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quarta-feira, 30 de abril de 2014

cigarros do nada


havia em ti pérolas de naftalina
eu pensava que o mar era só meu
e o egoísmo alimentava-me e fazia com que as minhas asas de amanhecer...
ardessem
como o cigarro que fumo e suspenso na janela com vista para os patamares do Douro
o rio entranhava-se em pedacinhos de dor
sofrimento
e algumas lágrimas invisíveis... poucas... voavam como gaivotas sem nome
descubro o amor numa solitária videira
a paixão numa triste pedra em granito... perdida na rua
à espera do silêncio na esquina sem transeuntes
e oiço as palmeiras com sombras de doirado anoitecer.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 30 de Abril de 2014

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Carta do Canadá


A correspondência pesadíssima balançava no meu braço esquerdo, de mão amachucada dentro da algibeira, procurava cigarros com sabor a saudade, o carteiro nem tinha começado o giro e já se encontrava cansado, sonolento, e o carteiro... eu mesmo, disfarçado de andaime ambulante e despropositadamente peguei num subscrito, apenas porque chamou-me a atenção a quantidade de selos e os desenhos dos mesmos, deslumbrantes como as planícies iluminadas das ruas embriagadas de uma cidade em construção,
Deve vir de longe, pensei,
E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,
Acariciado?
Isso, acariciado, isso, acariciei,
E repentinamente sou invadido por pequeníssimos sons metálicos, e


“Canadá, 09/04/2014
Meu querido,
Devido às circunstâncias que tu já conheces, fui obrigado a ausentar-me desse País e da tua vida, não sei se o fiz de livre vontade, não sei se o devia ter feito, mas..., e fi-lo acreditando que me libertava da tua voz, não o consegui e ela permanece entranhada no meu corpo esguio de árvore caduca, e não estou arrependido, não, não estou arrependido,”
Entre o silêncio sinto a dor que o meu cigarro provocava nos meus dedos e o cheiro a pele queimada, sentia-me tão embalsamado pelas palavras que me embrulhavam que acabei por esquecer-me que estava a fumar e que o diabo do cigarro tinha acabado de morrer, a morte, sempre a morte dos cigarros, essa sim, o medo que me atormenta, quando vejo e sinto a morte de um, seja um só ou vinte, ou trinta...,
E voltava a sentir no meu esqueleto as tais palavras que eu nunca duvidei que vinham do subscrito que poisava na minha mão,
“Ontem estive a reler as nossas cartas, tanto tempo passou entre as equações dos nossos corpos na ardósia de um velho divã e o sentido poético dos teus dedos, lembras-te quando lias para mim AL Berto?, lembras-te quando lias para mim Cesariny?, ontem percebi que as Acácias deixaram de sorrir quando entraste naquela ruela sem janelas, e tu, e tu nunca mais regressaste, e tu”
Possa... que não entendo nada disto!,
“E tu começaste a ter asas, a sair de casa manhã cedo, e às vezes, nem regressavas no final da tarde, e eu sentia que te perdia como o marinheiro sabe quando a sua embarcação está prestes a afundar-se... e pluf, novamente silêncio, e pluf, novamente Primavera,
E pluf, entravas casa adentro e com o teu sorriso de solidão dizias-me
Olá amor!,
E hoje enquanto relei-o as nossas cartas, algumas delas parecem os cigarros do carteiro aí da tua rua, cartas mortas, descoloridas, e os corações desenhos por mim..., não corações, desapareceram como desapareceu o cinzeiro de prata que levaste para vender e em troca
Pluf,
Mais um regresso adiado, e eu, eu acreditava sempre, sempre,”
Procuro outro cigarro, sinto frio e percebo que alguma coisa não está correcta, aquelas palavras e aqueles sons metálicos deixavam-me totalmente desnorteado, tremia, ressacava, e no entanto, e no entanto conhecia aquela voz que vinha da escuridão,
“Meu querido, espero que entendas a minha ausência, espero...”
Deixei de ouvir a voz e cada vez menos chegavam a mim os metálicos sons, até que
“Despeço-me com saudade,
Sempre,
Alberto”
Volto a colocar o subscrito na sacola e começo a caminhar para a primeira casa da rua, a Dona Joana esperava a carta da filha que tinha partido para Lisboa, ainda menina, ainda inocente,
E uma luz preenche as minhas pálpebras de verniz, os meus olhos pareciam cortinados negros sem vontade de correrem em direcção ao cais dos cigarros mortos, aos poucos, muito devagar... vou-os abrindo como quem abre pela primeira vez uma porta de entrada de uma casa descolorida e percebi, e percebi que tinha sonhado,
E percebi que não havia carteiro nenhum e percebi que nunca existiu subscrito nenhum, e tão pouco conheço alguém que viva no Canadá...
Corro para o banho e depois de alguns minutos a sacudir as palavras do subscrito..., percebi que nem da cama ainda tinha saído.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 9 de Março de 2014

domingo, 16 de março de 2014

Testemunhas de uma fogueira em evaporação

foto de: A&M ART and Photos

Não sei quem és, como te vestes e o que pronuncias, não sei se és um pássaro em decomposição, uma árvore solitária que habita os jardins da cidade adormecida, tão pouco se és a madrugada, o Domingo quase a terminar, a noite a nascer, não, não sei o que és e quem tu és,
Como posso eu sorrir às tuas lágrimas? Percebes-me agora? O Domingo em término, a noite quase noite, a crescer e a erguer-se na tua boca de cristal, e quase não oiço as tuas palavras de porcelana, e quase, a janela da paixão a encerrar-se eternamente, para sempre e só..., hoje tu, amanhã eu, depois as pedras e os canteiros, as flores, os pinheiros de uma infância entre o mar e a montanha, sinto-me prensado, sinto-me um muro argamassado pela tristeza,
Quem sou?
Não sei, nunca soube, talvez... talvez no Domingo que vem, talvez amanhã, talvez no descanso das roldanas, uma corda em direcção ao sexto andar, subo as escadas, sinto-me cansado, os cigarros, a idade, a saudade, novamente os cigarros,
Oiço-os como testemunhas de uma fogueira em evaporação,
Cigarros vadios, como-os vivos, oiço-te e não sei
Quem sou?
Sim, e tu, quem és, o que fazes aqui, aqui dentro de mim?
Uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras,
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?
O vento, sim o vento, pensas que eu sou o vento? Sim, penso, imagino-te sentado na esplanada vazia, apenas uma mesa e quatro cadeiras, conversas com duas ou três sombras, bebes uma bebida invisível, pegas num livro, voltas a poisa-lo sobre a mesa, depois vais à gabardina e puxas de um pequeno caderno, acendes o cigarro, desorientadamente...
Quem sou?
O cigarro acende-se a ele próprio, ganha vida como as tuas palavras, sofre e chora, e acredita na tristeza como acredita que tu, sim tu
O vento!
Sim eu, percebo que me imagines como o vento quando se alicerça na minha pele, sim como o vento, quando rodopia em redor dos meus seios, e tu, e tu
Eu?
Oiço a voz, oiço-os a arder na escuridão de um final de Domingo, amanhã, amanhã talvez..., amanhã talvez “uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras”, e eu, e... eu,
Só, eu e uma corda em direcção ao sexto andar...
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?

(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014

sábado, 8 de março de 2014

O marinheiro imaginário

foto de: A&M ART and Photos

Não pertencias aos ciprestes voltados para o rio,
trazias na algibeira um punhado de tabaco, algumas gotinhas de vodka... e eras marinheiro fundeado na paixão dos homens,
olhávamos a ponte submersa nos rochedos vermelhos,
e sabíamos que nunca mais haveria sol dentro de nós,
eu, eu era uma gaivota suspensa nos teus lábios... e voava em ti como uma louca espuma depois do adeus,

Desenhávamos relógios de luar nas pálpebras de Belém,
dávamos as mãos... e caminhávamos até deixarmos de ver as estrelas,
o silêncio transformava os cigarros em longos suspiros que só o desejo percebe,
e sabe,
e às vezes, poucas, éramos visitados pelo “chapelhudo” vestido de verde seara de trigo,

