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segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Os poemas das estrelas de papel

 Este longínquo silêncio a que chamam de mar e que poucos o olham enquanto este dorme dentro de um pequeno livro de poesia, o mar está revoltado (as palavras fluem e o poema cresce como crescem as algas dos teus cabelos), ouve-o e deita-te sobre ele, veneno da madrugada que aos poucos semeia nos teus lábios o beijo,

E nos lábios da maré habitam as primeiras nuvens da manhã, dos tristes barcos que brincam nos cadernos quadriculados da noite, e como sabes, nem todas as estrelas são em papel, e como sabes, nem todas as estrelas são estrelas,

E todos os beijos, são beijos?

Nem todos os beijos são beijos, nem todas as estrelas são em papel, mas o longínquo mar sabe que dos teus olhos saem todas as madrugadas as palavras que o poema ao longo do dia vai mastigando, depois a fome

Das palavras?

Do vento que transporta as palavras.

Um dia este mar há-de morrer. Deus queira que sim; oiço os apitos dos petroleiros que pé ante pé, um passo para a direita, outro, agora para a esquerda, masturbam-se na esplanada de um bar, o velho desenha shots de uísque na âncora tarde de Cais do Sodré, e sempre que chovia, uma puta de cigarro na mão suplicava por lume, que depois de cigarro aceso, em frente ao comboio para Belém, destroçava,

E sabíamos que o jantar era peixe no forno porque depois de sentados em volta da quadriculada mesa, nunca mais voltávamos a Belém, portanto, a última Ceia, peixe no forno com linguiça, batata assada, sumo de laranja e pão saloio,

Um cigarro de intervalo, da algibeira os tristes gemidos das ratazanas que sabíamos que habitavam dentro dos muros amarelos, mas que nunca tinham sido observadas, apenas sabíamos porque diziam que ouviram dizer…

Ontem, viste-as?

Às palavras?

Nas janelas as laranjas que sobejaram do desejo, e nas laranjas tínhamos sempre o maldito mar revoltado (as palavras fluem e o poema cresce como crescem as algas dos teus cabelos),

Viste-as?

Viste-os?

O perfume, tínhamos o perfume que um deles tinha palmado a um qualquer gajo na feiro do relógio,

Fotografia, amor?

Livro, moço, compre-me este livro…

Que raio, nunca tive sorte com as laranjas, e, no entanto, o perfume recordava-me uma sombra que deixei há muito tempo dentro de um pequena caixa de sapatos,

Ontem ou hoje?

Amanhã, amanhã o sol brilhará,

E a lua, meu amor?

Um barco que se afunda, um marinheiro que morre enquanto fuma o cachimbo e da corda suspensa no machimbombo, uma pequena lâmina de luz é lançada contra o pôr-do-sol, escrevem-me cartas

Pedaços de um livro.

Somos nuvens, somos sombras que cambaleiam na parada do inferno, o sol fazia com que o alcatrão se revoltasse contra nós e depois das chuvas, regressavam as laranjas que outrora tinham sido esquecidas numa qualquer janela de um qualquer sótão,

Suspenso nas frestas da paixão,

Um velho crucifixo que nos olhava.

Olhas-me porquê?

Enquanto o dia ainda não cresceu dentro de ti,

Somos,

E ontem tínhamos o vento que transporta as palavras; hoje só temos as fotografias das laranjas que alguém deixou ficar nas vidraças da noite,

No entanto,

O amor inventa nos teus olhos os poemas das estrelas de papel, e ontem tínhamos o vento, mas hoje, hoje temos este longínquo silêncio a que chamam de mar e que poucos o olham enquanto este dorme dentro de um pequeno livro de poesia…

