas, a lua em guindastes de orgasmo levanta-se do divã, e
“Estoy enamorada” por ti, por eles, por todos os homens com vestidos de prata, os olhos pintados com rímel e nos lábios um colorido desejo sobressaltava... ouvíamos do outro lado da ranhura do gesso
“Estoy enamorado”,
“Sí mi querido”,
E as varandas balançavam e as escadas brilhavam e as ombreiras...
Se iluminavam,
E
“Estoy enamorado”,
“Sí mi querido”,
Amávamos-nos como bijutarias da “feira da ladra”, levava livros para vender e trazia panfleto de heroína para fumar,
“Si mi querido”,
“Estoy enamorado de ti” e quando regressávamos a casa tínhamos um regimento de transeuntes à nossa espera, polícia, polícia e mais polícia, tudo porque tínhamos trocado alguns livros por outros tantos panfletos de ardósia tarde sem recreio,
“Estoy enamorado de ti”,
“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados, a canalização sempre em pequenos arrotos devido aos pigmentos de ferrugem, ouvíamos cair sobre nós os pingos longos da chuva sem
Nome?
“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados, o nome pertencia à rua do abismo construído sobre os rochedos da coragem, estar e não pertencer estando, e nunca estive, e nunca estarei...
Disponível,
“Estoy enamorado”,
“Sí mi querido”,
E a abelha zarpou de mim, sinto-me livre, sinto-me... sinto-me como uma enxada vociferando os novelos de lã da minha mãe...
Amanhã, amanhã... amanhã “estoy enamorado”.


(não revisto - ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 4 de Janeiro de 2014

enlouquecido acordado

foto de: A&M ART and Photos

enlouqueço como os ramos cansados da amoreira
evaporam-se no vento agreste que traz a tempestade de areia
vomita barcos e caravelas e mulheres de porcelana
belas às vezes... feias quando os charcos lamacentos do abismo estão sobre o mar...
mulheres que fogem das nuvens invisíveis dos doces torrões de açúcar
enlouqueço
vivo fingindo viver
e escrever fingindo que escrevo
não escrevendo...
… nada
absolutamente... nada
porque odeio as canetas de tinta permanente

porque deixei de guardar as velhas folhas em papel amarrotado...
velho
porque... queimei os dedos do teclado da máquina de escrever
ainda oiço os sons magoados das sílabas em sangue...
e enlouquecido... sinto-me um iceberg perdido na espuma tranquila do silêncio medo
procurando travessões longos de madeira firme
palavras
tristes palavras
das cadeiras da sala de jantar...
oiço e choro
perco-me não percebendo que do pavimento da paixão
acordam os laços de nylon dos mastros enferrujados.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 4 de Janeiro de 2014

Horácio Queiroz - paintings



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Triste Inverno

foto de: A&M ART and Photos

Prefiro esquecer
não olhar o mar sobre as pedras cinzentas da dor...
não chorar porque nas lágrimas habitam os pássaros em papel
como palavras vivas
como... prefiro esquecer o sofrimento ensanguentado da noite
sentado
e adormecer
eu cansado... cansado de esperar que se ergam as flores do triste Inverno.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 3 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os barcos da minha infância

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me ausente como os barcos da minha infância
oiço os loucos apitos das orgias nocturnas dos pássaros anónimos em mim
finjo escrever no corpo da alma
acredito voar se saltar a varanda e passear sobre os telhados de Alfama
os bares em Cais do Sodré
o rio... o rio que me chama... e eu... e eu não vou
pronto
não quero
porque não me apetece olhar o mar
sinto-me transeunte como as formigas empanturradas em açúcar e compota de abóbora...
não quero conversar com ninguém
prefiro a ausência,

A minha santa ignorância... sou um Réu sentado em cima das rochas de espuma
sou um corpo deitado sobre outro corpo
mórbidos nós... até que a morte nos separe... penso em ti
e nunca sei quem és
como te devo apelidar...
se
ou
sinto-me ausente como as serpentes e os barcos da minha infância,

