Não, tenho medo de perceber que a noite acontece,
apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das
madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que
estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? -
Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa,
sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a
escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres,
de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos
melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque
a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados
em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas,
sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato
da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor,
sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à
eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento
batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os
Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados
pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que
brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir
os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão
belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha
de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira
envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do
vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo –
E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de
milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da
rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou
traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores
– ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas,
e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis
laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na
traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou
– Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou –
Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco
as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao
palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho
espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros
submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e
assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria,
sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu
recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros,
fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope,
e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem
nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e
chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à
menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente
sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos
Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de
França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma
mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os
carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes
aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como
desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à
tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com
chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas
de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os
cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do
mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos
despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos
quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios...
e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado
destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma
fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair
o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien
de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no
teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao
infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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