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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

não dormem mas... também não sonham

foto de: A&M ART and Photos

Tristemente invadido pelas análises clínicas dos perfumados jardins das jangadas embebidas em cianeto e outras
Escadas?
Palavras, não o sei, não o consigo perceber, talvez este verso alimentado pela inveja encontre dos triângulos dos dias tristes as algas masturbadas dos rios envenenados pelo doce odor da paixão, do cinismo...
As escadas...
Nunca tive Sábados, e à Sexta-feira tínhamos Açorda de Marisco, pão, vinho e sobremesa,
A sério?
Tristemente invadido pelos machimbombos da insónia, escondia-me de ti, debaixo da mesa no quintal das bananeiras, mangueiras e outras … eiras
Carvalhais,
Sexta-feira,
Eles não sabiam que tínhamos almoçado, traziam-nos coisas estranhas, comíamos tardíssimo porque acreditávamos que havia fantasmas que roubavam a comida dos pobre, e as tuas mãos abraçavam-se à minha cintura rechuxuda, hirta... fria como a geada de hoje à noite, e dizias-me que todas as árvores são como os pássaros quando são velhos...
Não voam, não voam mas também não andam, não bebem... e também não pagam, e também,
As escadas?
Sexta-feira,
Tristemente...
Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...
E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados
Procurando,
Coitados...
Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...
De nós...
Deles...
O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos
Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
E não bebem, e não pagam, não dormem mas... também não sonham,
As escadas?
Tristemente tristes, tristemente... sós, sós, talvez só às vezes tristemente sós...
O beijo dilacerava-se, o beijo derretia-se como chocolate, a Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo pela módica quantia de
Os beijos pareciam migalhas de pão abandonadas sobre a mesa de ébano, cheirava a naftalina, a toalha pertencia aos objectos escondidos como as pratas que deixaram de existir desde eu criança, como as porcelanas e todo o marfim, tínhamos falido, e vivíamos como Príncipes imperfeitos vestidos de carrancudos criados sem ofensa para vossemecê meu grande amigo
As escadas?
E pela módica quantia de dois beijos e uma sexta-feira...
Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo a estrear, excepto o vinho, que esse, esse já era em quarta ou quinta mão,
Sexta-feira, amanhã, a estrear, o beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro, e eu, eu inventado Açordas de Marisco, sopa, pão... e o vinho, e o vinho parecendo água depois das tempestades de...
Sexta-feira, Sábado, e Sexta-feira temos
Açorda de Marisco... e vinho, e vinho, tristemente... só. Só.
(onde está a sobremesa, raios?)


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2013

domingo, 10 de novembro de 2013

sentir não sentindo as velhas noites de cetim

foto de: A&M ART and Photos

senti-te despregada dos sonhos em castelos de veludo
desci as escadas da solidão à tua procura
mergulhei no incenso magusto das castanhas embebidas em pétalas de amor
dormi na rua por tua causa
subi às árvores para buscar-te as asas que te prometi
e por lá fiquei
senti
e sem ti
senti-te mais tarde dentro de mim como se sente o rio quando corre nas nossas veias de onomatopeias desgovernadas
tristes
e simples espada nas cantigas das janelas em ruelas empobrecidas
senti-te despregada dos sonhos em cubos de areia vestidos com bonecos em palha seca
sabia-te perdidamente nas cidades em volta dos relvados nocturnos dos néons castrados como abelhas fundeadas no cais das aranhas e noites em dormitórios de marés rochosas ou das malignas coberturas de zinco nas cabeças sem coloridas manhãs de Outono
amar-te-ei depois dos terramotos de cetim em cobertores de chita?
e por lá fiquei
senti
e sem ti
imaginava-te louca com brincos de centeio dos campos de Carvalhais
imaginava-te nua dentro do espigueiro junto à eira
e sentia-te entre as frestas do dia em delírios poemas como gotículas de suor que o teu corpo derramava sobre a minha sombra
e por lá fiquei
senti
e sem ti
às caravanas esplanadas do rio embrulhado em pontes de concreto armado
vagueavas-me na ponta dos dedos como objectos minúsculos do edifício da rua dos apaixonados mosquitos de arame
sentia-te fervilhar no meu sangue
sentia-te a desfrutares as palavras dos meus suspiros quando acordava o pôr-do-sol...
e um barco se sémen poisava sobre as tuas coxas envergonhadas
absorvendo o prazer da tarde como uma equação diferencial esquecida dentro do caderno quadriculado
e por lá fiquei
sem saber que tu eras como as espigas de milho
sem saber que tu sonhavas com clarabóias de insónia depois dos terramotos de cetim em cobertores de chita
amar-te-ei?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 10 de Novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

é Domingo

foto de: A&M ART and Photos

podíamos aproveitar os desenhos da sala de jantar
podíamos fazer das paredes húmidas telas com alegria
e palavras em espuma
à espera do Oceano
sentávamos-nos sobre a soleira da porta de entrada
e esperávamos o regresso das almas impregnadas no mármore livro onde dorme o avô Domingos
é Domingo
visitei-o e percebi que um dia
eu
não tenho quem faça o mesmo por mim
pertencerei a uma sepultura solitária
entre riachos e pedras dentárias
prédios e alicerces de vidro
é Domingo
e o avô Domingo parece satisfeito com a minha visita
não o consigo ouvir
não o consigo ver...
mas sei que ele vagueia nas minhas mãos enquanto nascem delas as palavras dele


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A chuva, para ti, é o quê?