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 28 de junho de 2017

A casa


A casa desocupada e infestada de bichos marinhos,

Os ninhos do meu quintal estão recheados de pergaminhos,

Palavras soltas,

Palavras mortas,

Vivas palavras rompendo a madrugada,

Sem nada,

O infeliz meu corpo deitado na casa desocupada,

Escrevo no chão,

Minha mão estremece a cada sílaba adormecida,

Vomito poesia sobre a janela envidraçada,

E imagino a louca Calçada…

Ajuda, não ajuda,

O eléctrico dorme na minha cama esganiçada,

O comboio para Cais do Sodré engasga-se em Alcântara Mar,

E o sonâmbulo adormecido descarrilha ao passar pela minha sombra,

Uma tragédia, meu amor,

A casa,

Desocupada e infestada,

De livros,

Quadros,

Esqueletos…

E restos de ossos,

Poeira,

Alvorada fora até ao nascer do Sol,

Bebedeira, o esqueleto cambaleia…

Saltita,

E volta a adormecer no meu peito,

Nada me resta,

Nada tenho para te oferecer, meu amor,

A não ser, a não ser… algumas velhas flores,

Pedres,

Envelhecidas como nós.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Junho de 2017

domingo, 29 de novembro de 2015

Desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade


Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

Sento-me e espero o regresso do teu olhar

Que vem do outro lado do Oceano

Trazes-me o sonho e a saudade dos musseques sombreados

Trazes-me a voz e o desejo

E eu sentado nas asas em papel que inventaste apenas para mim

Olho-as e vejo nelas a desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade

Uma criança entre baloiços e sobejantes sorrisos prateados

Espera-te junto a um portão imaginário

Entras

Ela abraça-te e afogas o cansaço do dia na minha face

 

Não tenhas medo do mar

Nem dos barcos invisíveis

Não tenhas medo das árvores

Nem dos pássaros amestrados que brincam nas mangueiras

Desenha na terra húmida os círculos os quadrados e os triângulos da alegria

Depois vais conhecer o amor

E a paixão de amar

E a solidão do amanhecer

Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

E pareço um marinheiro aportado em Cais do Sodré…

Vendendo insónia e coisas enigmáticas de chocolate.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 29 de Novembro de 2015

sábado, 31 de outubro de 2015

Tejo?

Tive um amigo que morreu de silêncio,
Paz à sua alma,
Tive um amigo que se cansou da melancolia dos dias, das noites, das noites sem noites depois das noites, vivia acorrentado a uma árvore, eu, acreditava na inocência dos seus lábios, encardidos pelo temporal, desgastos pela insignificante margem do rio onde brincavam gaivotas e marinheiros, e sucata de mim
Ontem fui a um bar em Cais do Sodré, sentei-me, viajei até mil novecentos e oitenta e sete, era dia, corríamos embriagados em direcção ao medo, havia conquilhas e cerveja à mistura, como sempre, este amigo, embriagado pelas minhas palavras,
Amo-te, dizia ele, quando percebia que a escuridão se entranhava nos meus ossos de veludo, que eu, semeado na seara do vento, tinha medo, sentia a solidão sobre o meu peito, havia noites de tortura, havia noites de desequilíbrio mental, a loucura, o Tejo no meu quintal,
E sucata de mim,
Que boiava nos teus cabelos, meu amor, e sucata de mim espalhada pelos sítios mais incógnitos da nossa casa, um palheiro, simples, e felizes, assim,
Acorrentado, tu, meu amor, nesta cidade de Cais sem destino, de barcos sem comandantes, ou cordas de nylon invisíveis, e mesmo assim, recordo-te, amar-te talvez, um dia, amanhã, depois de amanhã… ou ligo, talvez, talvez meu amor,
No meu quintal,
Uma sanduiche de sódio baloiçava nas minhas veias, sentia a morte, o fim, a despedida, não faz mal, meu amor, amanhã, talvez, no meu quintal, eu, em Cais do Sodré, abraçado a ti, sem ninguém, amanhã
Tive um amigo que morreu de silêncio, frequentava a minha poesia, uns dias aparecia outros…
Amanhã, não saberei se tu,
Outros… uma cancela de vidro,
Se tu me amas, se tu, se tu me recordas como recordas as tristes alvoradas em frente ao Tejo,
Outros, e mais outros, não sabiam que o amor é um cubo de chocolate, só, triste e só, como eu
Tejo?
Outros…
Amanhã, não saberei se tu,
Outros… uma cancela de vidro, um comboio em aço desgovernado subindo a Calçada da Ajuda, e
Ajuda nenhuma, sempre só, meu amor, sempre, sempre só nos teus braços, nos teus fantasmas, nas tuas coxas de silício mergulhadas na corrente eléctrica do sofrimento, Tejo?
Talvez, meu amor, talvez…
Tive um amigo.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 31 de Outubro de 2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Noite de bebedeira em Cais do Sodré


