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segunda-feira, 8 de abril de 2013

A rua dos Caracóis

Não, tenho medo de perceber que a noite acontece, apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? - Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa, sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres, de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas, sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor, sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo – E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores – ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas, e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou – Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou – Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria, sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros, fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope, e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios... e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha