terça-feira, 27 de agosto de 2013

ténue nua luz

foto de: A&M ART and Photos

dois pontos de ténue nua luz
esperando pela abertura da triste janela
dois corpos vestidos de onda
caminhando nas tuas costas de porcelana
voando sobre a doce cama
onde se escondem os homens de palha com palavras inaudíveis
fracas
terríveis

dois pontos teus hoje na roda da fortuna
rodando como milagres indefinidos no altar das Marias adormecidas
vaiadas
cansadas
correndo ruas despidas
descendo e subindo calçadas
como tu
como eu

à sombra
dois pontos de ténue nua luz
comendo sílabas enlatadas
e bebendo
chá de ervas enraivecidas
sumarentas
na caverna da Dona Joaninha...
e uma ferradura pendurada à porta

e um velho letreiro recordando
barbas e cabelo
barbeiro
oficina de beleza
pintor de jóias roubadas...
barbeiro feiticeiro
barbeiro literário... poeta
dois... dois pontos de ténue nua luz


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 27 de Agosto de2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, éramos loucos e loucas, e tínhamos dentro de nós o jardim da saudade, tinhas-me inventado como inventaste tantos outros bonecos de palha, como tantas outras flores em papel crepe, coladas numa cepa envelhecida e envernizada, ofereci-te o meu primeiro ramo de flores, ainda em criança, e diziam-nos que os morcegos roubavam-nos os sonhos, que os morcegos roubavam-nos os suspensórios onde prendia-mos as poucas palavras que sabíamos pronunciar, e vagamente adormecíamos sobre a bandeja da empregada do bar,
Matilde... olhava-nos e tinha dó, pela nossa tristeza, pelo nosso desespero... pela nossa infinita solidão como os cordões brancos das malditas botas da tropa, que aos poucos se afundavam dentro do Tejo e os velhos Cacilheiros dormiam envenenados pelas Ratazanas de duas patas, de tão grande porte... que quando aparecia o vento, quase sempre estas ficavam em terra, pesadas, os pés recheados de pequenas bolhas, era Verão, era Verão e tinhas-me inventado depois de um pequena brincadeira de adolescentes, prometeste-me o Céu, e eu, eu nada te prometi, um grande sovina, sempre de algibeira vazia, sempre depenado, após uma noite de jogarmos ao montinho
Azar ao jogo, sorte...
Maldita,
Tinhas-me inventado numa noite de tempestade, jogávamos ao montinho, bebíamos Moscatel de Alijó, estávamos em mil novecentos e oitenta e oito, Julho, quase, quase a despedirmos-nos das Ratazanas, desta vez, as de quatro patas, era noite, e tu dançavas sobre um lençol branco suspenso numa parede triste, desprovida de qualquer cor, chamávamos-lhe a parede dos sonhos, nas traseiras do triste lençol ardia um prato com chouriço embebido em aguardente, o cheiro intenso espalhava-se pela janela e poisava nas sombras adormecidas da vida, havia uma ruela estreita, onde a empregada da esplanada, a querida Matilde aparecia em altos voos, descia, tão vagarosamente... que quando chegava até nós...
Olha... adormeceram,
Cansados,
Embriagados do intenso cheiro das Ratazanas,
E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais, um parvalhão questionava-me
Ouve lá pá, onde fica Carvalhais?
Timidamente... perto de Viseu,
(puta que te pariu)
Claro que Carvalhais pertence a S. Pedro do Sul, claro que Alijó é Alijó e tinha de me explicar mil vezes que Alijó
Fica em Vila Real,
Trás-os-Montes?
Sim, (cabrão), sim, sim em Trás-os-Montes,
Sacana,
Eu, eu sacana?
Sim, sim você seu grande cabrão...
Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, comíamos comboios ao pequeno-almoço e espingardas ao almoço, éramos todos tímidos, e todos fumávamos charros nas vagas horas, depois
Tombavam na formatura como toupeiras,
Matilde aparecia, abraçava-me, dilacerava-se nos meus cabelos inexistentes, dava-me um beijo, e desaparecia como tinha aparecido, sempre pelo buraco da chaminé,
E chorei,
Quando tudo ardeu semanas depois de eu regressar, arderam as minhas memórias, arderam os meus passos pesadíssimos com cordões brancos, arderam as livrarias onde comprava os meus livros, e ardeu também a querida Matilde, depois ainda a vi em sonho, vestida de cinza passeando em frente ao Tejo e em pequenas despedidas,
E adeus querido Chiado, e adeus, adeus minha querida Matilde...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