foto de: A&M ART and Photos

Habitas os planaltos castanhos desde que foram construídos pelos teus olhos em flor, habitas como sombra dentro do meu corpo, dentro do meu cubo esquelético, e dos meus olhos triangulares sinto os ângulos obtusos entranharem-se-me como agulhas, como serpentes de aço, barcos e caravelas enferrujadas, velhas, caquécticas sentadas à mesa do café, pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo húmido circula concêntrico na fogueira dilacerante que os morcegos deixaram antes de todas as luzes se acenderem, ouvia gritar o meu nome no espelho de um guarda-fatos de mármore, a cama cheirava a sexo e a palha, o colchão picava os corpos transparente que tinham sobejado do Verão minguado, havia uma mão na tua boca, havia
A chuva, para ti, é o quê? Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, escrevem sobre a mesa as folhas tristes do Outono, desnudas, as árvores, abraçam-se aos guindastes plastificados em brinquedos crianças, vêm as lágrimas, vêm os primeiros holofotes de néon depois de partirem as madrugadas, e os corpos, os nossos, e os deles
Apodrecem os ramos...
E os corpos amanhecer suspensos nos alfinetes do alfaiate, as calças ficam-me pelos tornozelos, ele ri-se como se eu fosse um boneco de palha espetado no centro do campo de trigo em Carvalhais,
Você cresceu, amigo!
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, a chuva
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo magoado, ausente, triste e cansado, um corpo molhado, um corpo em pura lã virgem antes de acenderem-lhe os braços, ela sorri, encerra os olhos como um navio antes de partir, olhava os porões... e lá longe, homens do tamanho de agulhas, passeavam-se como abelhas de colmeia em colmeia, como velhos
De asilo em asilo,
As ovelhas brincavam sobre a erva doirada das tardes de Primavera, no intervalo entre duas cervejas, uma delas diz-me que se sente apaixonada pelo distinto orvalho, faço-lhe ver que o orvalho é um gajo mal disposto, mal educado, que é um gajo
A chuva, para ti, é o quê?
E ela insiste, e ela que o amor não escolhe idade, religião, sexo ou cor... que o amor apenas acontece, e nada mais de que isso, e que as ovelhas são umas grandes cabras, e que as cabras, às vezes, parecem e nunca o conseguiram ser... mulheres vestidas de chuva, mulheres que pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, que fuma cigarros quando sentadas num banco em granito, e que
E que caiem as folhas das árvores porque elas, as árvores, estão tristes, porque elas, as árvores
E que ninguém quer perceber,
As árvores sinto-as vacilarem como cordéis de neblina no centro esquerdo do cais das borboletas flutuantes, o lago espirra, tosse, tosse... e o dióxido de carbono aloja-se nos teus seios de incenso, como a noite, como todas as mulheres...
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Gajas nuas, gajas... saltando muros em xisto.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Outubro de2013

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Conversas de Enxofre

foto de: A&M ART and Photos

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,
Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço
Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu
Disfarçada de cetim?
Tecido barato, chita, ou...
O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...
Perguntas-me
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...
O avô Domingos,
“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”
É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,
O avô Domingos,
“Muitas terras, casas...”
E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura
Não “Fingertips”,
O avô Domingos,
Finger quê menino?
Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,
Sina de dinheiro,
O quê? Finger quê?
Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?
Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento
Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?
(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?)
E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...
Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, éramos loucos e loucas, e tínhamos dentro de nós o jardim da saudade, tinhas-me inventado como inventaste tantos outros bonecos de palha, como tantas outras flores em papel crepe, coladas numa cepa envelhecida e envernizada, ofereci-te o meu primeiro ramo de flores, ainda em criança, e diziam-nos que os morcegos roubavam-nos os sonhos, que os morcegos roubavam-nos os suspensórios onde prendia-mos as poucas palavras que sabíamos pronunciar, e vagamente adormecíamos sobre a bandeja da empregada do bar,
Matilde... olhava-nos e tinha dó, pela nossa tristeza, pelo nosso desespero... pela nossa infinita solidão como os cordões brancos das malditas botas da tropa, que aos poucos se afundavam dentro do Tejo e os velhos Cacilheiros dormiam envenenados pelas Ratazanas de duas patas, de tão grande porte... que quando aparecia o vento, quase sempre estas ficavam em terra, pesadas, os pés recheados de pequenas bolhas, era Verão, era Verão e tinhas-me inventado depois de um pequena brincadeira de adolescentes, prometeste-me o Céu, e eu, eu nada te prometi, um grande sovina, sempre de algibeira vazia, sempre depenado, após uma noite de jogarmos ao montinho
Azar ao jogo, sorte...
Maldita,
Tinhas-me inventado numa noite de tempestade, jogávamos ao montinho, bebíamos Moscatel de Alijó, estávamos em mil novecentos e oitenta e oito, Julho, quase, quase a despedirmos-nos das Ratazanas, desta vez, as de quatro patas, era noite, e tu dançavas sobre um lençol branco suspenso numa parede triste, desprovida de qualquer cor, chamávamos-lhe a parede dos sonhos, nas traseiras do triste lençol ardia um prato com chouriço embebido em aguardente, o cheiro intenso espalhava-se pela janela e poisava nas sombras adormecidas da vida, havia uma ruela estreita, onde a empregada da esplanada, a querida Matilde aparecia em altos voos, descia, tão vagarosamente... que quando chegava até nós...
Olha... adormeceram,
Cansados,
Embriagados do intenso cheiro das Ratazanas,
E a cidade crescia como uma seara na longínqua Carvalhais, um parvalhão questionava-me
Ouve lá pá, onde fica Carvalhais?
Timidamente... perto de Viseu,
(puta que te pariu)
Claro que Carvalhais pertence a S. Pedro do Sul, claro que Alijó é Alijó e tinha de me explicar mil vezes que Alijó
Fica em Vila Real,
Trás-os-Montes?
Sim, (cabrão), sim, sim em Trás-os-Montes,
Sacana,
Eu, eu sacana?
Sim, sim você seu grande cabrão...
Tinhas-me inventado numa noite de copos, éramos leves como as lágrimas das tuas madrugadas, éramos finos como os beijos atravessados pelos teus lábios e fundeados na tua garganta, e éramos de aço que corríamos sobre os andaimes que vomitavam a cidade em pedaços de granito, comíamos comboios ao pequeno-almoço e espingardas ao almoço, éramos todos tímidos, e todos fumávamos charros nas vagas horas, depois
Tombavam na formatura como toupeiras,
Matilde aparecia, abraçava-me, dilacerava-se nos meus cabelos inexistentes, dava-me um beijo, e desaparecia como tinha aparecido, sempre pelo buraco da chaminé,
E chorei,
Quando tudo ardeu semanas depois de eu regressar, arderam as minhas memórias, arderam os meus passos pesadíssimos com cordões brancos, arderam as livrarias onde comprava os meus livros, e ardeu também a querida Matilde, depois ainda a vi em sonho, vestida de cinza passeando em frente ao Tejo e em pequenas despedidas,
E adeus querido Chiado, e adeus, adeus minha querida Matilde...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

