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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esqueletos de silêncio

foto de: A&M ART and Photos

Um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito com palavras tontas, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje,
Ontem viajava até ao dilúvio sentido da esperança, tinha na algibeira vinte euros e pouco mais do que isso, tinha perdido a caneta de tinta permanente, tinha-me perdido na penumbra melancolia dos versos de AL Berto, e na mão direita um pedaço de lama enterrada até ao mais profundo dos ossos engasgados como vómitos cintilantes das pálpebras encobertas pelo murmurado ronco da nuvem de papel, choravas, o corpo ia aos poucos minguando até evaporar-se na adrenalina folha de papel que me cobria, pensei que estava morto, acreditei ser um imbecil esqueleto que esperava o ressonar da madrugada, o relógio iluminava-me e marcava três horas, e eu ouvia solenemente os rosnar dos ponteiros contra as roseiras,
Talvez adivinhasse que hoje um pequeno versos se escrevesse no pequeno charco de lama onde tinha escondido os meus sonhos, havia-os de todas as cores, tamanhos e feitios, mas um deles pertencia aos arbustos suicidados dos ventos de Belém, dormia e sentia no rosto os medos de uma Lisboa a entranhar-se-me como uma lâmina
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
Uma lâmina fina e escura de saudade descia dos cobertores do céu, um homem poisou a mão no meu rosto e beijou-me, eu sinceramente não me apetecia levantar da miudinha chuva, sentia-os e imaginava-me sentado numa esplanada de granito
Aquela onde me sentava a fumar junto ao Padrão dos Descobrimentos e inventava barcos em papel,
O granito era frio, o homem tinha nos lábios o bravio musgo do Presépio de porcelana e eu sentia-lhe a mão rodopiando sobre os meus olhos, queria acordar, não acordava, sonhava e não sonhava, lia e não lia..., deixei de escrever nos teus seios quando a tempestade entrou dentro de mim, o homem beijava-me como um louco e eu, eu como um louco também... escrevia no corpo dela, sentia-a percebendo que ela morreu há mais de vinte e cinco anos, o homem parou de beijar-me, a chuva abrandou... a mulher dos seios despidos... fugiu, também ela morta, também ela em esqueleto de vaidade numa qualquer montra da cidade,
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
O relógio silenciou-se, perdi-me no tempo, perdi-me no corpo dele, e pedi ao Outono que regressasse com as sonâmbulas palavras que um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje, que hoje... que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E lá fora um Oceano espera-me, tal como me espera a guilhotina das paixões não correspondidas, vadias até, sofrer, viver, sentir-lhe dos lábios o odor dos cigarros incinerados, e a poeira de ti sobre mim... e que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E... e acordei.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013