Blogue Cachimbo de Água – Em destaque no Sapo Angola

casa imaginária

foto de: A&M ART and Photos

encerraram-se as torneiras da saudade
como se evaporaram os cortinados do desejo
num ápice
entre nuvens e corações de pétalas encarnadas
fiquei sem o jardim da felicidade
e apenas um banco onde me sento
e observo a triste paisagem
nua
escura
sombria
como um calendário esquecido no tabique adormecido
da casa imaginária onde apareceste pela primeira vez


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

domingo, 25 de agosto de 2013

não te pertenço

foto de: A&M ART and Photos

hoje és um mendigo igual a mim
uma pérfida folha de papel não correspondida
hoje és um cadáver envergonhado deitado na minha sombra
uma triste e cansada sombra debaixo dos lábios do púbis incenso
hoje és um sexo amargurado
triste como as sílabas empapadas dos livros de nada dizer
como as noites a arder
dentro de ti o comestível prazer

hoje finges que não te pertenço
que sou um muro em xisto
balançando sobre a encosta
atiro-me e encontro o rio
hoje és um mendigo igual a mim
fugindo da claridade
e dos beijos zangados em cinzentos fios de sémen...
e dizes-me que sou um palhaço

um voador corpo com asas em papel
hoje desperdicei os abraços sobre a lua em fúria
que deus deixou na mão da madrugada
hoje não sou nada
como ontem
como amanhã
hoje és...
apenas uma defeituosa maré de linho com coloridos olhos em verniz...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013

Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios

foto de: A&M ART and Photos

Porquê?
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Marinheiros famintos, procuravam qualquer objecto que servisse para derrubar a frágil porta, escondemos-nos junto ao corredor que dava acesso à casa de banho, o peitoril fumegava, alguém já nos tinha lançado algo de combustível, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Fiquei não sei quantas noites pensando que nunca mais terminaria a sangrenta guerra de palavras da cidade dos desejos, multipliquei abraços, dividi beijos, e hoje
Porquê?
Hoje pareço um íngreme cavalo de areia correndo sobre o mar,
E com toda a minha força apertei-o como quem aperta o único filho, e pela madrugada, não sei qual delas, ele partiu, consegui desembaraçar-se dos meus abraços, e
Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios,
Nunca mais
Porquê?
O silêncio pergaminho das suas mãos no meu rosto,
Nunca mais a voz desajeitada dele no espelho da casa de banho, irritava-me
Vens jantar logo, meu querido?
Irritava-me
Três torradas chegam, meu querido?
Assim não, assim sentia dentro de mim uma escada rolante em direcção ao poço profundo da tristeza, irritava-me
Querido
Sim, diz?
Querido, logo chegas cedo a casa?
E apetecia-me gritar, não regressar, nunca, irritava-me
Sim, diz?
Que coisa... a tua...
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Eles cá fora pareciam um exército de mendigos, procuram-nos como quem procura o vento antes de levantar âncora, o veleiro poisava-se sobre um banco de areia, rodopiava em pequenos círculos... e dali não zarpava nunca,
Porquê?
Os marinheiros famintos, o azedume dos versos que o poeta louco tinha deixado sobre a mesa-de-cabeceira no quarto da amante voavam porque o vento que antes se fazia sentir no corredor começou aos poucos a avançar em direcção ao quarto, a amante tinha desaparecido, ele e o amante, também desaparecidos, apenas os famintos marinheiros enrolados em poemas de “merda” que o louco poeta ante de suicidar-se tinha esquecido, tal como a janela aberta
Porquê? Esta chuva de papeis com pequenas palavras...
Os marinheiros
Porquê?
O poeta louco
Onde está ele?
A amante do poeta louco
Irritava-se com as palavras do seu amado, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Porque hoje é Domingo, porque hoje há quitetas e cerveja Cuca...
Porquê?
Porque uivam os navios quando estão em sossego?