Não pertencias aos ciprestes e tínhamos inventado o alegre som melódico das palavras,
(acorda agora o “Planeta 3”)
os corpos murchos deambulavam nos cansados campestres telhados de colmo,
não pertencias nem nunca pertencerás às engasgadas folhas de papel pardo, sem poemas, nuas como nós,
e tínhamos uma noite imaginária dentro de uma Lisboa que escrevia nos nossos corpos o desassossego,
e eu, e eu gostava do teu olhar que transpirava vogais com sabor a amêndoa e a chocolate,

Vinha o dia e com ele, os círculos e os quadrados..., vinha o dia e tu não me pertencias,
vagueavas de esquina em esquina,
de cidade em cidade, e de porto em porto, de barco para barco,
e os cigarros fumavam-se sem que eu percebesse a tua ausência, e tu não estavas lá, como sempre, eras apenas uma sombra da noite com roupas de amanhecer, talvez fosses a madrugada, ou... o rio sem palavra,

E nada como dantes, Dead Combo, e uma esplanada vazia, hirta... sem coração,
Lisboa pertencia aos guindastes com dentes de marfim,
sentávamos-nos sobre a calçada descalça, e via-mos os beijos das estátuas de granito abraçados aos sofás de ardósia esperando o regresso da tarde, e vinha a tarde... e queríamos a noite, a noite só para nós...
e não, nunca, pertenceste ou pertencerás aos ciprestes voltados para o rio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 8 de Março de 2014

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A janela do Inferno


Não sabia a ninguém
não tinha palavras para gritar contra o muro da tristeza
tinha na boca uma sonâmbula ausência de esperança
não tinha cigarros
apetecia-me tanto fumar cigarros
e lá fora
sentia o burburinho das folhas molhadas
o cansaço das árvores que deixavam sobre o passeio empedrado... pequenos braços
em abraços
a janela tremia como se o frio nocturno de Trás-os-Montes acordasse nesta rua enlouquecida da cidade do Porto
eu tremia e todos tremíamos...
e irritava-me o caudal constante da corrida do metro em frente à janela do Inferno...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2013

(provavelmente este será o último poema/texto de 2013... ou não)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

labirinto

foto de: A&M ART and Photos

sinto-me perdido no labirinto da insónia
da janela em linguagem gestual
oiço os vampiros beijos das avenidas entristecidas
os candeeiros escondem-se numa cama de enfermaria
a palavra ténue que o néon absorve
está viva
e habita dentro das tuas veias envenenadas pela solidão dos dias
invento horas
desenho relógios na algália do sofrimento
sinto-me perdidamente perdido no labirinto da insónia
troco a saudade por meia dúzia de cobertores de lã
e sei que na rua vivem flores com sorrisos coloridos

uma sombra vestida de cetim...
acena-me
chama-me...
e come-me como se eu fosse um animal enferrujado do sobejado aço dos barcos fantasmas

o cais espera-me
e o marujo enlouquecido amarra-me aos esconderijos de pedra
sinto-me perdido
perdido procurando uma paragem
ou
a cinzenta madrugada para aportar
sento-me e beijo-me
e tu preferes os meus desastrados medos nocturnos
aos parafusos que brincam nas mesas infestadas de cigarros do bar neblina
o labirinto adensa-se como as estrelas de papel
o meu corpo flutua sobre uma lâmina de gelo
e sinto-me perdido neste labirinto negro e escuro das palavras constipadas


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2013

sábado, 30 de novembro de 2013

cigarros embalsamados

foto de: A&M ART and Photos

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão
havíamos construído o pêndulo do desejo
que ficou no centro do vulcão teu beijo
às derramadas sílabas que a paixão enfurece
emagrece a montanha branca das ribeiras desertas
abraças-me em longos ramos de cetim
que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho
salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados
e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados
uma gaivota poisa nos teus seios de cartão
e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas
salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros
uivam os lobos do teu orgasmo
entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...
a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho
a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho
tenho medo de ti
como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade
sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados
e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela
um doente mental diplomado
descendo e subindo
escadas corpos medos
e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

