sábado, 26 de abril de 2014

palavras não lidas


do centro da galáxia chega a mim a voz rouca da solidão
traço rectas no corpo da Lua
desenho corações na ofuscada luz da paixão
do centro da galáxia...
um fio de saudade que se alicerça aos meus braços
e me pede
e me obriga
… a escrever palavras não lidas


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Abril de 2014
Sem comentários.

três velhos dias


mais um Sábado...
procuro a equação tangente à parábola da insónia
hesito
fico confuso
da rua oiço as luzes em néon adormecido
cansadas
e hesito
fico confuso
mais um Sábado...
sem horário
janelas com vista para o mar
hesito...

um dia
dois dias
… três velhos dias

hesito...
e fico confuso
procuro o cosseno hiperbólico do cansaço
calculo a integral tripla do amor
raios...
não o consigo
rasgo
destruo a folha quadriculada
tão velha
tão... infeliz como as luzes em néon adormecido...
um dia
ontem... ontem tu eras capaz

um dia
dois dias
… três velhos dias.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Abril de 2014

rosas tuas mãos


as rosas tuas mãos em decomposição
sinto-lhes o perfume de palavras em construção
o poema evapora-se no corpo nu da madrugada
dizem-me que deixaste de olhar o amanhecer
que... hoje és apenas uma árvore
sem folhas
sem... as rosas tuas mãos em decomposição
esperando que venha o rio e com ele o silêncio das lágrimas embainhadas no Luar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Abril de 2014

sexta-feira, 25 de abril de 2014

as palavras de solidão


imagino-te submersa em palavras de solidão
imagino-te vestida de poesia
de cravo na mão
imagino-te livre
nua
imaginar...
a madrugada sem nome
voando sob a cidade dos xistos embriagados
e há um rio em silêncio
um rio... um rio apaixonado
imagino-te deitada na areia pálida do Mussulo
escrevendo as palavras de solidão

no meu corpo
em mim
em construção

imagino-te com asas em papel amarrotado
escrito
rasgado no centro geométrico
rodando
brincando junto aos coqueiros imaginados
imagino-te de lábios desenhados
no muro da insónia
e sonhas
sonhando...
que te imagino submersa em palavras de solidão
e há uma varanda com cortinados de paixão
e há uma canção que acorda em ti... que te imagino submersa... solidão

no meu corpo
em mim
em construção.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 25 de Abril de 2014

viver não vivendo


vivo fingindo viver
procurando o que já morreu
inventando palavras que nunca tive a coragem de escrever
vivo esperando o amanhecer
que da madrugada cresçam lábios de cereja
e pedacinhos de papel com barquinhos desenhados
vivo debaixo da sanzala encarnada
olho o Sol e sinto a tua pele misturada com imaginados sorrisos
de prata
cachimbos mergulham e acreditam que
vivendo fingindo viver...
um dia

um dia vou regressar ao quintal recheado de mangueiras
com sombras estrelares
fingindo
correndo...
amando os velhos telhados de luz
como amo o fingimento de fingir que vivo

vivo fingindo viver
nesta jangada de silêncio
com velas de pano
viver viver viver...
não sabendo o significado do amor
amando fingindo que amo
sou um marinheiro esquecido no Oceano
procurando
inventando...
dormindo nas esplanadas que habitam no Tejo
recordando muros amarelos
porque fingindo viver... não vivo... não vivo esta vida de corpos em mármore.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 25 de Abril de 2014

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Hoje


Hoje sinto a falta da cor dos teus lábios,
do silêncio do teu olhar,
hoje sinto a falta do inseminado teu sorriso,
do pergaminho teu corpo...
escrito,
nu...
hoje sinto a falta do teu cabelo disfarçado de jardim,
sentado sobre uma lápide de saudade,
olhando o mar...
sonhando,
porque hoje...
hoje sinto a falta dos teus braços.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 24 de Abril de 2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

“Livro”


Porque te chamo de “Livro”...
se tu és um extenso areal,
de pele húmida,
e seios doirados?
Vives em frente à Baía de Luanda,
e escrevo no teu corpo palavras,
palavras que o Oceano me rouba,
como me roubou a infância,
me prometeu... sim, que um dia eu ia regressar...
Eu... eu regressar às tuas páginas esbranquiçadas,
anónimas como eu... corpo nu enfeitado com janelas de porcelana,
“Livro”...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Abril de 2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

a claridade da saudade


não me recordo
esqueci a palavra mágica para ter acesso ao teu coração de navegante
perdi-me na insónia
e acordei na ilha teu corpo desnudo
fatigante
como estrelas em morte por asfixia
não me recordo
não sei como se escreve a palavra “amor”...
esqueci
e deambulo na rua com candeeiros de solidão
naquela cidade onde habitavam fotografias doentes
tão doentes que apenas se deslumbravam nelas a claridade da saudade

o relógio que vivia na torre da Igreja morreu
como morreram todos os Sábados da minha alma
não me recordo
da Primavera
de como regressei
do mar
e da paixão das gaivotas em cio
não me recordo
de quando ainda tínhamos silêncio
e jangadas envenenadas pelos muros do desespero...
recordo-me de recordar beijos
e sinto o odor dos lábios em pequenas tempestades de desejo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 22 de Abril de 2014