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013

(e o negro que alimenta a noite de ti)

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me prometido o sono
o sossego
e o negro
que alimenta a noite de ti,

tinhas-me prometido o silêncio
e as pequenas árvores do bosque
perto
antes do amanhecer acordar e levar-te,

Tinhas-me a mim
e trocaste-me por um velho espelho recheado de ranhuras...
tinhas-me prometido o desejo
e apenas cacos e pedaços de beijos sobejaram sobre a mesa da sala,

tinhas-me e nada de ti era a verdade
nunca tivemos manhã
nunca existiu em nós alegres madrugadas...
tinhas-me e deixaste-me fugir pela fechadura do medo,

tinhas-me prometido o prometido
as palavras que escrevo
que tenho medo de escrever e
as palavras vorazes como um rio em ti perdido,

tinhas
tinhas-me prometido o sono
o sossego
o desejo,

(e o negro
que alimenta a noite de ti)

tinhas-me prometido o fogo
e todas as lareiras de todas as bibliotecas das casas abandonadas
tinhas-me
e deixaste-me suspenso no tecto da insónia...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013

sábado, 24 de agosto de 2013

A sanzala incha como pequenos frascos em vidro

foto de: A&M ART and Photos

Sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
O musseque engorda,
A sanzala incha como pequenos frascos em vidro quando miúdo colocávamos grilos e outros bichos, nãos os que matam as cadeiras da vida, estes, estes apenas nos roubam os sonhos, roubavam, porque hoje, nem bichos, nem sonhos, nem... nem o teu corpo castanho,
Tomba,
Entre os charcos acabados de preencher como o impresso de candidatura com o respectivo currículo, depois de entregue
Lixo,
Depois de entregue
Nem para limpar o cu serve,
“Brancooo é papel e só serve para limpar o cu”, gritavam elas,
E a sanzala inchava, crescia, multiplicava-se,
Lixo,
Sem muros, como vértices de areia engolidos por sexos baratos, regressava da feira da Ladra apenas com as cuecas e pouco mais, a vida de difícil passou a horrível,
E a diferença
Está no número, de autocarro é um, de eléctrico... talvez seja outro, mas todos vão dar ao mesmo, e todos me levavam de regresso, entrava em casa, subia as escadas tão devagar que nem as ratazanas davam pela minha presença, mas ela
Isto são horas de chegares?
E eu perguntava-me se existem horas certas para regressar a casa, mesmo apenas em cuecas, se existem horas certas para as refeições...
Horas, tem horas?
Não, não as tenho, sou alérgico,
Mas ela entre perguntas e respostas, entre o vai e o vou, fui e nunca mais voltei à sanzala, cansei-me das viagens nocturnas pelas avenidas transatlânticas com bancos em madeira e pássaros de pedaços papel, fartei-me da cubata apenas só com uma porta de entrada, e juro
Detesto,
Juro que me irrita entrar e sair sempre pelo mesmo sítio, parece de loucos, e de loucos, juro, preferia entrar pela porta e sair pela janela, mas a cabra da cubata nem janelas tem, nem cortinados tem, nem tecto onde suspender um par de calças
Tem?
Não, não tem não,
E entro em casa de cuecas na mãos, ela
De onde vens tu'
Venho da lua, venho do mar, venho de onde não te interessa,
Adeus,
Era Domingo, acordei cedo, sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
E O musseque engorda...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Agosto de 2013

do medo em furações de areia

foto de: A&M ART and Photos

tenho medo dos furações de areia
que fingem e mentem
como corações de manteiga

tenho medo da chuva
e do vento com sorriso de gente
como a cidade semeada no deserto
tenho medo dos teus olhos
quando desce a noite sobre os teus finos braços de árvore cansada
maltratada
doce
magoada
tenho medo dos silêncios que a madrugada esconde
que os teus lábios comem...
e que a tua garganta em palavras de incenso
grita...

choras
e as convulsões da tua pele
sobre o mar
como barcos
como homens empobrecidos
mortos
sentenciados por um criminoso diplomado
coitado

(do medo
do medo em furações de areia)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Agosto de 2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Você voa, amooor?

foto de: A&M ART and Photos

Você voa?
Sim, eu voo, mesmo? Sim, mesmo...
A mulher dos longos cabelos foi impressa no espelho do meu desprezável quarto, com apenas uma velha cama e um ignorante guarda-fato, o dito que abraça o tal espelho, mais as teias de aranha e os mosquitos que durante a noite
Voam,
Sim amor, eu voo,
Você voa, amooor? Claro... quando bebo e coloco as asas de borboletas que utilizava na escola para me lançar da árvore do recreio... voava, voava, até que chegava ao mar, aí
Você voa, amooor? Claro, filha, eu voo, e aí...
Você me mata do coração, meuuu amooor!
E aí eu alcançava o mar, descerrava os olhinhos, e tu, você voa, amooor? E tu sentada sobre a onda castanha junto à rocha, coisa pouca, cerca de quinhentos metros da praia, eu poisava sobre você e lhe dizia baixinho
Sim, amooor, eu voo,
Lá em casa, nas vagas horas, praticávamos voo livre entre as teias de aranha e os caquécticos móveis do nosso quarto, você foi impressa ainda no tempo em que as noites tinham sorriso verde, ainda no tempo em que das noites vinham até nós as imagens a preto-e-branco e você no espelho
Você me ama, amooor?
Sei lá, não o sei, nunca percebi nada de impressoras, e este tipo a jacto de tinta... pior, nasci e habituei-me com impressoras de agulhas, não eram silenciosas, mas conseguiam imprimir-te tão facilmente no espelho do quarto que os teus seios conseguiam ser mais perfeitos de que os originais, e de conversa em conversa, deixávamos de perceber quem era quem, e quem era o verdadeiro...
Você me ama, amooor?
Porra... que você é chata, porra... que você me mata do coração, meuuu amooor!
… e quem era o verdadeiro das inúmeras imagens deitadas sobre o estirador, noites inteiras com a caneta de tinta na mão a inventar riscos sobre o papel vegetal, e você
Me ama, me dia, você me ama, amooor?
Porra... e mais um borrão, tudo de novo, lâmina de barbear, raspar, pegar no lápis borracha... e continuar com os risco até de manhã,
Depois,
Depois entranhava-se-me o sono, olhava-a e via-a impressa no espelho, bela, linda, de cabelo solto acabado de sair da água salgada, mulher do castelo com portas de aço, e ela
Você...
Não, por favor, hoje não,
E não mais, voei, poisei sobre a rocha, e não mais
Você me ama, amooor?
E não mais, e não... mas, do espelho a impressora de vinte e quatro agulhas não se cansava de imprimir os seios de chocolate da mulher do castelo com portas em aço, e sem janelas, e sem escadas, e alimentava-me dos sons desconexos da velhinha impressora, tão bela, ela, dentro do espelho, sempre em sorrisos de espuma, sempre
Você...
Por favor, não mais
Você me ama, amooor?
Não
E não mais, porque hoje és impressa e só dou conta quando tu
Você me ama, amooor?
E tu
Não, não mais, e tu
Você?
Voa?


(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013

solidão nocturna

foto de: A&M ART and Photos

canso-me das palavras que não posso gritar
aquelas palavras que ficam guardadas
aprisionadas dentro do espelho que alimenta o teu olhar
canso-me dos livros que leio e li
e daqueles que dormem sobre mim invisivelmente
sós...
e é tão triste ser um livro
que ninguém acaricia
e lê e só...
deitado sobre a prateleira número quatro
ao lado da solidão nocturna
das personagens envenenadas que se suicidam depois de terminar a estória...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013
Participação de Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A cidade literária