as oito esquinas do medo

foto de: A&M ART and Photos

deixarei de pertencer aos teus olhos
e vagamente... deixarei nas tuas nuvens de algodão o cigarro fantasma
deixarei de adormecer nos teus cabelos como o fazia antes das madrugadas serpenteadas
nas oito esquinas do medo
ouvirei perfeitamente as tuas mágoas...
terei o leve cuidado de acariciar os teus lábios
e
deixarei de voar nas tuas lágrimas de maré embriagada
e vagamente transformar-me-ei na cinza do teu imaginário cinzeiro
haverá uma janela engomada
com cortinados de fumo
e haverá... uma língua endiabrada pernoitando no meu angustiado peito

servirei de teu mordomo devidamente fardado
andarei pelos corredores da tua imaginação levitando sem tocar nos objectos de adorno
sentirás dentro de ti o meu vagabundo corpo
e nada conseguirás fazer para cessarem os teus sinceros gemidos
baterá o vento levemente nas ardósias dos tentáculos pinheiros de Carvalhais
ouviremos o sino engasgado nas sílabas das searas de milho
deitar-te-ás dentro do espigueiro...
e o teu ventre correrá em círculos na eira granítica do desassossego
amar-te-ei?
mesmo sabendo tu que sou um espantalho de aldeia
onde poisam os pássaros
e cagam os pássaros... sobre mim

sobre nós
deixarei os livros cansados das minhas mãos
dos meus olhos
às palavras... às palavras vou derramar-lhes o fogo do silêncio
embrulhado em pergaminhos sonos
e verei transversalmente o meu esqueleto no patamar da morte
ouvirei os teus casmurros beijos
como sentirei em mim os teus deleitados dedos
sujos
imundos...
transbordando sémen como caravelas esquecidas no Oceano dos vidros solitários...
e acabarei por pertencer aos ramos caducos do Outono


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O mar inventa-te e escreve-te como se tu fosses a mulher mais bela das marés de Outono

foto de: A&M ART and Photos

Do amor cansaço dizem-me as persianas do amanhecer, uma gaivota gira como um pião na mão de uma criança, do amor, dizem-me, da madrugada até ao desaparecer do sol que existem árvores com perfume de sonho, que vivem castelos de orvalho na ponta dos dedos da mão da criança que brinca com o pião, do amor, sinto-a mover-se como uma enxada mergulhada na crosta sincera do infinito luar, uma nuvem diz-me que todas as ruas da tua cidade extinguiram-se como pássaros em madeira estrangeira, há uma névoa de soalho esquecido no teu peito... e
Do amor,
O mar crescido nas planícies juntamente com a névoa de soalho
Na lareira?
O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos... construía vestidos em chita para um palhaço de areia, e a morte ficava à entrada da porta, não entrava, tinha medo do boneco em palha que funcionava como espantalho, o milho ficava a salvo das garras dos melros e restante família e das tempestades embriagadas das noites intermináveis,
Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...
Meto a mão e em vez de cigarros
Tu?
O mar inventa-te e escreve-te como se tu fosses a mulher mais bela das marés de Outono, o mar parece um espelho repartido por vários inquilinos, grita o presidente do condomínio
Quem é a favor da expulsão da inquilina do sexto esquerdo levante a mão,
Ninguém,
O presidente do condomínio triste como abelhas em dia de feriado,
E tu, tu meu menino que brincas com o pião na tua mão mão, és a favor ou és contra?
O miúdo...
Quero lá saber... nem de cá sou,
O mar não é meu, o mar é apenas um quinto das migalhas de ti que trago na algibeira, o amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...
Vestia o mar com insónias de chita, o pião sentia-o... como hei-de dizer... o pião esconde-se nas cordas e
O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...
(Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...
Meto a mão e em vez de cigarros)
Engraçadinha,
Que mais fará plopque...
O portátil pifou,
Engraçadinha,
Meto a mão e em vez de cigarros
Tu?
Adormecias nos meus braços...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 15 de Outubro de 2013