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Luar


Hoje, tu, não estavas,
provavelmente tinhas partido, sem uma carta de despedida, sem um desenho esquecido na parede do quarto,
percebi que os nossos lençóis não tinham o teu perfume,
olhei o espelho do guarda-fato... e apenas uma poeira de néon, nada mais...
o teu rosto das noites imaginárias tinha voado,
abri a janela... e pareceu-me ver o teu corpo naufragado, sem voz, sem pétalas azuis,
hoje, tu, hoje tu não estavas,
e o meu relógio de pulso não cessou de girar... girar, girar... como eu, em volta do Luar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 21 de Abril de 2014

domingo, 20 de abril de 2014

fui...


fui...
nos pedacinhos invisíveis da lanterna da solidão
fui percorrendo todos os corações de areia que habitam no teu peito
fui...
fui... fui o regresso adiado

fui...
marinheiro envenenado pela escuridão da insónia
saltei a janela que aprisionava os meus braços
fui...
fui sem saber que um dia deixaria de ter mãos

fui...
fui um dia de chuva miudinha
sentei-me sem saber que existiam esconderijos disfarçados de manhã
fui...
fui... fui um emaranhado de lágrimas esperando o amanhecer.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Abril de 2014

olhos de naftaleno...


a espuma em pálpebras de cianeto
o relógio suspenso entre o sono e a madrugada construída de esferas metálicas
a chuva miudinha entranha-se no corpo da serpente de chapa
enrola-se na sinfonia do teu olhar...
e descansa
dorme
e sonha com as sandálias do amanhecer
eu procuro-te na imensidão da escuridão nocturna do perfume

tu disfarçada de árvore e apenas em ti poisam gaivotas ensonadas
a espuma embainha-se nos teus seios floridos
há palavras inaudíveis no teu sorriso
há cansaços desgovernados vestidos de barcos
prostitutas com coração de marinheiro
e candeeiros em braços de lentidão
o amor fuma cigarros com poemas de cartão
e tu pareces a ponte iluminada da paixão

o amor é uma parvoíce
como todos os poemas que escrevo
como todas as palavras que grito...
a espuma é o teu corpo em pedaços de retracto
imagens simples
tristes
o amor é a noite desconexa
com olhos de naftaleno...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Abril de 2014

sábado, 19 de abril de 2014

prisões de vento


não percebo a prisão de vento que são os teus braços
quero voar... e não consigo subir à árvore do teu sorriso
planar no teu silêncio
não percebo as andorinhas do teu cabelo
parecem tristes
parecem aquilo que sou quando cessam todas as luzes

não percebo porque sou obrigado a sonhar
quando deveria navegar sobre um Oceano de insónia
não percebo as nuvens cinzentas das montanhas abandonadas
sem vida
sem... sem madrugadas
afinal... nada percebo e nada sei a teu respeito

percebo que vives
percebo que morrerás sem perceberes que eu já percebi... que aquela montanha é apenas uma sombra de olhos cerrados
não percebo os cigarros que vivem como se fossem palavras
palavras que se escrevem em ti
e de palavras será construída a tua lápide
quando acordar o Sol e eu talvez sentado sobre um pedaço de xisto esperando que acordes

não percebo a ausência dos calendários sem janelas
as ruas parecendo um jardim vestido de nus obscuros sons
um baterista esquecido num coreto de aldeia
e tu moves-te como se fosses um pedestal pesadíssimo
granítico
ignóbil cansaço nos teus braços que são uma prisão de vento.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 19 de Abril de 2014

se o teu corpo falasse


se o teu corpo fosse apenas uma palavra
uma flor solitária no jardim dos jasmins
uma estátua sem nome
sexo
ou idade...
se o teu corpo fosse a noite enfeitada com lantejoulas e alecrim
desconexo melódico das músicas sem anoitecer
conforme os sonhos da insónia
se o teu corpo fosse uma guitarra
uma bateria prisioneira num quinto andar com janelas para o Tejo...
um cacilheiro em combustão
procurando poemas

inventando livros nas mãos do silêncio
se o teu corpo fosse uma sinfonia de fotografias a preto-e-branco
nua
sexo
ou idade...
se o teu corpo habitasse na ponte do incenso
mergulhada na tristeza de um olhar pintado de verde
nua
sexo
ou... idade
se o teu corpo fosse um livro de ler
a lareira do Inverno recordando a saudade...

se o teu corpo existisse
tivesse vida como a vida das minhas personagens
se ele me dissesse que me amava
se o teu corpo fosse a jangada
a livraria enfeitada com o pó envenenado das sanzalas perdidas no Oceano...
nua
sexo
ou... idade
se o teu corpo falasse
gritasse
- eu estou apaixonada...
e eu acorrentava-me ao teu corpo com o nome de “palavra”...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 19 de Abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

candeeiros com braços de prata


quatro bancos em madeira
um jardim em desassossego
três árvores
… duas belas mulheres
uma Primavera
com plátanos de brincar
quatro bancos em madeira
dois corpos em translação
quatro seios em rotação
… e duas belas mulheres
duas mulheres em solidão
quatro bancos em madeira e uma gaivota em papel

um barco com pálpebras de chocolate
um marinheiro vestido de vampiro
duas belas mulheres
e quatro bancos em madeira
percebem na insónia a sinfonia dos candeeiros com braços de prata
um jardim em desassossego
um Oceano desgostoso
triste...
tão triste como os fios de nylon que aprisionam o sexo dos pássaros
uma Primavera inventada pelo poeta dos farrapos amanhecer
senta-se nos quatro bancos em madeira...
… acaricia as duas belas mulheres e as três árvores


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Abril de 2014

Noites embriagadas


A bateria balança sobre o palco da tempestade
o baterista entra-se no meu silêncio
e absorve-me,
os sons melódicos do Jazz correm nas minhas veias desconexas
há marinheiros na minha mão que procuram o Oceano da loucura
e absorvem-me,
e sinto-os como se fossem a Primavera
correndo
caminhando sobre a límpida areia de veludo,

A música acorrenta-se aos meus braços de porcelana
choram as cordas da guitarra friorenta dentro de um cubículo sem janelas
e eu, eu transformo-me em palavras,
há poemas no meu peito com sabor a clandestinidade
beijos em pergaminhos que sobejaram da saudade...
e absorvem-me...
pequenas réstias de limalhas de aço
brincam nos meus sonhos...
e absorvem-me,

A bateria não se cansa dos meus fantasmas
o baterista suspenso no arame de papel que constrói a madurada
e absorvem-me as sonoras lágrimas da manhã,
sei que no teu rosto de madeira habitam fotografias a preto-e-branco
e outros suspiro sem nome,
homens desejando a morte
e a morte que não cessa de gritar...
absorvo-te enquanto desenhas nos seios da literatura sons geométricos das noites embriagadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Abril de 2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Texto de Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor


os tentáculos do meu sonho


oiço os tentáculos do meu sonho
quase que lhes toco
acaricio-os como se fossem o rosto negro da mulher com asas de saudade
converso com eles... mas existe um cortinado de estanho que ofusca o fumo da solidão
sei que do outro lado do cortinado vives e tentas agarrar-me
mas eu voo sobre os telhados de vidro que tens no teu cabelo
oiço-os
quase que lhes toco...
e acordo e percebo que apenas há noite e pedacinhos de sombra acorrentando o meu corpo...
sou ou não sou um corpo navegante?
um corpo... em busca do cais do sossego
oiço-os e toco-lhes oiço-os e toco-lhes oiço-os e toco-lhes


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

corrente em aço


porque choram as pedras entranhadas na pele da tua mão?
pergunto-me e não percebo porque há círculos com olhos verdes,
quadrados com sorriso de gaivota sem nome,
pergunto-me...
porque existe no teu pulso a corrente em aço,
a dor, o sacrifício de um simples abraço,
porque escreves o teu poema nos meus olhos,
se eu,
cego... não o consigo ler,
gritas-me e sussurras-me palavras...
e eu, eu não as quero ouvir,
porque tenho a certeza que choram as pedras entranhadas na pele da tua mão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

sonhos com sabor a papel...


nos teus lábios habita o solstício da paixão
sinto o odor cansado do teu cabelo voando sobre as sombras da solidão
há lágrimas no teu sorriso
há insónia na tua noite construída de trapos e cortinados negros
e dos teus olhos
o silêncio das caricias desenhadas pela mão de um coração
sinto-o
e oiço-o
como os sonhos que vivem dentro de mim
nos teus lábios habita o sofrimento envenenado
e lá fora alguém grita o teu nome
sons metálicos cambaleando sobre a dor
traços
triângulos
círculos com olhos verdes
nos teus lábios a imagem da criança em pequenas viagens
espera pelo machimbombo
um homem puxa-o com um cordel imaginário
e de rua em rua
e de casa em casa
leva mangas e cacimbo e capim
tem nas mãos a dócil fotografia de uma cidade perdida
o mar alicerça-se às pernas do menino...
a criança vê nos zincos telhados outros meninos
meninas
e sonhos como os dele...
sonhos com sabor a papel...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 15 de Abril de 2014