foto de: A&M ART and Photos

O estranho... é a roulote estar sempre só, ausente, vazia, o estranho é a simples placa imaginária sobre a porta de entrada
Núria,
Numa letra muito artesanal, quase em gatafunhos, percebe-se que o autor(a) é de pouca instrução, alguém, alguém que provavelmente aprendeu a escrever a palavra
Nuria, só, sem assento,
Uma roulote simples, como a que eu sempre sonhei, desde criança, também simples, de terra em terra, eu simples e só, percorrendo campos não governados, desbravando montanhas íngremes, construindo caminhos, veias, artérias, até chegar ao coração
E Núria
Sobre a porta de entrada de uma pobre roulote,
E depois do coração... o espirrar... até atingir o tecto nocturno do Céu, e uma substância mucosa descendo, muito devagar, as entranhas das costas que sobejaram de ti, depois de teres partido... e apenas a placa ficou à espera pelo teu regresso
Nuria,
Não regressaste, não foste mais observada pelos morcegos da noite... e dizem que hoje já não te chamas Núria,
Nuria?
Não, não eu,
E nunca o fui...
E nunca o foste...
Pergunto-me hoje, quem serias tu, se não eras a Núria...
Juro, juro que nunca fui Nuria,
E jurado está jurado, e como a noite depois de acordar fica... fica assim num estado de sonambulismo, assim num estado de embriaguez..., e tu, tu Núria
Não, não Nuria, não eu,
Tínhamos um burrinho que baptizamos de foguetão, vivia junto à roulote, era assim como devo eu explicar...
O guardião da roulote?
Isso, isso mesmo, faltava-me essa palavra, às vezes tenho necessidade de comer palavras, às vezes tenho a triste necessidade de comer livros, papeis... coisas, e às vezes
Nuria? Não, eu não Nuria,
E às vezes ouvíamos-o durante a noite em conversas desconexas com quem passava, o foguetão percebia de tudo um pouco, sabia que a noite construía sótãos despovoados sobre a cidade argamassa depois de todas as cinzas
Voarem?
Núria, és tu?
Não, não eu, não Nuria eu,
E elas iam-se acumulando num qualquer vão de escada, baixavam as calças, e a literatura parecia línguas de fogo na boca da inocente Núria,
Não
Eu
Não Nuria, eu, não...
E quando lhe perguntavam o que fazia uma velha sanita no patamar da escada que dava acesso ao quarto esquerdo, ele, timidamente... respondia
Núria,
Eu não Nuria, não eu,
E a roulote encostada ao velhíssimo plátano espera, desespera, acorda, adormece, e tal como a noite, e tal como as estrelas do teu cabelo, e tal
Núria, és tu?
Não, não Nuria,
E tal como a vida, as cinzas da cidade poeirenta em pequenos cubos literários, em pequenos movimentos do foguetão, que assanhava com a cabeça quando alguém por ele passava e não o cumprimentava,
E o comprimento da dita roulote não mais do que três metros e cinquenta centímetros,
Cumprimentos, e Núria,
Não
Não eu Nuria,
Núria apenas sabia que o comprimento, todas as manhãs, se sentava ao lado do foguetão, e conversavam, e conversavam... até que um dia a cidade literária deixou de respirar, e Núria
Não, eu não Nuria,
E Núria ficou eternamente nos meus abraços.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Agosto de 2013

Amanhecer olhar

foto de: A&M ART and Photos

O negro silêncio que o teu sorriso ilumina
as pedras em cubos
como chocolate adormecido nos lábios de uma menina
uma porta encerra-se e a rua vai ficar deserta
a janela aberta
porque o velho mendigo
vai seguro e está vivo
e a rua... morta de sono... e a rua... consumida pelo fogo da vaidade,

O negro acorda
sabendo ele que os rios são de brincar
que os barcos são filhos dos rios
e as madrugadas
amantes dos homens apaixonados
que trazem com eles o mar
e as nuvens
a as cores do teu amanhecer olhar.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Agosto de 2013

Em destaque no Sapo Angola - Blogue Cachimbo de Água.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

traço descontínuo

foto de: A&M ART and Photos

há um traço descontínuo que nos separa
nuvens que encobrem o teu olhar
abraços dispersos pela madrugada
há um traço descontínuo
um ruído ensurdecedor que acorda com o amanhecer
há um poster de uma mulher nua na paredes da tua insónia
descontínuos
as pernas e a sombra dos triciclos em madeira...
há uma casa dentro de uma estrada
rodeada por um fino traço descontínuo
há chuva
há crianças correndo e saltando as sebes do invisível
há uma menino especial
com dentes em marfim
há uma menino que dizem ser filho do sol
e do cacimbo...
há um traço de ti que é descontínuo...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

FRANCISCO LUÍS FONTINHA (Participa no II Volume de PALAVRAS DE CRISTAL)

ALIJÓ

Nasceu em Angola, Luanda, a 23 de Janeiro de 1966. Em 1971 vem para Portugal com os pais e fixam-se em Alijó, Vila Real, onde faz os estudos, primários, secundários, e mais tarde, já como desenhador, frequenta o curso de Engenharia Mecânica, em Bragança, que por dificuldades económicas, não concluiu.
Apaixonado por livros, gosta de ler, escrever, desenhar, e colecciona cachimbos. Escreve regularmente no seu blogue Cachimbo de Água (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/). Tem um texto de ficção escolhido pelo escritor José Luís Peixoto, publicado na rubrica Conte Connosco 2 – pág. 72/73, livro apenas digital. Ultimamente tem um poema publicado na pág. 465/466 na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Editora, participou nas colectânea de poesia “Palavras de cristal I” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte II”.