domingo, 11 de agosto de 2013

Reinventa-se e mergulha entre silêncios

foto de: A&M ART and Photos

O corpo do texto, emagrece, reinventa-se e mergulha entre silêncios e cavernas como a solidão dos primeiros dias da ausência dos sons poéticos e melódicos, o corpo ausente de tamanho, do zero ao doze, finge-se de morto, termina a linha, muda-se para baixo, travessão, ponto final, parágrafo, ponto de interrogação?
Desisto, pergunto se vale a pena continuar, e oiço-o como um vibrador dentro do meu ouvido,
Não, não continues, desiste rapaz,
E desisto,
E pergunto-me como será o Inverno, lá, depois de partir,
É como cá, respondem-me, respondem-me, respondes-me
Não faz mal, não faz mal, tudo é maleável como a sombra dos pinheiros em Carvalhais, tu
Tudo mesmo, mãe?
Tudo filho, tudo, o teu corpo é maleável, os teus sentimentos
Como são eles, mãe?
São em tecido e bordados com rosas, umas bravias, outras...
Como são as outras, mãe?
Menos bravias, mais calmas, mais
Belas, mãe, mais belas?
Muito mais, meu filho, muito mais,
O corpo do texto, o papel fica composto, cada vez menos espaços vazios, cada vez mais sofrimentos devidos às letras distorcidas da velha máquina de escrever, o teclado engasga-se, o teclado
Como são as outras, mãe?
O teclado prisioneiro das tardes junto ao rio, o teclado encalhado nos rochedos das sanzalas invisíveis dos panos encarnados, tapavam cadáveres, tapavam fome, tapavam o sol e os sonhos dos meninos, eu sonhava, ela sonhava, nós sonhávamos...
Com rosas, mãe?
Sim filho, sim
O teclado acabado de ser detido, criminalmente... ser oposição, escrever nas paredes negras da noite, e separadamente, éramos espancados vos chicotes de corda, com a ponta em fino papel, era assim, é assim, sempre o foi, sempre assim será, tudo
E se o velho morrer, mãe?
O venho nunca morre, meu filho, nunca, como nunca morrem as rosas bravias, como nunca morrem as sanzalas e os musseques e os charcos depois da chuva, e o velho, mãe, e o velho
Eterno, eterno sentado a olhar o mar,
O texto multiplica-se na maré doentia de Domingo, dizem-me que fiquei absorvido pelas nuvens que sobrevoavam os telhados de vidro, e o texto agora com pequenas imagens, e o texto agora com letras, grandes e pequenas e nenhumas... e algumas, tristes, alegres, negras, azuis e cinzentas, multiplica-se e vomita canções de amor, música, palavras declamadas por gargantas envenenadas pelos peixes e pelas tuas algas, havia um rio que nos prendia à madrugada, havia três caixas de cartão todos os papeis que lá jazem, têm o teu nome, e ainda tu não tinhas nascido
Mãe, como é isso possível? Porquê, mãe?
Estás lá, abro-as, o teu nome escreve-se como teclados domesticados, a tua fotografia hoje pertence aos esqueletos de cartão, morreu disseram-me depois de te ausentares
Morreu de quê, mãe?
Saudade?
Porque se morre de saudade, mãe?
Porque um dia o mar virá buscar-te, um dia, um, filho meu...
E o texto? E o texto cresce como árvores na Primavera, e o texto reinventa-se..., e dorme, e dorme em ti, sobre ti, e dorme na tua mão
O velho, mãe?
O velho morrerá,
E a liberdade dos pássaros e dos corpos... serão comestíveis como os teus mamilos quando salteias os lençóis nocturnos dos pequenos parágrafos, dos pequenos pontos finais, outras
Nem pontos, nem vírgulas,
E enquanto o velho não morrer, não felicidade, não vida, não sonhos.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 11 de Agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Não Slave to love