sábado, 28 de setembro de 2013

Quase noite em ti

foto de: A&M ART and Photos

Se cair a máscara que esconde os teus olhos de viro cinzento, perceberás que o tempo dança nos cortinados do cansaço, ouvem-se vozes vomitando palavras, algumas delas, são palavras em segunda mão, frágeis, vagueando nas pedras finas das calçadas em madeira estrangeira, e dos teus sonhos sonâmbulos, gritávamos pétalas de pólen abraçadas à confusão quando arde a lareira do medo, tínhamos a vontade, tínhamos o prazer de conquistar a saudade, e mesmo assim, fomos adormecendo, acomodámos-nos às prisões invisíveis da pretoriana escumalha que caía das mangueiras como pássaros comendo goiabada, havíamos de descobri a palavra
Medo?
E do medo acordavam as sandes de marmelada, o chouriço fumegava no cinzeiro entranhado em beatas e beijos de cinza voando e poisando sobre os móveis da sala de jantar, quase nunca o tínhamos, quase que pertencíamos às plantas em papel crepe que a vizinha do rés-do-chão construía durante a noite e nos vendia logo pela manhã à porta do prédio caquéctico da tia Adosinda,
Medo
Ela surda como uma porta,
O que foi, menino?
Nada, nada,
Medo de quê e de quem?
Medo
Ela surda como uma porta,
O que foi, menino?
Cinco coroas na minha mão, descia sorrateiramente as escadas graníticas e só abrandava quando encontrava a rua principal, a que me levava, acompanhava... até encontrar a velha escola que depois um parvalhão mandou destruir, e hoje
Banco de jardim, a madeira sorri, e mergulha nas nádegas das tempestades do cio encarnado, havia no recreio uma árvore onde me pendurava a imitar o Tarzan da televisão a preto-e-branco com formigas de vez em quando, ouvia os sons inconfundíveis da Chita e percebia que um dia, no futuro
Medo?
Medo de quê e de quem?
Medo
Ela surda como uma porta,
O que foi, menino?
Jane... Jane apareceria, retirava a máscara e dos seus olhos de vidro cinzento o tempo dançava nos cortinados do cansaço, ouviam-se vozes vomitando palavras, algumas delas, eram palavras em segunda mão, frágeis, vagueando nas pedras finas das calçadas em madeira estrangeira, e dos seus sonhos sonâmbulos, gritavam pétalas de pólen abraçadas à confusão quando ardia a lareira do medo, tínhamos a vontade, e
E o medo morre como uma pedra sem coração; cessam as canções dos teus lábios e brevemente acorda em nós a geada, e brevemente as flores aprendem o significado...
havíamos de descobri a palavra
Medo?
E o medo... o medo é um gajo muito “filho da puta” que não mete medo a ninguém... (E do medo acordavam as sandes de marmelada, o chouriço fumegava no cinzeiro entranhado em beatas e beijos de cinza voando e poisando sobre os móveis da sala de jantar, quase nunca o tínhamos, quase)
Quase noite em ti.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 28 de Setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

esquecer-me em ti de ti

foto de: A&M ART and Photos

um cigarro esquecido
na tua boca de serpente
envenenada pela solidão
em ti
um cigarro ardido
de ti
ausente
quando o coração
de uma árvore parte e voa em silêncios de espuma
um cigarro mordido
em teus lábios de ternura
em ti de ti... senti

em ti
e de ti

a claridade mente
a madrugada distante
como as águias dos esconderijos mergulhados em ténues mãos de areia
ardem como as palavras incandescentes
e as sereias
parvas
em pequenas sementes
do corpo embrulhado em tristes larvas...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Setembro de 2013

quarta-feira, 17 de abril de 2013

As sombras cinzas dos cigarros perdidos

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o medo para me afugentares
dos braços silêncio em espuma submersa nas manchas do prazer,
acreditava nas gaivotas com coração de prata
e lábios desconexos percorrendo searas adormecidas
e voando mais alto, perdiam-se, como os grãos de areia de fina estampa

nos corpos de madeira depois de derrubadas,
depois de assassinadas, todas as árvores e arvoredos
que a insónia imprime nos teus seios de pedra-pomes,
havíamos um dia de cruzarmos-nos numa rua sem saída
que o tempo deixou esquecida na cidade dos fantasmas vaidosos,

não acreditei,
não percebi que das sombras cinzas dos cigarros perdidos
pudesse sair o teu corpo húmido como uma manhã quando a neblina,
espessa, árida, cobre o rio com todas as gotinhas do suor tua pele,
quando a tua neblina penetra incessantemente as flores de um jardim enforcado,

um jardim sombreado, lapidado a lápis de cor,
eu ouvia
e,
eu ouvia e sentia nos teus doces lábios o cansaço dos dias
e das noites como um náufrago

há procura das rochas vermelhas,
roubava ao luar a sanidade mental de estar vivo,
e acreditar que amanhã,
depois de acordares,
deixavas de inventar o medo, e me abraçavas como as sílabas deitadas na página de um caderno...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A rua dos Caracóis

Não, tenho medo de perceber que a noite acontece, apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? - Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa, sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres, de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas, sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor, sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo – E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores – ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas, e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou – Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou – Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria, sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros, fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope, e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios... e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Barbies madrugadas com seios de prata

Não sei
nunca percebi as tuas palavras despidas
e nuas
não sei e não percebo as antigas línguas de fogo
que as tuas mãos aprisionam como o fazem todos os amores das noites inventadas,

Acordam os amantes e as lágrimas derramadas
barbies madrugadas com seios de prata
e olhos em penumbra escuridão aos lábios em marés de silêncio
não sei
como será a lua depois da morte,

Não sei
como será o amor depois do vidro coração
se partir e repartir em pedacinhos
que as alvoradas cintilações adormecem
e comem como se comem as torradas com fénix dilacerada,

E nada
nem a noite
nem a triste madrugada
nem uma janela desesperada
no asfixiar sémen das palavras por dizer,

Ela suicida-se nos peitos amargos dos amantes de luz
deita a cabeça
cerra hermeticamente os olhos de solidão
puxa por um cigarro esquecido sobre a mesa-de-cabeceira
e percebe que ele há nove meses que não fuma,

E não sabe
e eu também não sei
se é menino
menina
ou gémeos contratados como as estrelas de papel dos orgasmos nocturnos,

Que voam
voam como pássaros imundos
sujos
sem cigarros como eu
como eu há nove meses sem fumar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mas ele não é Ateu?

(21 de Dezembro de 2012, 02:35 horas)

Não sobrou nada para nós, dizias que ele era um oceano de luz entre quatro paredes de vidro, mas ela não queria acreditar, o fim do mundo?
existe o mundo? Perguntava a minha avó quando subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor,

tão grande o mundo,

e apenas uns miseres quilómetros quadrados, depois, o mar dentro das jangadas de xisto que deambulavam em circunferências concêntricas até desaparecerem no limite do pôr-do-sol quando o olhar da mulher que vivia no rés-do-chão direito, da rua da alegria, tendia para zero, confundia-se às vezes

mais ou menos infinito,

o fim do mundo espelhado no tecto da igreja abandonada pelas pessoas da aldeia, mentias-me quando chegavas a casa de dizias-me que vinhas da missa, eu, fingia acreditar e pensava

mas ele não é Ateu?

Não, sobrou nada para nós, ouvias-me fingindo que acreditavas em mim, perguntava-te

não acreditas em mim? Sorridentemente dizias-me Claro que sim meu querido amor, claro que sim, tão grande o mundo, as palavras, as azeitonas sobre a mesa da cozinha, completamente sós, abandonadas pelas mãos da minha avó, que subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor

tão grande o mundo,

tão azul, tão, como diria o meu grande amigo, tão clandestino como as asas dos plátanos, ninguém, entre noites e muros de vedação, ninguém acreditava

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Claro que é, mas para efeitos normativos, para enganar a mulher, enquanto ela o espera

será que o espera?

Ele faz o sacrifício de todas as noites ir à missa deita-se de barriga para o céu e começa a contar as estrelas, e quando as fotografias da amante começam a colarem-se-lhe no corpo esbranquiçado de incenso, parte, para longe, e chega a casa

desculpa amor, o sacerdote chegou atrasado, e ela não queria acreditar, o fim do mundo?