Dançavas-me entre sombras de prata

E nuvens de silêncio,

Snifávamos o sorriso do rio,

Fumávamos os barcos aportados num qualquer coração sem alma,

E éramos felizes,

Como são felizes todas as marés curvilíneas da saudade,

Como éramos felizes embrulhados no fumo do “Texas”… meia-noite em ti,

Uma da manhã em mim,

Bebíamos todas as palavras poisadas em cada mesa,

Amávamos todos os abutres da noite

Que deambulavam sobre nós,

Dançavas-me…

E nuvens de silêncio,

E beijos,

Líamos e inventávamos círculos de papel,

Escrevíamos em todos os corpos dos corpos sem corpos.,

E não sabia que existiam beijos de esperança

E cabelos de infância,

À nossa volta,

Gajas,

Gajos como nós,

Voando em direcção ao mar,

Desenhávamos o abraço numa qualquer lápide,

Uma fotografia tua…

Olhos verdes,

Olhos castanhos,

Olhos… olhos enfeitados de naftalina,

Dançavas-me,

E eu não sabia que o amor se escrevia na margem esquerda do teu peito,

Ouvia-o…

O teu coração de pedra,

Ouvia-as…

As tuas coxas suspensas na mão de um qualquer gajo,

Como nós,

Gajos como nós,

E gajas,

E gajas como tu…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó


Quarta-feira, 24 de Junho de 2015


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Das minhas tristes palavras…


O significado da paixão

De todas as noites


Encerrado entre cinco paredes

Um pavimento

E tecto

Aluga-se

Meu amor

Barato

Farto das palavras

E do sindicato

Todos os Domingos

Feriados…

E… Domingos

Lembro-me de ti

Meu amor

Da carroça de bois

Penhorada ao silêncio

Das ervas

E

Dos cheiros

A morte alimenta-me

Sinto-a perto de mim

Como sentia o cheiro a “puta”

Quando…

Lisboa

Cais do Sodré

Fome

Não fome

E literatura

Farto-me

De ti

De mim

E deles

O significado da paixão

Pintado na parede da solidão

As palavras reduzias ao pó da insónia

Cresce

A

Noite

Em ti

Meu amor

Das palavras

E palavras

Limitada

Angola à vista

Apenas no mapa da infância

Meu amor

As sílabas apaixonadas do teu corpo

No meu corpo

O inferno

A chuva

Outra vez…

A paixão

O ódio das tristes tardes no jardim

Outra vez o jardim

E o beijo

Outra vez a vida

E o desejo

Em ti

Das minhas tristes palavras…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 30 de Abril de 2015

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

As palavras de amar


Vão morrendo as palavras de amar
quando desperta no amanhecer
o quadrado silêncio mergulhado no círculo lunar,

Faço-me à vida,
caminho sonâmbulo sobre a fogueira dos meus poemas
até que eles se transformem em nada,
olho-me no espelho da agonia, sinto na garganta a tempestade da paixão,
carrego nos ombros o peso do meu próprio caixão,
em vidro, e com fotografia a preto e branco para o mar,
saboreio o teu corpo nas pálpebras verdes dos livros não lidos,
perco-me em ti... sem saber se amo, sem saber se estou vivo nesta campânula de lágrimas,
e o desassossego inventa-me como se eu fosse um papagaio de papel,
de muitas cores,
como muitas cartas de amor
no tempo destruídas pelas suicidas lâminas da geometria,

Tenho saudades de ti...
minha Lisboa, meu amado Tejo... meu amante Cais do Sodré,
percebia nas paredes húmidas da noite um corpo em translação,
uma puta que procurava um ombro de gesso,
um gajo embriagado que cuspia finos fios de fogo...
e terminava quando a cidade acordava,
eu amava, eu não amava...
eu sentia nas amoreiras flores o beijo de ninguém,
o pavimento paralelepípedo da tristeza começava a transpirar,
ouviam-se os gemidos delas, ouviam-se os gemidos deles...
e ao longe,
um apito encurralado entre carris de aço em direcção a Belém,