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me verdadeiramente encaixotado nos aranha-céus que o teu querido pai me prometeu, entre um deles e um qualquer livro, escolho um qualquer livro, e entre um qualquer livro e um copo de vodka, escolho obviamente...
Um qualquer vodka, porque dispenso o livro, porque dispenso um qualquer poema, porque dispenso o copo, sinto-o e sinto-me encaixotado nas tuas mãos vendadas pelo sono, cerras os olhos dos ténues pulsos de areia, pertences aos corpos clandestino como os pequenos grãos e as distintas óbvias gotículas do suor tua pela, cerras os olhos que jazem nos teus pulsos, suicidadas-te como uma menina mimada, singela, como uma flor vagabunda num qualquer palco, onde se ouve, uma qualquer banda, o piano melódico, e da voz poética, ela, ele, transformam
“Demito-o obviamente”,
E demiti-me,
Deixei se ser o amantes nocturno das noites de Verão, deixei de ser o clandestino mendigo passeando-se pela Avenida ribeiro das Naus, enquanto escrevo, oiço a melódica voz de “Joana Gomes” e dos “Fingertips”, e obviamente
Recordo, as saudades, de Carvalhais, e de S. Pedro do Sul, e dizem-me que o rio ainda corre como corria, e dizem-me que a eira ainda é a eira de ontem, pouca coisa mudo, apenas que o avô Domingo deixou de passear-se de bengala e dorme debaixo da lápide granítica onde alguém escreveu
“Eterna saudade”,
E demiti-me,
Hoje, hoje não amante, hoje, hoje não escravo do amor “Slave to love”, STOP, e na primeira rotunda a segunda saída, a respectiva plana de sinalização
“Precisa-de amor”,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente apanha um chupa-chupa, lembro-me de quando ainda era eu, muito antes de me demitir, lembro-me do Baleizão, lembro-me dos palhaços e dos malabaristas, lembro da tenda do circo dançar sobre a minha cabeça de menino
Mimada, tu
Eu, eu mimado, filho único, tinha um cavalo em madeira, saltava o portão de entrada e entrava cidade adentro, a cada machimbombo que encontrava gritava
Avô Domingos?
Nada
Avô Domingos?
Nada, nada de nada
Outra vez... Avô Domingos?
E encontrava-o numa transversal em Luanda com um cordel na mão a puxar um machimbombo com olhos azuis e missangas no pulso esquerdo, no direito
Machimbombo? Outra vez... Avô Domingos?
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Triste,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Infeliz,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Cansada de ti,
E obviamente... demito-me.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Malabarista de primeira classe... diplomado

desenho de: Francisco Luís Fontinha

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhaste-me em murais que ultrapassavam os edifícios em ruína na cidade das gaivotas
sentei-me em ruas onde tudo se vendia
o corpo flores drogas álcool e amores
livros e papel de embrulho
desenhos e merdas sem sentido
porcarias vãs
vadias entre as pernas alicerçadas aos tambores de choque
envaidecias-te
eras nobre como um donzela puta de adorno...
e os jardins cansavam-se de ti como velhos sorrisos
sonâmbulos das ínfimas janelas
e entrava-nos na sala de jantar o enfeitiçado mar...

Um cheiro horrendo
barcos vomitando saliva esbranquiçada
lágrimas
e muitas estrelas
todas elas
embriagadas,

Desenhaste-me como se eu fosse um boneco de palha
um cabrão mal vestido
de fato
gravata
e sapato bicudo afiado reluzente como um espelho da feira popular...
chorudas mulheres de açúcar
dormindo em roulotes como gazelas em sexos murchos que os finos pinheiros de Carvalhais...
lançam
deixam ficar sobre a tua pele...
todas as palavras de adeus...
Adeus
Até nunca mais me desenhares nos murais das montanhas de aço,

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,

(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

Desenhares-me invisível
sem saberes quem sou
como penso
vivo
se tenho sonhos
consegues perceber os meus lamentos?

Fui tanta porcaria...
cavaleiro
donzela
prostituto
pintor
escritor
abelha tonta tonta como ela... ela tão bela...
e tudo porque me desenhaste nos murais das montanhas de aço,

E poeta não o sou
talvez o seja quando se apercebe em mim um silêncio de loucura
devaneio
os peneirentos pássaros que as arcadas do desassossego escondem
constroem e inventam insónias em papel como pobres flores de arremesso...

Desenhares-me em toda a porcaria livre
nas calçadas
nas ruas e ruelas
cansadas...
desenhas-me como se eu fosse um esqueleto de amêndoa
suspenso nas três horas da madrugada...
nas calçadas
ruas
e ruelas
sou
nunca o fui
desejo-o como se ele fosse um abutre de asas cinzentas,

Sou
fui nunca
poeta pintor escritor porque nunca deixei de o ser...
malabarista de primeira classe... diplomado.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de julho de 2013