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Não é, foi, agora é de todas as crenças, talvez alguns dos outros deuses lhe valham, e o fim do mundo

não acabou, vês meu amor querido,

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me,

só agora, eles para mim,

e logo agora

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me, e logo agora que fiquei sem cigarros, e logo agora

só agora, eles para mim,

a mulher, a amante da mulher, o sacerdote, o sacristão, e eu

Não sobrou nada para nós.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O papel de tristeza com cores de insónia

Ao som inconstante das estrelas poisadas no céu inexistente e falso
em papel de tristeza
com cores de insónia

o som da tua voz

os teus livros e papeis e momentos junto à ribeira
o som da tua voz
escrita na sombra que alimenta as gargantas da neblina
com cores de insónia
a memória
da escrita sem palavras no desejo do teu corpo em delírio
demito-me de teu amante ausente
eu abaixo assinado juro solenemente pela minha honra acariciar o teu corpo de alface
com olhos de morango
e mamas de chocolate
o som da tua voz
em delírio

o teu corpo voa nos píncaros emagrecidos da loucura
ao desejo impugnado pelas mãos calejadas da lua

sirvo-me da sombra que serve para esconder Marroquinos
prostitutas vestidas de marinheiro
e capitães de areia
sem estandarte nem coragem de suicídio
e dou-me conta de o meu corpo são duzentos e seis ossos com óculos de sol
e ao peito
o crucifixo de infância que mais tarde deixei numa loja de penhores
para
para comprar heroína e papel de alumínio
para fumar quando passavam os barcos
regressados de ontem
com partida para amanhã

puxo de um cigarro
e sirvo-me da sombra que serve para esconder Marroquinos
prostitutas vestidas de marinheiro
e capitães de areia
para alimentar o meu vício de contar pássaros durante a noite.

terça-feira, 12 de junho de 2012

as facas de papel

caíram sobre o meu corpo de papel
as facas da mentira
morreram todos os cigarros
os sonhos
a esperança

caíram
os cigarros da mentira
sobre as facas de papel

os dias de inferno
a noites de insónia

morreram

e todas as flores do meu jardim.

domingo, 13 de maio de 2012

prescindir

Podia prescindir
de viver com livros e literatura
de escrever
ler
mas não fumar cigarros
é como fingir
semear orgasmos
no meio da rua

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O centro da noite

Às palavras
o pavor de acordar no centro da noite
puxar de um cigarro
e não existirem cigarros
puxar de um livro
e dentro do livro
nada
simplesmente folhas de papel
sem palavras
sem rostos
sem cigarros
e tudo morre dentro do sonho.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A morte dos cigarros


Conheci uma mulher que dançava em cima de uma mesa,
- Olho o cadáver do cigarro prisioneiro nos pergaminhos das acácias da tarde, aos poucos uma nuvem cinzenta em pequeníssimos voos desaparece na fotografia onde me escondo junto ao Tejo, e percebo
E percebo que a mulher que dançava sobre a mesa está apaixonada pela fotografia onde me escondo, e que em todas as palavras que escrevi existe uma palavra invisível que só a mulher da fotografia consegue ler, que só eu consigo ler, SOLIDÃO,
- SOLIDÃO com feijão, SOLIDÃO com pão, SOLIDÃO de cabidela porque Não?
Peço ao cadáver do meu último cigarro que tenha paciência com o meu desespero, e que não faça mal à fotografia onde me escondo e aparece a mulher que dançava sobre a mesa, lembro-me como se fosse hoje, lembro-me de ver os cigarros embalsamados no cemitério de um bar em Alcântara, lembro-me de olhar para as nuvens suspensas no tecto e o tecto em pedacinhos de lã desaparecia em direcção ao rio, lembro-me da mulher vestida de negro a dançar em cima de uma mesa envelhecida e que de tempos a tempos, que em cadências malignas, rangia em desejos de orgasmo com sabor a Vodka,
- Lembro-me da SOLIDÃO dentro de um copo com três pedras de gelo, e desde então, tudo parece dormir em cima da mesa de madeira, restos de saliva pertencentes aos lábios da mulher vestida de negro aparecem e desaparecem no céu, depois de apagar a luz do quarto sem acesso ao telhado, lembro-me de sonhar com o acesso ao telhado,
Eu, a SOLIDÃO e a Vodka, os três em cima do telhado e três pedras de gelo, e lá de cima pintávamos os passos da mulher vestida de negro a dançar sobre a mesa de madeira, eu escrevia nas nádegas do silêncio os sussurros da mulher vestida de negro, a SOLIDÃO acariciava as mamas da Vodka com três pedras de gelos junto ao púbis, e os cigarros morriam
- É hoje,
Deus queira que seja hoje.

(texto de ficção não revisto)