(Vão morrendo as palavras de amar
quando desperta no amanhecer
o quadrado silêncio mergulhado no círculo lunar),

Esquecia as mãos na algibeira,
iluminava-me na fragrância madrugada quando um banco de jardim corria para o rio,
misturava-se com um velho Cacilheiro, às vezes... tossindo, às vezes... às vezes coxeando...
como um mendigo prisioneiro de um vão de escada,
como um marinheiro em busca de sexo, drogas... e um par de asas...
nunca voei,
e havia noites que sobrevoava a minha amada Lisboa,
como um louco,
como um prego de aço no barbear da manhã...
disfarçava-me de ponte metálica...
e desenhava sorrisos nos vidros pintados de negro embalsamado,
até morrerem todas as palavras de amar...!


Francisco Luís Fontinha
Quarta-feira, 22 de Outubro de 2014

quarta-feira, 7 de maio de 2014

amor em trinta e três suaves prestações


despertavas como um relógio sonolento
de ponteiros afiados
cansado
despertavas em mim a claridade do dia ainda por nascer
crescias
e... e desaparecias entre as velhas folhas da árvore do sótão envergonhado
despertavas e brincavas sobre o meu peito de Oceano anónimo
dizias-me que eu era uma rua sem saída
da cidade com néons de meninas coloridas
sentia-me um náufrago procurando lençóis de linho
sentia-me um sem-abrigo correndo para a tua cama...
desaparecias e despertavas,

eu sonhava com barquinhos em papel
papagaios de pálpebras dilatadas
pensava que o Luar era o teu olhar prisioneiro na calçada dos esqueletos de vidro
e...
despertavas
e...
desaparecias
a cidade misturava-se no meu corpo
absorvia-me
e apenas alguns pedaços de mim sobejaram em Cais do Sodré...
e tinha no meu coração uma caneta de tinta permanente
pronta para escrever nos alicerces dos teus beijos,

eu voava
enquanto um dos meus cachimbos se masturbava nos meus lábios
e sentia o fumo a invadir-me
e sentia-me foragido
perdido na montanha do amor
amava
era amado
e agora não sou nada...
desaparecias
e despertavas
e eu esquecido na calçada dos esqueletos de vidro...
eu... um transatlântico sem apito na boca.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 7 de Maio de 2014

domingo, 27 de abril de 2014

cais do adormecer

no seu término o dia mistura-se com as sombras do prazer
o teu corpo mergulha sobre o meu peito flácido
quase a adormecer
lá fora há poemas por escrever
palavras vagabundas correndo junto ao Tejo
folheio as pequenas páginas dos teus seios
descubro o significado de “Amor”...
e sinto a paixão a entranhar-se nos meus ombros

há silêncios a descer a tua pele de doirado sémen
que acabam por morrer
semeiam-se nos límpidos lençóis de seda
como jangadas esquecidas em Cais do Sodré...
afinal... o sonho são as pequenas páginas dos teus seios
à janela do “Adeus”
simplesmente inventando soníferos de cartão
e livros a arder

há em ti um púbis construído de andorinhas
e flores de papel
e no seu término...
o dia... o dia cansado de viver
como se o teu corpo embrulhado nos meus braços de aço laminado
adormecesse vivesse amasse e morresse
e descubro o significado de “Amor”...
e de ser “amado”.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 27 de Abril de 2014



terça-feira, 25 de março de 2014

Aqui perdidas em ti


Aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
aqui abraço o cansaço dos teus lábios,
aqui adormeço, aqui... aqui habito como um sonâmbulo embriagado,
uns dias olho o luar, outros... outros apetece-me chorar,
aqui não há mar,
gaivotas,
cacilheiros travestidos de neblina,
aqui, eu, percorro as cinzas do teu olhar,
e sonho, e penso, e quero partir como partem as andorinhas depois do término da Primavera,
aqui me esqueço, aqui...
aqui fundeio o meu cadáver de pano,
e grito, Aqui... Aqui a vida é um engano,

Aqui me amanho como um rebanho de desejo,
escondo-me na montanha do adeus, e nada, e nada,
aqui tenho livros que não quero ler,
odeio as palavras, odeio o querer...
querer que não tendo vou ter,
o quê?