A última vez de nós

foto de: A&M ART and Photos

Ambos o sabíamos, todas as noites, uma caneta prateada, iluminada com tinta preta, misturava-se nas ranhuras do papel, macio, do aparo, algumas vezes, gotas minúsculas de um líquido não determinado, descia, lentamente, até que de muitas gotas minúsculas de líquido... nascia uma poça longínqua de um líquido... não determinado,
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
Ambos ouvíamos o rosnar da locomotiva da cama suspensa sobre quatro velhos tijolos, tínhamos nascido pobres, continuávamos pobres, e amanhã, pobres seremos, sentados a uma mesa com quatro pernas, range, ouve-se um estranho gemido de areia, provavelmente, o mar a rondar-nos a casa, provavelmente, o homem do chapéu de palha para saciar a sua sede, ele beberá de nós o mosto disfarçado de silêncio, e não acreditávamos
Suor?
Os cigarros morriam no cansaço da tarde, gemias como uma raposa quando prensada nas ranhuras das portas com vista para o mar, víamos da fechadura um líquido esguio... e de seguida vinha a noite, fazíamos amor debaixo dos cobertores de madeira que embrulhavam a caixa onde o avô escondia a farinha de milho, recordo-te recheada naquele intenso cheiro, ao longe, víamos o rio Sul travestido de curvas com olhar de fonte de água sulfurosa, o enxofre fazia-nos arder os olhos, e das nuvens de espuma, brancas migalhas de saliva rodeavam-nos, e sentíamos no corpo a tristeza da chuva ante de desfazer-se sobre os telhados da aldeia...
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
O sino anunciava-nos o silêncio que acompanhava a noite, tínhamos algumas horas para permanecermos juntos, e nunca sabíamos se era a última, a última vez de nós, ela, a caneta, introduzia-se vagarosamente nas entranhas coxas do papel de arroz, sentia-se o perfume do rio Sul subir até sobrevoar a Cárcoda..., e imaginávamos homens, e imaginávamos mulheres, e imaginávamos... madrugadas voando entre pinheiros mansos e carvalhos ensanguentados pelo desejo que o sono provocava em nós, escondidos
(de dentro da caixa da farinha sentia o teu corpo em banhos de sol, mergulhavas nas ondas que a fonte sulfurosa das Termas deixava nos teus seios de rosa encarnada)
E escondidos vivíamos os cigarros, e escrevíamos ao toque do fumo a dilacerar-se nas asas de uma gaivota que se prostituía lá para as bandas de Cais do Sodré, antes, muito antes de entrarmos dentro da caixa da farinha, ainda antes de ser dia, antes o enxofre provocar-te lágrimas no rosto que escondias do espelho do quarto do meio, diziam que a prostituta era uma velha carruagem que costumava transcrever no papel de arroz o percurso Cais do Sodré a Belém, e por aí permanecia, até que uma magala aparecia, vestia-se de mergulhador e descia às profundezas das linhas circunflexas da vaidade,
E não acreditávamos
Suor?
E no próximo apeadeiro permaneciam até que fosse dia, até que as gaivotas levantassem voo... fugissem para o mar, até que renascias do interior da caixa da farinha, víamos o rio Sul, e sentávamos-nos sobres as restantes pedras do Castro da Cárcoda... olhavas-me, e segredavas-me que a solidão era sem qualquer dúvida
Amor, a solidão é a maior prova de amor que uma flor como eu pode ter,
E de dentro da caixa da farinha, ambos, ouvíamos os sons que todos ouvimos quando habitamos apartamentos defeituosos em cidades defeituosas...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal

foto: A&M ART and Photos

É sexta-feira, atiram-se pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal onde juntamente com demais roupa, de homem e senhora, uma criança grita pelos patos que brincam no lago, são três, podiam ser quatro, o ideal seriam cinco, mas é o que eles têm, e já não é pouco, de essa criança existem alguns brinquedos espalhados ao redor das mortas árvores de papel grosso, pouco maneável, não chove, o tempo seco ressaca-lhe os pulmões desabituados ao fumo do cigarro, e hoje, não sente saudades de fumar, mas não se cansa de recordar o cheiro, as imagens inventadas pelo fumo esbranquiçado, penumbro, arrancando bonecos de palha do campo de milho da tapada do avô Domingos, Carvalhais existe, S. Pedro do Sul padece das minhas mãos quando me sentava no jardim junto ao Município, ou ficava horas a imaginar o rio Sul em círculos enquanto do meu corpo uma sombra de planaltos deambulava pelas encostas em frente às Termas, queria atravessar o rio, voando, como pássaros, os melros invadiam-se da gaiola do senhor Joaquim, tio,
(o tio Joaquim não percebe porque chamam ao grande José Eduardo Agualusa, falso escritor, não percebe, não entende, talvez porque o tio Joaquim já tenha morrido, talvez porque o tio Joaquim só tinha a quarta classe, ou, porque apenas e só, quem o afirma, o escreve por inveja, ou pior, por ignorância, ou porque não lhe interessa ou interessam os temas dos livros de Agualusa, é verdade que todos têm direito à opinião, livre, mas dizer falso escritor... porquê? Tínhamos três patos, eu passeava-me em volta do lago imaginário onde perto do lago existia um canastro, atulhado de milho, a eira ao lado do canastro, ambos, pertenciam ao outro tio, o artista, Serafim, grande homem, este, e o outro também, o Joaquim, mas tinha um defeito, um grande defeito, não percebia a razão de escreverem que Agualusa é uma falso escritor..., tantas falsas coisas, e os livros, são todos eles verdadeiros, e aquele que escreve, será ele um falso homem? Só não percebo, querido tio Joaquim, questiona-se a possível fortuna de Agualusa, e não se questiona a fortuna de certas pessoas que em Angola vivem sem que se perceba como conseguiram tão grandes fortunas, essas sim, colossais, quando não ainda há muito tempo, alguns, mal sabiam ler e escrever e andavam de G3 no mato... e agora, alguns deles, passeiam-se de avião e vêm às compras a Lisboa)
O tio, o outro, o artista, cantava fado e declamava poesia na sua adega, rodeava-se de amigos, alguns de simplicidade invejável, outros, que deixavam o respectivo canudo à porta da adega e madrugada depois, saiam, felizmente o conseguiam fazer, alguns de gatas, outros, outros cambaleando sobre rodas de incenso e lápis de cor,
(hoje percebo que não nasci em Angola, que jamais regressarei porque felizmente não compactuo com determinados comportamentos, sempre o fui e sou, a favor do livre pensamento, recuso-me a aceitar o insulto apenas pelas diferenças de opinião, não concordo que José Eduardo Agualusa seja um falso escritor, e para terminar, percebi hoje que os destaques do meu blogue Cachimbo de Água no Sapo Angola, de hoje em diante, terminaram; paciência, sou e sempre fui assim, mesmo sabendo que posso perder tudo, o pouco que tenho, e não te preocupes tio Joaquim, um dia, um dia vamos ver o Mussulo, e depois, levamos duas cadeiras de vime, sentamos-nos junto à Baía e esperamos pelo regresso da...)
E dos lápis de cor, ele, o tio, o Joaquim, deitou fora o de cor azul.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de maio de 2013