Além habitam os charcos lamacentos das bibliotecas em flor
aqui... nada que preste
aqui apenas a minha sombra espetada num farrapo junto a um espigueiro...
o telhado chora
e range
as ripas fazem amor com os pregos enferrujados...
gritam
uivam
e lá dentro
pedaços de nós em pequenas espigas de milho adormecidas no cansaço da morte
não sei... ainda não sei o teu nome
como te despes... como... qual é a tua relação com o espelho do desejo?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

Livro “Pintura e Texto”

Quadro de Horacio Febrero de Queiroz

É com enorme prazer e satisfação que um Texto meu vai integrar o livro “Pintura e Texto” sobre os quadros do pintor Horacio Febrero de Queiroz.
Obrigado à Pastelaria Estudios Editora, Teresa Maria Queiroz e ao pintor Horacio Febrero de Queiroz.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Os cinzentos beijos da madrugada

foto de: A&M ART and Photos

A flor do desassossego acorda-me com se eu fosse um metro quadrado de terra não fértil
como se eu fosse um pedaço de papel ainda não escrito
doente
debaixo da sombra dos embondeiros
oiço os mabecos vomitarem as sílabas de aço das poucas palavras pronunciadas
gordas... acabadas
tristes como eu porque o dia não cresce
porque a lareira do desejo afunda-se nos cinzentos beijos da madrugada
“a flor tu” que o calendário da paixão colocou na parede da minha mão...
“a flor tu” que eu recuso tocar
porque as nuvens prateadas são como as sandálias... esquecem-se de caminhar
e morrem no mar,

E eu toco-te sem perceber que os abraços são filhos do vento
e “a flor tu”
um fino esqueleto de luz voando sobre as montanhas do prazer
a flor
a flor do desassossego acorda-me
enoja-me
faz de mim um velho mendigo sem casa para habitar
sem palavras para escrever...
sem jardins
sem nada...
e eu toco-te e tu...
e tu... tocas-me pensando que sou uma pedra de xisto esquecida nos socalcos do destino.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Quarta-feira, 1 de Janeiro de 2014

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Voos nocturnos

foto de: A&M ART and Photos

Voo entre as espadas de sombra das paredes de gesso
oiço do vão de escada os uivos do lobo cinzento
talvez se sente
talvez... me espere
oiço-lhe na voz os silêncios do medo
os arrufos da solidão
do vão de escada... alcança-se o sótão das palavras
onde habita uma folha rasgada,

Uma frase suspensa no arame da paixão...
uma moeda de prata que roda sobre a mesa-de-cabeceira
voo e não dou conta dos ponteiros do velho relógio em direcção ao abismo
uma trégua... preciso urgentemente da trégua do sossego
uma amiga palavra
uma toalha envenenada
encharcada... como o éter embriagado depois das pétalas caírem sobre o mar
e a gaivota dos teus lábios acordar das marés esverdeadas,

Voo... entre as espadas... gesso
sinto-o como lâminas de espuma sobre o meu pescoço à deriva no Oceano do amor
voo e não voo.. vou depois de partir conhecer os túmulos secretos dos esqueletos em desejo
voo como uma gaivota sem asas
estonteante
doente...
fugindo da doce guilhotina dos dias sem Primavera
voo e voo até tombar como uma árvore sobre o jardim das despedidas...

Fingidas
sinto-o como sentia o sal dentro das minhas veias
cordas de nylon voavam como eu sobre a cidade dos delírios
despedidas...
porquê?
aceites somos palhaços de palha seca dormindo no centro da eira com vista para a torre da Igreja
e de fingidas
às... prometidas... prometidas espadas de sombra das paredes de gesso.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013

fugir de mim

foto de: A&M ART and Photos

fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
enrolar-me às palavras não escritas
aquelas pensadas e não ditas
fugir...
caminhar sobre os cobertores da insónia
despedir-me da inocência mão do destino
ir ao espelho
vestir-me de menino...
e fugir
fugir... fugir de mim até acordar a madrugada prateada
e ouvir-te sorrir
e sentir-te saltitar sobre a ardósia rasurada...

fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas

fugir de mim
abrir a janela dos abismos rochedos com olhos castanhos
sentar-me
sentar-me à beira rio e... fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
escrever
sentir no rosto o vento abandonado
vagueando pela cidade como um mendigo coitado
fugir...
fugir e fugir... até que o cortinado do desejo arda nas lápides dos alicerces desalinhados
fugir
e escrever...
escrever nos lábios das pétalas embriagadas como homens estatuados...

(fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas)

fugir
fugir e sentir...
sentir os orgasmos fingidos
dos pinheiros bravios da montanha do medo...
fugir e fugir e partir... partir sem sentir os falsos amigos
fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

caos

foto de: A&M ART and Photos

há uma ordem indefinida que habita no centro do teu corpo
a tempestade preguiçosa dos barcos encarnados abraçam-se a ti
e tu parecendo uma ardósia em fim de tarde
escreves-te e alimentas os volantes e êmbolos da tristeza
escreves-te e gaguejas as palavras mortas que o vento transporta
como nuvens de poeira sobre a pele húmida da paixão...
apaixonado sempre
sempre... como um vulcão entranhado na montanha dos sonhos
trazes-me os cinzeiros com asas voláteis depois dos desalojados cigarros partirem na tua mão
recordas-te do silêncio
e acreditas nas pedras quentes dos telhados invisíveis da insónia
há uma ordem secreta dentro de ti que não quer movimentar-se na roldana dos beijos cinzentos,

lembras-me as chuvas endiabradas das sanzalas com telhados de cacimbo
eu chorava porque tinha acabado de perder um simples papagaio de papel
tinha quatro cores
e... e um velho cordel
havia em ti uma ordem
que do centro do teu corpo ao meu olhar perdia-se como se perderam todas as sombras do desejo
e despejados nós
continuamos a procurar marés de papel das cartolinas suspensas nas paredes da velha escola
hoje
sei...
sei que há uma ordem embrenhada na desordem
e as tuas vãs palavras vivem no caos da solidão.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 30 de Dezembro de 2013

domingo, 29 de dezembro de 2013

O espelho com lábios rosados

foto de: A&M ART and Photos

Não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do habitante caquéctico a que dizem ser meu tio, apenas um fino fio de ferrugem, abria-a, fechava-a, e na esperança que de pequeno fio se transformasse em grande novelo..., mas... nada, sempre pingos de ferrugem, e mais nada,
Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,
Vida alegre e de felicidade, acho-o eu, porque feliz feliz é aquele que não sabe o que diz, como eu, e voltando ao sabão, em falta dele temos sempre a fé para nos redimirmos, e claro, começamos a rezar, rezamos tanto que quando terminamos... tinham passado quase trinta e cinco dias, sem comer, sem beber, sem beijos, sem abraços... apenas rezávamos e de vez em quando...
Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,
Olhávamos a torre da velha Igreja e sentíamos o vento baloiçar nos corpos nossos caídos no soalho da solidão, dizias-me que
Amanhã tudo será melhor,
E hoje, que é o teu amanhã, não tudo melhor, mas... da torneira do lavatório apenas um pequeno fio de ferrugem e sabão, não sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a última noite, perguntei à ferrugem se sabia quando tínhamos água
Que
Não o sei, nada percebo disso e apenas respondo ao senhor seu tio, e eu respondia-lhe que
O senhor meu tio foi-se, esfumou-se... voou enquanto dormíamos... como dois lençóis embebidos em sémen e gemidos roucos dos cigarros acabados de fumar,
Que, ainda fumas?
Que
Não o sei, não o sei..., Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor... que
Não, deixei de fumar e pecar,
Não preciso de sabão, não preciso da água do lavatório nem dos lençóis embebidos em sémen e velhos gemidos, o senhor meu tio?
Foi-se,
Que..., que bicho mordeu ao seu namorado?
Saudades, apenas,
Ciumes?
Da
Da vida desgraçada, dizem alguns de vocês, ou...
Ou da noite em que tínhamos a certeza que nunca mais terminaria, perguntei à ferrugem, sentei-me na sanita e pasmei-me em perceber que dentro de nossa casa habitava uma comandita de trombudos deambulantes clandestinos pássaros que nos habituamos a apelidar de ferrugem e de ferrugem
O quê?
E de ferrugem nada tinham, sempre asseados, sempre penteados, sempre..., APRUMADOS,
Não tínhamos nada, parecíamos dois voyagers em busca dos caminhos perdidos, perguntava-lhe se ainda se recordava da tarde quando caiu sobre nós uma gaivota encharcada e com pequenos pedaços de
Ferrugem?
Lama, madeira da Índia e tílias falidas depois da tempestade lhes derrubar todo o telhado em zinco, a palhota a descoberto destruiu os poucos tarecos que sobraram do regresso a casa, e num caixote semelhante a uma pequena caixa de sapatos conseguíamos meter o que tínhamos de tão pouco o ser...
Algumas da cabras deixámos-las no pasto, lá ficaram, por lá ainda devem andar, quantos às vacas, essas, já devem ter morrido, passou tanto tempo meu querido filho
Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco,
A não ser que alguém nos empreste uma barra de sabão e um alguidar com água limpa, talvez a vizinha do quarto esquerdo
Essa não, essa não... tem a mania que é rica... todo cheia de coisas, não, essa não,
Então esperamos pelo regresso do barco que à quase quarenta e dois anos ficou de vir, e ainda não veio, e quem nos garante que ainda exista?
Ninguém, ninguém...
Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco, não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do,
Do VELHO?
Do minguante espelho com lábios rosados e seios de neblina, hoje sabemos que tudo foi uma mentira, mas ontem
Amanhã tudo melhor, meu filho, tudo melhor...
E não melhor, e não melhor, porque a ferrugem nunca cessou de crescer em nós, porque o lavatório ainda hoje chora as lágrimas negras das noites frias de Inverno, porque
Do VELHO?
Porque o VELHO... o VELHO era em aço laminado... a quente, a quente.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 29 de Dezembro de 2013