Que aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
os jardins sem flores,
as nuvens tão negras, tão negras... que é sempre noite,
sempre... sempre noite,
aqui não há Cais do Sodré,
machimbombos, mangueiras... papagaios em papel colorido,
aqui me enforco, aqui habito imaginando que tenho ossos, que tenho vida...
tecto com estrelas em chita, aqui... aqui nada me excita,
nem as palavras, nem as imagens das fotografias assassinadas,
aqui não há madrugada,
amanhecer,
aqui, aqui apenas existe dor, aqui, aqui apenas existe... engano.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Março de 2014

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ruas desnorteadas

foto de: A&M ART and Photos

A insignificante maré de desejo que a palavra deixa sobre o corpo envelhecido da morte
a espuma translúcida do abismo camuflado nas noites em delírio
o cigarro mal apagado
caminhando ruas pouco iluminadas
cadentes
velhas...
calçadas permitindo o sexo sobre os fantasmas das cortinas de fogo que saltitam do circo em miniatura
a insignificante maré que eu sinto na minha algibeira
fundeada em Cais do Sodré...
sem eira nem beira...
a terra não prometida
o deserto que te absorve e alimenta
e come em pedaços de açúcar misturados com azedos olhares
as árvores que sombreiam as tuas mãos de pérola emagrecida...
tão triste
e... e tão querida.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 6 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os barcos da minha infância

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me ausente como os barcos da minha infância
oiço os loucos apitos das orgias nocturnas dos pássaros anónimos em mim
finjo escrever no corpo da alma
acredito voar se saltar a varanda e passear sobre os telhados de Alfama
os bares em Cais do Sodré
o rio... o rio que me chama... e eu... e eu não vou
pronto
não quero
porque não me apetece olhar o mar
sinto-me transeunte como as formigas empanturradas em açúcar e compota de abóbora...
não quero conversar com ninguém
prefiro a ausência,

A minha santa ignorância... sou um Réu sentado em cima das rochas de espuma
sou um corpo deitado sobre outro corpo
mórbidos nós... até que a morte nos separe... penso em ti
e nunca sei quem és
como te devo apelidar...
se
ou
sinto-me ausente como as serpentes e os barcos da minha infância,

Além habitam os charcos lamacentos das bibliotecas em flor
aqui... nada que preste
aqui apenas a minha sombra espetada num farrapo junto a um espigueiro...
o telhado chora
e range
as ripas fazem amor com os pregos enferrujados...
gritam
uivam
e lá dentro
pedaços de nós em pequenas espigas de milho adormecidas no cansaço da morte
não sei... ainda não sei o teu nome
como te despes... como... qual é a tua relação com o espelho do desejo?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Sem nome... desejar um

foto de: A&M ART and Photos

O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, a maré eleva-o, a maré come-o, e o navio da sede submerge nas rochas negras da noite, o que é desejar, se não querer e não o ter, suspenso, absorto, iluminado pela mão de quem o acaricia... e ouvem-se os gemidos sons da tempestade do silêncio,
O corpo transforma-se em fantasma, o corpo transcreve os invisíveis carris da solidão e desaparece entre os moinhos de vento espalhados pela montanha dos sonhos,
O medo,
A tristeza de um corpo deitado na penumbra descendo das árvores envenenadas pelo desejo, desejar um o corpo proibido, o corpo prisioneiro das mãos do moribundo cambaleante mendigo das trevas, hoje
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, o marinheiro engana-se no navio e quando acorda está fundeado em Cais do Sodré, um cavalo de areia corre junto ao rio, saltita de banco de jardim em banco de jardim, a chuva molha-te e do desejar-te não desejo, a sede esconde-se nas clandestinas janelas com cortinados de chita, e a mão de quem o acaricia... covardemente troca o teu corpo por meia dúzia de cigarros, enrolas-te no Inverno cobertor que cobre o teu cabelo, pareces uma cobra recheada com chocolate e torrões de açúcar, amanhã não o sei, mas hoje, hoje queria ser o dito fantasma vestido de chuva, todo molhado, húmido como o teu, e ao longe, ao longe sentirmos os apitos com doirados sons de fim de tarde,
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado,
(dizer que te amo sabendo que o medo transverso do esforço alimenta-se de mim, faz-me fraco, covardemente troco o teu corpo por meia dúzia de cigarros... e quando dou a ordem definitiva ao interruptor para acender o candeeiro da mesa-de-cabeceira... não estás... e diluíste-te com a chuva)
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado, os trapos, os farrapos de nós como livros molhados, sujos e imundos, o corpo em imagens tridimensionais... que esperam o meu regresso e curiosamente ainda não sei onde me encontro, preciso de descobrir o caminho para regressar, e se regressar... que seja de noite, que esteja a chover... e que o teu corpo permaneça sobre o divã do desejo
Desejo?
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso... desejar um corpo sem nome.


(ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2013

domingo, 8 de dezembro de 2013

Posso oferecer-lhe flores, menina?

foto de: A&M ART and Photos

O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, alimenta-se de pigmentados corações de açúcar, dança descalço sobre as pedras quadriculadas do caderno de Matemática, inventa equações que para não esquecer o significado de cada uma, escreve-as na adensada areia branca da praia das gaivotas cinzentas, o menino não acredita que existem barcos com asas, o menino não acredita que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Ela dizia-me que quando eu fosse grande
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Cresci, fiz-me de homem
Fizeram-no homem com braços, com pernas, com... cabeça e olhos, tudo, tudo em granito, puro, do Transmontano, mas nunca contou que
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu?
O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, o menino de sorriso amarelo não gosta do Natal, das coisas supérfluas e inanimadas como as árvores rendadas do pijama dela,
Ela dizia-me que quando eu fosse grande um poema chamado saudade aparecia na minha sombreada constipação nocturna das flores ainda não oferecidas
Posso oferecer-lhe flores, menina?
O parvalhão do moço, dizem que sou eu, inventava palavras e escrevia-as sobre a pele incandescente da areia branca das praias do Mussulo, o menino de sorriso amarelo queixava-se que a travessia transatlântica era uma maneira fácil e cómoda de se esconder dos embondeiros com lábios de suor encarnado, havíamos de descobrir o amor e a paixão, o silêncio quando a noite rompes os cortinados vazios dos púbis em fúria, havia sempre um clitóris agoniado, sem sentido, às vezes
Envergonhado,
Outras
Outras..., não, não gosto do Natal, e o poeta é lindo enquanto escreve, e o homem de pedra é homem enquanto a pedra não se desfaz, esmigalha-se... e o pó entranha-se nos móveis do quarto com varanda para o Tejo,
Os apitos chegavam-nos de Cais do Sodré, elas vestidas de meninas gritavam...
Olá meninos, vamos a uma voltinha?
Inseríamos a moeda na ranhura... e voávamos sobre as oliveiras invisíveis que me acompanhavam desde o Douro ainda não Património da Humanidade, mas um Douro carrancudo, encurvado... como cobras de cabeça em prata que pernoitavam no vão de escada do sótão dos esquimós de aço, que inventávamos nos iglus que o prazer carnal transmitia aos alicerces de leite-creme depois das aventuradas passagens pelo carrossel do sexo vampiro, o sangue aparecia nos tornozelos da ardósia tarde, os cobertores
A menina dança?
Nem dançava nem tão pouco consentia que lhe apalpassem as mamas, como as plantas do canteiro da dona Augusta, acariciávamos-lhes as doces pétalas de chocolate, e depois
Envergonhado,
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu? eu... o poema chamado saudade...
Subíamos, descíamos, rodávamos em sentido contrário aos ponteiros do relógio do tio Serafim, e vinha-me à memória o círculo trigonométrico do tesão quando o cosseno de trinta e cinco graus adormece sobre as âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, choravam elas, tremiam, e
Não deixavam que lhe apalpássemos as mamas porque diziam
São estrelas com sabor a tristeza,
As flores, o carrossel e o vão de escada,
Cais do Sodré em sólidos apitos, e eu
O menino de sorriso amarelo não acreditava no Natal,
Depois
Acordei, fizeram-me de homem
E tal como o menino
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
É ela, quando acendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira e vejo lá poisado um par de óculos, um livro do Agualusa e o “Quinto Livro de Crónicas” de A. Lobo Antunes, e oiço-o em teias de aranha caminhando no corredor do
Carrossel
Inseríamos a moeda na ranhura...
E no corredor do sótão um jacaré de palha seca brincava com o menino que
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Um carrossel pintado de fresco,
Cuidado
“Pintado de Fresco”
O Natal... e as meninas não gostam que eu lhes ofereça flores...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

seara negra

foto de: A&M ART and Photos

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade
de pêndulo suspenso na alvorada
dá-lhe corda
fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...
há um leve apito de um novo marinheiro
o cachimbo geosmina como serpentinas voando sobre os candeeiros da saudade
o velho relojoeiro engata uma nova carvoeira
decidem os dois romperem os lençóis do desejo quando os segundos ficam suspensos nas ardósias tardes de literatura
há uma cama estonteante com tonturas e pequenos enjoos...
coisa de loucos

drogas dizem logo os transeuntes da rua dos abismos...
cansaço... sussurra o Psiquiatra Manel...

o homem do homem esconde-se nas ventosas térreas das searas negras
o velho relojoeiro dá a sua mão milagrosa à menina acabada de engatar
ouvem-se as sílabas castanhas borbulhando sobre uma prata de alumínio
chovem as lágrimas da menina engatada
se é a carvoeira ou a mendiga empregada da livraria... eu não o sei...
o homem chove
desculpem... os homens não chovem
choram
não choram
se fodem ou não fodem...
o silêncio sabe-o como sabe o cinzento eléctrico das noites que ejaculam migalhas de pão
sobre uma mesa... uma mesa sem vaidade

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

uma mesa vestida de eléctrico palmilhando medos
voando sobre a cidade das searas negras
parte de Cais do Sodré e adormece sobre a lápide encarnada do cemitério da Ajuda
não...
não AJUDA nada
pertenceres aos mosquitos de prata que brincam nos relógios de cacimbo
procurando a menina engatada pelo velho relojoeiro
carvoeiro... ejaculam
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

- que horas tens meu querido?

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...

… fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Barcos em flores acreditando nas gaivotas de porcelana

foto de: A&M ART and Photos

Éramos dois barcos dentro da mão da tempestade, vivíamos sonhando como sonhavam os nossos antepassados, tínhamos luas sem luar, ouvíamos as lágrimas da noite e dormíamos acreditando que a noite era mãe das amendoeiras em flor, tínhamos sidos enganos, só não éramos nada, tu e eu, como a noite nunca existiu, só não éramos nada, como tu e eu, como os sonhos são uma mentira inventada pelas nuvens de prata, só não éramos anda, tu e eu, como a noite, sim, essa mesmo, como a noite nunca foi a mãe das amendoeiras em flor, porque estas
Nunca existiram?
Existiram, e existem, mas... deixaram de habitar a nossa aldeia depois dos incêndios que fizeram de nós, num verão incandescente, como uma lareira enfeitada com papel florido e pequenos desenhos em acrílico sobre tela, quanto vale
Nada,
Não vendo desenhos, não vendo vidas habitadas em telas sem sentido, nuas, escuras, telas minhas que acreditava serem também tuas, telas dela que eu acreditava serem dele... e nada lhes pertencia, a manhã, o frio, as flores dos vasos que quando o vento era mais forte os fazia estilhaçar na calçada, da varanda em queda livre
Ajuda!,
E AJUDA nenhuma, apenas paralelepípedos de tristeza mergulhados nas línguas dos magalas com gravatas em tecido desbravado das costureiras envelhecidas, ela trôpegamente subia as escadas, abria a porta de entrada e logo de seguida um velho gato infestado de reumático lhe poisava não mão esquerda, enquanto com a mãos direita afagava os colarinhos de uma gaivota tresmalhada, envenenada pelas insónias vodkas dos bares em Cais do Sodré, e putas de perfume inocência vagueavam a rua saboreando sexos murchos dos candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de nascer, e cresciam, e cresciam
E AJUDA nada,
Descíamos pensando que subíamos,
Os braços da sombra Inglesa com rissóis de maré grelhada e molho de pôr-do-sol, éramos quatro barcos, éramos quatro vadios guindastes de marfim na boca de um crocodilo em pau-preto, e se a princípio éramos apenas dois barcos
Como quatro hoje?
Barcos em flores acreditando nas gaivotas de porcelana, como dois antes, os filhos dos filhos, e as putas de perfume inocência vagueavam a rua saboreando sexos murchos dos candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de nascer, e cresciam, e cresciam
Até
E cresciam...
Até morrerem.