A morte do teu cabelo

foto de: A&M ART and Photos

O meu cabelo absorve a cidade, vive debaixo dele a manhã dilacerante, há um perfume desconhecido que vai subindo até aos meus cabelos, encosto a cabeça ao espelho da manhã, trinco os lábios e sinto as madeixas das árvores engomadas por um velho ferro de engomar, não me sinto bem, estou estonteante, estou... em desequilíbrio, e oiço as finas gotas que o horário suspenso na parede da sala de jantar, essas... em pequenas lágrimas pergaminho, como húmus derretido sobre a terra árida das velhas mãos que serviram para alimentar o calendário nocturno
O meu cabelo morre,
E a tua boca silencia-se como se vivêssemos em permanente ditadura, como se vivêssemos... sem sairmos de casa, à varanda do silêncio, choras-me porque perdeste os cigarros, porque perdeste o emprego, porque perdeste... a vida
O meu cadáver de costas sobre a cidade, de um salto em falso... voo sobre a calçada camuflada com pequenas pedras de chocolate, alguém grita o meu nome,
O meu cabelo morre,
A minha pobre vida, aos poucos... também ela morre, como o meu loiro cabelo, como o sombreado vento, como a grade da varanda que me aprisiona e não me deixa ser livre, livre como as gaivotas de Belém, ir a bares, beber em esplanadas a vodka que sobeja dos veleiros acabados de regressar da Rússia, e
O meu cabelo morre, e a minha vida morre, e tu, e tu morres-me... porque a água salgada do mar começou a subir pelo ascensor, entrou no terceiro esquerdo, entro no terceiro direito,
Nós
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em
Queda livre,
O meu cabelo morrer,
Nós, nós quase engolidos pelas caravelas que a noite lança pelas ruas para nos aprisionarem, como acontece com o teu cabelo, como acontece com o teu corpo...
Ambos prisioneiros, vagabundos, quase em
Queda livre,
A cidade,
Morre,
O meu cabelo morre,
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em granito polido, cubos em gelo, pregos de madeira rompem os sargaços dos teus beijos, e nós, porque habitamos o sexto frente
Morre, morre o teu cabelo quando te lanças sobre os veleiros desgovernados das Clarissas abandonadas, ouvi-o, ouvi-lhe os cabelos agarrarem-se à velhíssima grade e voavas, e dançavas, e
E o teu cabelo quase em chamas,
E os meus braços enrolados no teu pescoço, a cidade, a cidade com o teu corpo como húmus, sobre a terra ressequida, feia, dilacerante...
E morre,
E desce... até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia,
E a vida, a vida também morre, e a vida espera por um digno salto, e ela
Ela morre,
O meu cabelo morre, o meu cabelo... em flor, sobre as árvores dos teus seios, transparentes, como as velas do veleiro estacionado junto à Torre de Belém,
E ela?
Ela... ela morre, morre, até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

cortinado amanhecer

foto de: A&M ART and Photos

seus olhos em movimento curvilíneo
seus braços baloiçando como uma criança em queda livre
voando sobre os sons de um piano desafinado
há uma janela aberta com sombra sobre a cidade do medo
e ela
ela esconde-se nos abraços cerrados do cortinado amanhecer...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

Ínfima nuvem que sonha e corre e sonha

foto de: A&M ART and Photos

Qualquer coisa estranha
na flor que brinca em tua mão de porcelana
qualquer coisa vã
ínfima
que esconde o teu olhar,

Qualquer coisa geometricamente sombra nos teus lábios
estranha
castanha
que de nuvem em nuvem
caminha e sonha e sonha e caminha,

E morre estranhamente como um pássaro de asas em papel
qualquer coisa estranha na tua mão branca
silenciosamente só
tristemente sentada numa cadeira sem coração...
que vive em ti e de ti se alimenta.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013