espuma verde

foto de: A&M ART and Photos

um pequeno silêncio de espuma verde envolvia o teu corpo
a nuvem do desejo acordava lentamente nos teus olhos
havia um pequeno holofote a que chamavam de solidão...
e permanentemente em suspenso... começava a desaparecer do céu tua mão
o medo vestia-se com a roupa tua da noite anterior
trazias na algibeira pequenos sons melódicos e papeis poéticos
que decidimos lançar na fogueira da lareira da insónia
abrimos a janela da noite
e a noite recebeu-nos como se fossemos dois pássaros moribundos
cansados de voar
o teu corpo mergulhava no meu
e um líquido esponjoso ressaltava contra os vidros tristes da madrugada
queria ser como tu
uma rosa sem destino
sem nome
apenas numa palavra...
apenas
e só
uma letra prisioneira no teu cabelo castanho...
tínhamos o luar e as estrelas convexas do céu da inocência
e as lágrimas da tarde junto ao rio
deixaram de correr no teu rosto de roseira brava
agarravas-me com os teus dentes de marfim
e sentia no meu peito as tuas garras de mpingo solitárias das ruas da cidade dos morcegos
e tão triste
o apego
o sossego
o desemprego...
e só
tão só
que suicidou-se ao primeiro segundo de acordar a luz triangular do sorriso...
desgovernado
embriagado...
apenas
e só...
ele... o coitado... um pequeno silêncio de espuma verde envolvido no teu corpo.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 29 de Dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

jacarés de mpingo

foto de: A&M ART and Photos

o que faço sem perceber que a teia de aranha do teu olhar é falsa
como são falsas todas as palavras que me escreveste,
esperei-te acreditando nos jacarés de mpingo com dentes em marfim,
acreditei,
chorei,
dormi solenemente no teu jardim...
e esperei,
esperei... esperei e quando acordei,
o que faço sem perceber,
que,
a teia
de
aranha...
do teu olhar,
é,
é falsa...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 28 de Dezembro de 2013