P.S.


o habitáculo do desejo


dentro do habitáculo do desejo
a bailarina Caliente voa sobre as gaivotas em flor
uma moeda insere-se na ranhura do piano embriagado
ouvem-se sons dispersos nas coxas dele
ele geme
ela sente cada milímetro quadrado dos gemidos dele
o piano enlouquece
o piano derrama a fina pauta de sémen sobre a geada da alvorada
sinto a lareira do ciume nas planícies do abismo coração solitário
e dentro do habitáculo
ela
ela ri-se e dos lábios sobejam as finas pétalas do prazer...




Percebes agora a razão da existência dos quatro barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Éramos dois barcos dentro da mão da tempestade, vivíamos sonhando como sonhavam os nossos antepassados, tínhamos luas sem luar, ouvíamos as lágrimas da noite e dormíamos acreditando que a noite era mãe das amendoeiras em flor, tínhamos sidos enganos pelo habitáculo do desejo, e dos vidros embaciados, nasceram mais dois barcos, filhos dos dos dois primeiros barcos,
Percebes agora a razão da existência dos quatro barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Tudo
Não percebes?
Tudo tão negro quando os gemidos da saudade se entranham nas frestas dos complexos números do quadriculado caderno, e de vez em quando
Poemas,
E de vez em quando
Percebes agora a razão da existência dos quatro barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Como nunca percebi porque chamam Calçada à AJUDA... quando ninguém é ajudado e o rio engole os sexos murchos dos candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de nascer, e cresciam, e cresciam
E morriam.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 12 de Novembro de 2013
Barcos em flores acreditando nas gaivotas de porcelana

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

vivo inventando rosas

foto de: A&M ART and Photos

odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores
vivo inventando rosas
amores
e chuva miudinha sobre as íngremes rochas do mar da tristeza
sou um barco em fuga das conversas loucas que iluminam os teus lábios de papagaio em papel
e sobes entre o Céu nocturno do desejo
e desces às catacumbas do silêncio
há em ti uma palavra prometida numa tarde de Outono
e éramos crianças vestidas de negro
dançando sobre a mesa de um velho café
esquecendo as amarras Luas dos sótãos clandestinos como divãs de areia
na mala de couro adormecido que a tua mão saboreava

me levavas encarcerado até encontrares os beijos das garças quando rompem o cacimbo embriagado pelo capim dos poemas encalhados
distantes
doentes
húmidos
… teu corpo e teu vestido
sós simples abandonados... molhados como saliva de sémen na clarabóia da insónia
o texto reflecte-se no espelho da agonia
dorme
vomita
sangra das veias suicidadas as ardósias com sabor a chocolate
e baunilha

terminas a noite voando sobre a cidade dos anjos
entranhas-te em mim
és minha
como todos os livros que vivem na minha algibeira,,,
imagino-te sentada no Rossio
vendando folhas de cartolina com caracteres inanimados
mortos
imagino-te brincando em Cais do Sodré correndo sobre os carris da paixão
escrevem-me e esqueço-me que deixaste de pertencer aos meus sonhos
que deixaste de fabricar sorrisos nos fósforos das manhãs embaciadas
ruas infinitas à volta de uma fogueira de casas abandonadas
e... odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013