Inventavas o desejo entre as paredes pintadas de um azul claro

foto: A&M ART and Photos

Murmuro-te contra a fina película que separa o dia da noite, descem os cortinados das clareiras paixões de areia, e um sorriso de mar acorda nos teus braços, começa brevemente a noite agreste dos solitários portões de ferro, o jardim dos sentidos, em pedaços, acorrenta-se ao luar que finge viver nos teus olhos, percebo, hoje, que nunca exististe, nunca tiveste olhos, nunca tiveste boca, lábios, abraços para mim, percebo, hoje que nem o teu nome deixaste ficar no espelho do guarda-fatos cá de casa, penumbra, compartimentos embaciados quando entra em mim a neblina, os cruzeiros e os passageiro imaginados pelas tuas mãos, quando inocentemente
pegavas na esferográfica,
Nunca escreveste o meu nome, nunca desenhaste o meu corpo, nunca sequer escreveste no meu corpo... e que eu adorava-o, ser escrita pelos teus dedos de cacimbo ao final da tarde, sentir a Primavera a entranhar-se-me nas coxas como a concha de um molusco anónimo, sem nome, idade ou profissão, adorava-o, sentir-te em mim, sem estares sempre do outro lado da fina película de vidro, que separa o dia, da noite, e deixa ficar um espaço simples e vazio, oco, obsceno, leviano como os sonhos das árvores do quintal invisível onde em criança brincaste, gostavas de Favarrel – Carvalhais – S. Pedro do Sul, abrias a janela do quarto do meio, chamavam-lhe do meio porque talvez devido a serem três quartos seguidos, e esse, ficava mesmo no meios dos outros, era também o mais estreito, e com a paisagem mas bela, deslumbrante...
pegavas na
Em mim, ouvia-se o sino, ouviam-se os pássaros poisados na ramada das traseiras, ouviam-se os sussurros das espigas de milho, a dormitarem palavras por entre as frestas da ripas em madeira que revestiam o canastro, pegavas na esferográfica, e nem um risco o fazias dentro do meu silêncio peito, poisavas os cotovelos no parapeito, e ficas-te a imaginar sombras a subirem a montanha que olhava para ti, como se fossem lírios tímidos, tão tímidos que cerravam os olhos quando eu, quando eles me olhavam, eu nua, tu, entre dois vidros, e eles, elas pareciam pombas brancas à procura do som poético das palavras ainda não escritas, ainda não prenunciadas, e todo o meu corpo tremia com a tua ausência,
pegavas na esferográfica, inventavas o desejo entre as paredes pintadas de um azul claro, nelas, imaginava o mar, as gaivotas, os abraços que me pedias, e porque eu estava prisioneiro do feitiço da preguiça, não tos dava, desprezava-te como mulher, via-te como uma criança mimada, uma criança que para mim nunca cresceu
Cresci, meu amor, sou adulta, cresci como os eucaliptos da tapada do avô Domingos, cresci e sinto-me e sei, sou mulher, desejas-me?
que ainda olho para lá do espelho, e vejo-a de voz simples, e princesa, saltitar entre as coisas espalhadas no passeio da casa de Carvalhais, hoje penso que ainda és a mesma criança, a menina, a mimada, aquela que dizia
Amo-te, amo-te tanto, meu querido,
criança, menina, mimada até à ponta dos castanhos cabelos, e mesmo assim, hoje, vejo-a sentada num banco com ripas de madeira, aqui, nas Termas de S. Pedro do Sul... ou num qualquer jardim em Luanda,
Criança.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 18 de maio de 2013

Línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs

foto: A&M ART and Photos

Esperas-me?
terminam os carris, sorris, desces para mim das bananeiras imergente dos teus livros em desassossego, levantas-me como se eu fosse uma fina folha de papel, revestida, o sobretudo, as algibeiras desconexas, parasitando-lhes as mandíbulas emagrecidas, que a noite escreve no teu cabelo, o trabalho?
Não trabalho,
imagino-me como línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs onde brincam caravelas, mulheres, homens, gaivotas coloridas, travestidas e belas, tão, o pouco trabalho, desejado caminhar sobre capim e sombra do zinco musseque de arame, as palmeiras viajam paralelamente ao teu corpo diurno, conheci ontem uma montanha, imagino-a deitada, debaixo dos meus lençóis de cadáver com cheiro a mimosas florida, alecrim, e
Não pertenço aos teus doces crisântemo adjacentes das curvas de horror que vivem nas clareiras praias inocentes, existiam dizias-me, homens com capacetes de verniz, dizias-me, existirem janelas com roldanas onde uma corrente de aço se alicerçava, e puxavas os pesadíssimos ascensores entre o trânsito, transeuntes de palha, moveis de penúria, magrezas e gentilezas, tuas, quando gritavas o meu nome
francisco!
Coisa nenhuma, eu, escondido no teu ventre de sofrimento, lendo, relendo, o perfume e os desenhos (corações e setas... e algures, perdidamente, eu + tu), e hoje, não percebo, nunca percebi, quem eras tu, e quem realmente sou eu,
Francisco, e pensava olhando o espelho da noite que começava na sanzala, - Vais levar nos cornos! - e claro, eu, eu nunca me enganava, e ainda hoje, tenho medo ao
francisco...
esperas-me?
Ao que eu pensava, não, não te espero, nunca te esperei, odeio-te, és um inútil covarde de metano, um cigarro encharcado de medos, fúrias, solidões e casas de pasto, factura?
não
Obrigado, a todos, por, terem vindo ao meu último desejo, a viagem sem regresso, deslizar sobre o gelo fundido, caminhar sobre as searas de milho e recordar-me das corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente
peixe frito, sandes de torresmos, tremoços e quitetas, (os parvos nem imaginam o que são quitetas), vinho da casa, bom, do melhor que há, e claro, não posso esquecer os bolos maravilhosos da tia Guilhermina, tão velhinha, tão oca como as oliveiras antes de conhecerem a morte, mas apenas ela, e só ela, consegue, com meia dúzia de ovos, pouco açúcar e farinha... inventar maravilhosos belos bolos cobertos por uma única fina película de chocolate, as galinhas ainda não morreram, ainda temos algumas couves para o seu sustento, e os peixes do aquário, ultimamente, parecem andorinhas, voam, de encontro às vidraças das janelas da sala de jantar, que por razões economicistas, está encerrada, na porta, temos um letreiro “encerrado para obras”, e assim, enganamos os clientes, amigos e familiares,
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente, nesta, na próxima, cidade, brevemente regressados a casa, descalços, despidos, mergulhávamos no misterioso corpo rochoso da menina Guilhermina
sua tia?
Não, esta não é a verdadeira tia Guilhermina, esta, a menina, a menina do rés do chão frente, número trinta e três, mil e duzentos, Lisboa, esta, a menina Guilhermina, aquela que entra em mim, e me desassossega para eu escrever todas estas
francisco...
Corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Francisco.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Encarnadas lágrimas que o silêncio inventa

foto; A&M ART and Photos

Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, outros, vão deixar-me a meio-caminho, o dúctil, a escancarada melodia sobre as marés de sémen pensando serem as vozes do destino em revolução, havia greve dos poetas e ficcionistas, havia músicas com palavras, e palavras sem músicas, e comboios que fingiam caminhar sobre os carris de aço, os próprios e verdadeiros carris do iluminado jardim das agonizantes bolhas de bolor que se faziam crescer nas dobradiças dos pilares embainhados que se ouviam das
cavernas
Das tuas nádegas, também elas, em greve, de fome, de zelo, de palavras,
hoje não se escrevem palavras, pedimos desculpa pelo incómodo,
“Por motivos de greve, hoje fechados”
Uma escarpa com lençóis de purpura fina sobre uma mesa de vidro, um pequeno livro, aberto, numa página sem numeração, sem significado nenhum, um beijo surge da capa do livro, aberto, sobre a mesa de vidro, um beijo com três cores, um beijo que iluminará a caverna envergonhada, aquela, de há pouco, onde se esconde a saudade,
a minha saudade,
A voz que precisa de alimento, as coxas do vento que precisam de uma vela, um mastro, ou
a gaivota do tio Joaquim,
Ou uma velha Caravela, só, só e só, e companhia limitada, nenhuma, só e falida, falida como os porcos bravos das pocilgas nocturnas, invisíveis, quando das viagens a S. Pedro do Sul, e chegava lá, não cansado, não triste, desiludido, chegava lá feliz, contente, como se o ar que se respirava em Carvalhais fosse mais leve do que o ar respirado em Alijó, e mais pesado, do ar que eu estava habituado a respirar em Luanda, e mesmo assim, mal saía do carro, beijava os meus avós, e corria loucamente para a eira, abria a porta do espigueiro ou canastro, e com a paciência de um desiludido com as nuvens destes longínquos Oceanos, começava a contabilizar as espigas loiras do milho, desistia, e sentava-me sobre o granito da entrada, e ao longe, conversava com dois espantalhos que o meu tio Serafim tinha construído para afastar os pássaros do cereal, e na altura, eu
não percebo porque fazem isto aos coitados dos pássaros,
E coitados uma ova, são espertos, e começaram a aprender a viverem com os espantalhos, e quando me apercebia, via-os sobre eles, ia até lá, e todos “cagados”, como as estátuas, ou como os homens iguais a mim, que quando se passeiam pela rua, debaixo de árvores, e
com tanto metros quadrados de superfície tinham logo de “cagar-me em cima de mim estes filhos da puta” mas é este o meu destino, há pessoas que nascem para serem doutores em seis semanas, há pessoas que nascem para serem ricos em apenas cinco lições, e há pessoas, como eu, que nasceram para servirem de sanita aos pássaros, e mesmo assim, confesso-te que gosto deles e que me fascinam,
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, e só agora percebo que a menina sentada no banquinho de madeira, és tu...
mas... afinal quem tu és?
E talvez sejas apenas um desenho mergulhada em palavras e copos com vodka como aqueles que deixamos sobre uma mesa num bar em cais do Sodré, claro
ainda tu eras menina, e ainda eu, não sabia que era eu,
Assim éramos nós antes de inventarem estas coisas todas que nãos nos servem de anda.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A roulote da alegria

foto: A&M ART and Photos

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diluído em azuis e castanhos

foto: A&M ART and Photos

Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel, ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa, tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo, meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado, contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno, ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido, e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de outra cidade, que, que hoje já não existe...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de abril de 2013