Janelas da solidão

foto de: A&M ART and Photos

São as tuas mãos frias e doces que alimentam o meu olhar
são as tuas mãos a lareira do desejo
o sincelo amigo nas manhãs nubladas
são elas a chuva prometida
que a tua pele doirada absorve
como caramelo derretido numa panela de pressão angustiada
as vãs noites resfriadas enquanto espero por elas...
… as tuas mãos que poisam no rosto do sem-abrigo
e aquecem o mendigo
são as tuas mãos frias...
e doces...
e singelas sesmarias que alimentam o meu olhar
São as tuas mãos frias
aquelas que o papel engole quando às palavras vem a tristeza
o barco recusa-se a navegar no teu corpo
e o mar
e a madrugada lívida dos pássaros marinheiros
voam sobre a cidade dos homens abandonados
e se não fossem as tuas mãos
aquelas... as tais... que dizem ser frias...
e se não fossem elas?
nós?
Imaginas a nossa vida...
vivermos sem saber o que são as tuas mãos frias
E doces que alimentam o meu olhar
o mundo seria quadrado
a lua talvez fosse filha de um triângulos isósceles
pobre como eu
tão pobre que nem se consegue ver no céu...
se não fossem as tuas doces e tristes mãos
o que seria da raiz quadrada e do cosseno de trinta grados?
e tu miúda
bela e tão bela
preocupada com um borbulha... coisa insignificante
porque são as tuas mãos
as tais... as doces e frias... as janelas da solidão.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 28 de Dezembro de 2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

os insectos da melancolia

foto de: A&M ART and Photos

perdi-a sem saber que a tinha
dentro da minha mão despedaçada
enrolada nos meus finos dedos de arame farpado
perdi-a sem o saber
dentro das minhas veias habitavam os insectos da melancolia
três horas antes de adormecer
três vezes ao dia
a insónia invade-me entranhando-se nos meus olhos desnorteados
vagabundos
apaixonados...
e eu sem o perceber entro nas tempestades com sorrisos de mar
perdi-a e nunca mais a conseguirei encontrar no jardim do esquecimento

subi escadas
sentei-me em inúmeras varandas...
desci escadas
corri calçadas
tropecei... e caí sobre as lágrimas
perdi-a sem saber que a tinha
dentro da minha mão despedaçada
e uma sombra de mimo jaz na almofada do sonho morto

perdi-a
sem o saber
perdi-a de mim quando escrevia
palavras sem rosto
palavras
sílabas de nada
tristes madrugadas
perdi-a sem saber que a tinha
dentro
fora
na dupla esquina
de luz... como a luz dos holofotes dilacerados.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2013

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ou... ou talvez... não

foto de: A&M ART and Photos

Vinte e uma horas e as ratazanas azuis deambulam no corredor da insónia
sou invadido por um sonho em tons de branco
e um tecido opaco ofusca-me o olhar
a cegueira entranha-se na minha mão
passo-a pelo teu rosto e verifico que não tens rosto...
… vinte e uma horas e tu não existes
e tu
tu pareces uma rosa desgovernada na paisagem sem moldura
uma tela em branco
uma janela...
janela sem caixilho... quando sinto o vento entrar e nada posso fazer
e nada me apetece fazer...

Deixo a caneta sobre a secretária
deixo um dos livros em pausa perto da mesa-de-cabeceira
desligo o interruptor da saudade
dos sonhos
e percebo que a lâmpada do desejo nunca mais se acenderá na minha vida...
anticongelante corre-me nas veias tristes e sonolentas
agrestes
precoces como os primeiros passos em sandálias de couro
os calções voavam sobre as mangueiras sem bandeira
e a apátrida criança nunca mais quis olhar o mar...
desistiu
desistiu dos sonhos com bonecos de peluche

Desistiu dos velhos pinheiros de Carvalhais
da eira
do espigueiro...
vinte e uma horas em Portugal Continental
e um miúdo perde-se na imensidão das ruas com os espelhos das velhas secretárias
com velhos papeis
em velhos edifícios atulhados em reumatismo e bicos de papagaio...
o tempo acabou
e os calões hoje são gaivotas com sandálias de couro
que brincam no Baleizão
ou...
ou... ou talvez... não.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de2013

Sem nome... desejar um

foto de: A&M ART and Photos

O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, a maré eleva-o, a maré come-o, e o navio da sede submerge nas rochas negras da noite, o que é desejar, se não querer e não o ter, suspenso, absorto, iluminado pela mão de quem o acaricia... e ouvem-se os gemidos sons da tempestade do silêncio,
O corpo transforma-se em fantasma, o corpo transcreve os invisíveis carris da solidão e desaparece entre os moinhos de vento espalhados pela montanha dos sonhos,
O medo,
A tristeza de um corpo deitado na penumbra descendo das árvores envenenadas pelo desejo, desejar um o corpo proibido, o corpo prisioneiro das mãos do moribundo cambaleante mendigo das trevas, hoje
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, o marinheiro engana-se no navio e quando acorda está fundeado em Cais do Sodré, um cavalo de areia corre junto ao rio, saltita de banco de jardim em banco de jardim, a chuva molha-te e do desejar-te não desejo, a sede esconde-se nas clandestinas janelas com cortinados de chita, e a mão de quem o acaricia... covardemente troca o teu corpo por meia dúzia de cigarros, enrolas-te no Inverno cobertor que cobre o teu cabelo, pareces uma cobra recheada com chocolate e torrões de açúcar, amanhã não o sei, mas hoje, hoje queria ser o dito fantasma vestido de chuva, todo molhado, húmido como o teu, e ao longe, ao longe sentirmos os apitos com doirados sons de fim de tarde,
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado,
(dizer que te amo sabendo que o medo transverso do esforço alimenta-se de mim, faz-me fraco, covardemente troco o teu corpo por meia dúzia de cigarros... e quando dou a ordem definitiva ao interruptor para acender o candeeiro da mesa-de-cabeceira... não estás... e diluíste-te com a chuva)
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado, os trapos, os farrapos de nós como livros molhados, sujos e imundos, o corpo em imagens tridimensionais... que esperam o meu regresso e curiosamente ainda não sei onde me encontro, preciso de descobrir o caminho para regressar, e se regressar... que seja de noite, que esteja a chover... e que o teu corpo permaneça sobre o divã do desejo
Desejo?
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso... desejar um corpo sem nome.


(ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esqueletos de silêncio

foto de: A&M ART and Photos

Um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito com palavras tontas, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje,
Ontem viajava até ao dilúvio sentido da esperança, tinha na algibeira vinte euros e pouco mais do que isso, tinha perdido a caneta de tinta permanente, tinha-me perdido na penumbra melancolia dos versos de AL Berto, e na mão direita um pedaço de lama enterrada até ao mais profundo dos ossos engasgados como vómitos cintilantes das pálpebras encobertas pelo murmurado ronco da nuvem de papel, choravas, o corpo ia aos poucos minguando até evaporar-se na adrenalina folha de papel que me cobria, pensei que estava morto, acreditei ser um imbecil esqueleto que esperava o ressonar da madrugada, o relógio iluminava-me e marcava três horas, e eu ouvia solenemente os rosnar dos ponteiros contra as roseiras,
Talvez adivinhasse que hoje um pequeno versos se escrevesse no pequeno charco de lama onde tinha escondido os meus sonhos, havia-os de todas as cores, tamanhos e feitios, mas um deles pertencia aos arbustos suicidados dos ventos de Belém, dormia e sentia no rosto os medos de uma Lisboa a entranhar-se-me como uma lâmina
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
Uma lâmina fina e escura de saudade descia dos cobertores do céu, um homem poisou a mão no meu rosto e beijou-me, eu sinceramente não me apetecia levantar da miudinha chuva, sentia-os e imaginava-me sentado numa esplanada de granito
Aquela onde me sentava a fumar junto ao Padrão dos Descobrimentos e inventava barcos em papel,
O granito era frio, o homem tinha nos lábios o bravio musgo do Presépio de porcelana e eu sentia-lhe a mão rodopiando sobre os meus olhos, queria acordar, não acordava, sonhava e não sonhava, lia e não lia..., deixei de escrever nos teus seios quando a tempestade entrou dentro de mim, o homem beijava-me como um louco e eu, eu como um louco também... escrevia no corpo dela, sentia-a percebendo que ela morreu há mais de vinte e cinco anos, o homem parou de beijar-me, a chuva abrandou... a mulher dos seios despidos... fugiu, também ela morta, também ela em esqueleto de vaidade numa qualquer montra da cidade,
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
O relógio silenciou-se, perdi-me no tempo, perdi-me no corpo dele, e pedi ao Outono que regressasse com as sonâmbulas palavras que um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje, que hoje... que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E lá fora um Oceano espera-me, tal como me espera a guilhotina das paixões não correspondidas, vadias até, sofrer, viver, sentir-lhe dos lábios o odor dos cigarros incinerados, e a poeira de ti sobre mim... e que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E... e acordei.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013