A cidade das Eiras

foto: A&M ART and Photos

Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia
(e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso é, nada, porque nunca uma desconhecida me ofereceu flores, nem nunca, na minha curta vida, uma desconhecida, conhecida, me ofereceu... um simples poema, ou apenas... um simples olhar tridimensional encerrado dentro de um hipercubo, pensas que sou louco, mas se pesquisares no Google por “hipercubo” encontrarás centenas deles, seres estranhos, que não devem amar, nem sofrer por amar uma maré em descomposição, como a extracção da raiz quadrada ou da raiz cúbica, ou... e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso, nada, coisa alguma, nem um candeeiro de ruela consegue ser, nem cigarro, nem cachimbo, nem texto ou poema, isso é, um sonho interminável, desnecessário e não realizável, como nas manhãs de ti, o corpo da almofada embrulha-se nos teus seios, ancora-se ao teu púbis, e lá fora, um cansaço de palavras, feridas, doridas, mergulham nas clandestinas tascas com mesas cobertas com toalhas de plástico; a saudade do peixe frito, dos ovos cozidos dentro de uma vitrina de vidro, escancaradamente, sem portas ou janelas, onde poisavam as moscas, e em acrobacias, saltitavam entre os tais ovos cozidos, as pataniscas de bacalhau e os bolinhos, também eles de bacalhau, apenas de nome, porque de bacalhau, nada, só a batata e o óleo onde desciam ao fundo de uma frigideira, negra, escura como as noites sobre as toalhas de plástico, onde dormíamos, e vivíamos, e nos diziam que éramos felizes...)
Entre nós, o vento, envenenado, cinzento vento que faz adornar o teu corpo nas entranhas de um pinheiro bravio, em cio, talvez, e se um dia tivermos um filho, chamar-se-á de “Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”, e se um dia, se esse dia chegar, o das flores,
(tocam-me à porta, e eu como estou ocupado, não vou abrir, escrevo num caderno, coisas sem significado, coisas que ninguém lê e que depois de passar o vento, leva-as, a todas, as palavras e o caderno e a caneta de tinta permanente, - Gosto do cheiro da tinta, digamos que, sou apaixonado pelo cheiro a tinta – e os batimentos não cessam, como um coração de oiro perdido no centro de um buraco de areia, húmida, como as tuas coxas quando nasce o dia, aos cento e vinte batimentos por minuto, levanto-me irritadíssimo, poiso a caneta sobre as palavras dispersas no papel ainda em fase de transição, do molhado até atingir o seco, maleável, pronto a alimentar uma lareira que ganha vida no próximo Inverno, puxo a cadeira desconfortável para trás, e um espaço vazio abre-se entre a cadeira e a mesa, indeciso, vou à porta, apetece-me caminhar devagar, muito devagar, saio da biblioteca, rumo ao corredor, passo por uma porta, depois outra, atravesso a sala, a cozinha e mesmo em frente à porta de entrada penso – Quem será a esta hora! - e demoro uns segundos quase minutos a abrir, tiro a mão do bolso, puxo o trinco e abre-se a tão afamada porta, um vulto com cabelos castanhos e de olhos verdes e com pele escura, nos braços um ramo de flores, hesito, não acredito, mas enfim... a vida tem destas coisas, às vezes boas, outras, pouco loucas, e outras, quase impossíveis de realizar, mas quis o destino que uma linda seara de trigo, perdida na cidade das eiras, me oferecesse flores)
“Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia”
Saltas, como um pássaro em liberdade, vergas-te quando o vento faz dançar o teu caule dentro dos desejos sonhos inventados por um caderno recheado de palavras, e
(o cheiro, meus Deus, o inevitável e inesquecível cheiro da tinta de uma caneta permanente)
E tudo apenas para que um dia, próximo, distante, ou nunca, escrever o nome do nosso filho
(“Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”)
O filho de meia dúzia de palavras e de uma seara de trigo esquecida dentro da cidade das eiras, um filho como todos os outros filhos, com pernas, braços, cabeça. Olhos, cabelo, e claro, livro de instruções,
(é sexta-feira, de mil novecentos e oitenta e cinco, atravesso vagarosamente a ponte sobre o rio Sul, nas Termas de S. Pedro do Sul, a tarde parece infernal devido ao calor, distraidamente passo em frente à pensão David, vou em direcção à saída, e é quase como que se o meu corpo se transformasse em sombra, começo a contar os vidros das janelas, lá dentro nunca esqueci o cabrito assado, deliciosamente e divinal, do outro lado da estrada, o rio, e os patos de água, começo a contá-los e desisto quando vou em seis, mais à frente, atravesso uma velha ponte em madeira, e junto aos antigos balneários, debaixo de uma árvore, sento-me num dos bancos de jardim, perto de mim, uma fonte com o inconfundível cheiro a enxofre, esqueço-me que existo, e mentalmente, a cada mulher que passa por mim, imagino-a a oferecer-me flores, e nunca pensei, e nunca acreditei, que conseguisse receber tantos e lindos ramos de flores: obrigado meninas transeuntes... como os vidros das janelas da pensão)
Percebes agora?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A rua dos Caracóis

Não, tenho medo de perceber que a noite acontece, apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? - Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa, sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres, de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas, sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor, sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo – E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores – ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas, e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou – Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou – Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria, sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros, fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope, e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios... e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha