domingo, 21 de dezembro de 2014

Porta de entrada


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Esta porta
morta
infeliz aquele que deseja entrar
e a sombra o acorrenta
aos velhos telhados de cartão
esta porta
sem acesso ao coração
em vidro
de pedra
o xisto desfeito em lágrimas de papel...
e há sempre um corpo esperando pelo regresso da tempestade
sem vaidade,
sem... sem amizade
esta porta encerrada para obras de restauro
lapidações em trinta e seis prestações...
a vida se perde neste labirinto de palavras
e madeira apodrecida
esta porta
sem entrada para o casebre da mendicidade
e elas em guerra por um punhado de areia
ou... ou por um poema em decomposição
os braços achatados
e sobre os ombros... a fugitivo da madrugada...
de cidade em cidade... de corpo em corpo... de nada em nada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 21 de Dezembro de 2014

O amor é...


Tínhamos os holofotes do desejo nas nossas coxas,
argamassavam-se nos teus seios os fios de saliva do meu sofrimento,
tinha no peito uma concertina a chorar,
sentia-me liberto das tuas garras,
e palavras que foste coleccionando no meu peito,
tínhamos os holofotes do desejo... sem percebermos que o amor é um milímetro quadrado de nada...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 21 de Dezembro de 2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

Tortura

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O peso do sono quando a noite se suicida no olhar das palavras,
a metáfora inventada
que as imagens alicerçam à construção da fantasia,
regressar... nunca,
o peso do sono suspenso nos oiros plátanos da ínfima melancolia,
o sono morre como morrem as ervas daninhas das minhas veias,
em silêncio,
o peso do sono voando sobre as esplanadas de vidro,
o cansaço das fotografias entre quatro paredes de xisto,
cintilam as calamidades do infinito orgasmo de papel...
e ninguém percebe que na tua mão...
que na tua mão habitam os finíssimos cabelos do poema,
o corpo vacila no pêndulo da saudade como um círculo de luz,
esquecido nas masmorras da infância,
o peso do sono mensurável nas avenidas acabadas de projectar,
sem automóveis para conversar,
pessoas,
sombras...
casas em sonolência despedida,
eu,
transeunte iluminado pelos vapores de iodo,
mergulhado em vulcões de alegria
e... e alguns pedaços de fogo,
e o peso do sono em constante tortura... quando me visto de noite inseminada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 20 de Dezembro de 2014

Amor


Disseram-me que tinhas o arco-íris na pele
disseram-me que o teu corpo era um poema ilegível
um sonho transformado de noite
abrupta
submersa na paixão dos lírios
que dormem nas minhas veias
disseram-me...
disseram-me que existe no teu olhar uma seara de palavras
um Oceano de incenso
que só o sémen do infinito consegue silenciar
disseram-me que o espelho da tua subtileza
adormeceu... no meu cigarro.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 20 de Dezembro de 2014

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Soníferos da vaidade


Vadios soníferos da vaidade
que deambulam nas clandestinas ruas da saudade,
olhares prisioneiros da escuridão,
pincelados tentáculos de gelo descendo o teu corpo pérfido...
e às minhas mãos
o teu cabelo incendiado pelo desejo,
e às minhas mãos o odor censurado do teu coração,
voando sem rumo,
voando... voando embrulhado em lápis de cera que o tempo engole,
e não sabe que em mim habitam os cinzeiros de chita,
os cigarros de papel aromático desenhando lábios de medo na alvorada,
vadios soníferos da vaidade... vadios monstros da madrugada,
vadios meninos de Luanda,
sanzalas encalhadas no cacimbo zincado,
capim em luta pelo sexo,
sem horários como os calendários nocturnos dos mabecos em cio...
o rio se abraça ao barco náufrago que transporta a felicidade,
e a ponte se alicerça aos seios do amanhecer,
vadios os meus poemas
em meninos de Luanda,
a infância lapidada numa avenida sem estória,
como uma fotografia inseminada num estúdio negro,
assombrado,
sem número de polícia... ou paragem de machimbombo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Quem sou?


Como sou quando tu não existes?
Não sei se sou árvore amargurada
folha caduca
ou... ou Primavera envenenada...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Cigarros sem alma

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O biombo da saudade
que morre no teu ventre
o pensamento em pequenos voos
lentamente em direcção ao mar
rumo à cidade
do adeus...
o meu corpo sobre os carris do cansaço
tenho medo
tenho pena...
que este pobre poema
não consiga acordar a madrugada
que vive acorrentada,

há nas pálpebras do teu sorriso
fios de luz em decomposição
canções melódicas ensanguentadas pelo silêncio da tua voz...
… amarga
complexa
nesta triste matriz composta
neste triste cubo de vidro
com braços de papel...
o biombo da saudade
que morre no teu ventre
inventa-se
a cada segundo que o tempo come,

a rua incendeia-se
e todos os mendigos... não mendigos
e toda a fome... não fome
apenas as palavras sobrevivem aos teus encantos
e lamentos...
apenas as sombras nocturnas do adeus
conseguem trepar o muro da agonia
e resta este pobre poema
que um dia...
que um dia ressuscitará
das cinzas
como cigarros sem alma.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2014

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vício


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
versos esfomeados quando cai a noite
há versos esqueléticos
que nem o corpo em decomposição sabe ler
versos com fome
versos vestidos de rio
cidade
e paixão
há versos desempregados
versos enlatados
(nesta cidade em combustão)
há versos conservados em papel sibilado
versos rasgados
versos…
(nesta cidade em combustão)
há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
que nem o tempo consegue apagar
versos de amar
revolta
versos travestidos de soldado
de espingarda na mão
à espera que se abra uma porta
às vezes sem saída
às vezes… versos em vão…
que só o vício desembrulha quando nasce a madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Dezembro de 2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O barco da paixão


O cordel em desassossego
no arresto do teu olhar
o barco da paixão em pequenos movimentos
espera o regresso do vento
como os teus olhos desesperam...
enquanto não nasce o dia,

o cordel consegue ludibriar o mar
e todas as canções dos teus lábios,

há uma campainha em desordem
uma planície nos teus seios que grita
e chora
porque hoje não há pássaros
nos teus cabelos cinzentos
e o esquizofrénico sono suspenso na madrugada,

lá fora saltitam as sílabas helicoidais de um poema vazio
triste como as lápides graníticas com finíssimas fotografias a preto e branco,

(o cordel em desassossego
no arresto do teu olhar
o barco da paixão em pequenos movimentos)
soluços avulso...
e rebuçados para esquecer a solidão
que gira... que gira como um canhão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2014

domingo, 14 de dezembro de 2014

A estátua do medo


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Sinto as tuas finíssimas lâminas de agonia
sobre os meus ombros de xisto
tenho nos versos a enxada do silêncio
e no peito a espada do cansaço
sinto as tuas lágrimas de estanho
descendo a calçada
como uma fotografia
morta
rasgada
e a noite constrói-se no teu cabelo
sempre que um relógio engasgado
adormece no pulso da insónia,
não existem imagens nas minhas mãos
tenho medo da cidade depois de se erguer a madrugada
sinto as tuas finíssimas lâminas de agonia
sinto as tuas lágrimas de estanho
nesta triste parede embriagada
pelo medo
pelo tédio...
morta
rasgada
uma algibeira sem nome
perdida na estrada
sem nome... esquecida na perpétua estátua da liberdade.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Dezembro de 2014

Medo


Não tenho medo das tuas garras
não tenho medo das tuas hélices de marfim
que habitam em mim
não tenho medo da tua boca
dos teus lábios
do teu sorriso farsa
não tenho medo das tuas palavras
nem dos teus braços
não tenho medo da forca
da espingarda...
mas tenho medo...
da palavra “amo-te”!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Dezembro de 2014

sábado, 13 de dezembro de 2014

A minha rua


Esta rua que me alimenta
esta rua que me corre nas veias
esta rua sem sombras
esta rua sem candeias,
tem plátanos embalsamados
tem gaivotas em papel
esta rua que me alimenta
esta rua dos silêncios embriagados,
das plumas enfeitiçadas
esta rua construída com sorrisos de vento...
a minha rua tem casas
e... e flores em sofrimento,
esta rua das noitadas
e dos cinzentos olhares com odor a poesia
na minha rua habitam canções...
e palavras em agonia,
ai... esta rua dos alentos em evaporação
e das barcaças em melodia
esta rua é vida
... esta é a rua da fantasia,
sinto a sinfonia
das tristezas disfarçadas de madrugada
esta rua nunca está cansada
esta rua... esta é uma rua apaixonada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 13 de Dezembro de 2014

Sonolência saudade


Sou o carrasco adeus
da sonolência saudade
tenho nas mãos o papiro
e no olhar
uma espada invisível
não percebo porque choram as acácias
e os plátanos da minha terra
não percebo porque gritam os rochedos
que se alicerçaram aos meus braços...
se eu sou frágil
se eu... se eu sou um simples fio de luz
embrulhado numa lápide sombreada,

sou o carrasco adeus
da sonolência saudade,

sou o presente envenenado
que deambula pela cidade
sento-me junto ao rio
e imagino barcos em papel
que não regressam mais...
quem parte
quase sempre não regressa...
como os comboios de areia
esquecidos no mar
sou o carrasco adeus
da sonolência saudade
… sou a madrugada antes de acordar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 13 de Dezembro de 2014

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Palavras em vão


Estas palavras
são as tuas lágrimas
disfarçadas de anoitecer,
estas palavras
pertencem ao teu corpo
suspenso na escuridão,
estas palavras
são as tuas lágrimas...
entre as palavras... as tuas palavras de viver,
estas palavras
são as raízes do teu coração,
palavras, palavras... palavras em vão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2014

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A prisão do “Adeus”


Na prisão do “Adeus”
velhas flores são torturadas pelo silêncio da luz,
não existem janelas, não existe uma porta,
frestas,
ou... ou literatura,
lá fora, na rua,
ouvem-se os gritos dos pássaros e das abelhas,
há um subscrito negro onde alguém escreveu...
“para a morte”
as velhas flores não precisam de saber qual é o significado da morte,
elas são velhas flores torturadas...
pelo silêncio da luz,
(e a morte é o anoitecer de cheiros e sons
que só as velhas flores conseguem desenhar
nas húmidas paredes da prisão do “Adeus”)
na prisão do “Adeus”
velhas flores são torturadas pelo silêncio da luz,
não existem janelas, não existe uma porta,
frestas,
ou pedaço de areia com sabor a mar...
e as grades de ferro transformam-se em madrugada vestida de branco.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sou um estranho… no teu peito


Sou um estranho teclado
dentro do teu peito,
sou a manhã na boca da insónia...
e perco-me nas tuas mãos
como um pássaro em sofrimento,
surpreendo-me com o teu olhar entranhado na escuridão,
pareces um cortinado invisível,
uma espingarda de papel...

sou um estranho teclado
dentro do teu peito,
sou os rochedos incinerados
que escondem as tuas palavras,
e nunca tenho tempo para abrir a janela
do teu coração,
sou um emaranhado de estrelas
sem passado nem canseiras,

Sou um estranho...
… no teu peito,
visto-em de negro
e confundem-me com a noite,
sou o silêncio dos teus cabelos
e a cartilha dos teus medos...
sou a clarabóia do teu sorriso
quando lá fora...

gritam o meu nome em vão,
e eu, e eu nunca tive um nome,
uma pátria,
uma bandeira,

nem... nem paixão...

gritam o meu nome em vão,
e o teclado estranho
que habita no teu peito...
chora... chora como a bala de um canhão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2014

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Jardim de transeuntes


As manhãs são límpidas tristezas
Que só o vento consegue abraçar,
Parar no semáforo e olhar a rosa mais bela
Do jardim de transeuntes em movimento,
Tem no sorriso a bandeira da paixão
E nos lábios…
A doçura inseminada das palavras,
Do vermelho…
O verde verdade
Da esperança…
As manhãs são límpidas tristezas
Que vergam o frágil esqueleto da cidade,
Não tenho tempo para desenhar
A saudade na mão de quem me espera,
Não tenho vontade de abrir a janela
Deste quatro latas cansado,
As manhãs são límpidas tristezas
Que só o vento consegue abraçar,
São rosas transeuntes suspensas no mar…
São palavras ignoradas,
Sombras deitadas na estrada,
As manhãs
São… límpidas tristezas
Sem tempo para amar…



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 9 de Dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

As pálpebras do poema


Não sabia que o teu nome
era apenas um nome
uma solitária palavra
sem alma
sem coração
sem... sem barcos ao anoitecer,

não sabia que o teu nome
era apenas um nome
sem corpo
sem sombra...

não sabia que o teu nome
era apenas um silêncio
sem imagens
sons
ou... ou fotografias
em constante mutação,

não sabia
não sabia que o teu nome
era apenas uma assombração
uma cidade esquelética voando no pôr-do-sol,

(Não sabia que o teu nome
era apenas um nome
uma solitária palavra)

como as pálpebras do poema antes de ser o poema,

não sabia que o teu nome
era apenas um nome
um soluço mastigado nas sílabas do Diabo...
não sabia
que... que o teu nome
é como a areia húmida
e o mar apaga todos os seus desenhos
como a morte... apaga todos os seus corpos...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2014

Sinfonia da paixão


Sou um ignóbil cemitério de cinzas
recheado de falsos amanheceres
e de tristes madrugadas,
sou um pirata
que tem medo da noite,
sou... um pirata
de lata,
que chora e branca
nas sanzalas da infância,
sou uma sombra com odor a insónia
que não se cansa de lutar,
sou um ignóbil cemitério de cinzas,

prateadas
amadas
e cansadas...

arde a cidade do meu corpo
como plumas de sílabas enraivecidas,
tenho um livro na algibeira
sem palavras...
sem... sem brigas, sem... sem vírgulas,
sou um covarde vestido de luar
sou um desalmado com medo...
com medo de amar,

sou um ignóbil cemitério de cinzas
recheado de falsos amanheceres
e de tristes madrugadas,

sou a bailarina do desejo
em busca do sexo barato,
sou rua,
sou... sou lagarto,
sou... sou prostituta,
sou a âncora dos teus abraços
quando emerge em ti a sinfonia da paixão,
e todo o amor morre em tesão...

simplificado
os meus lábios inseminados pelos teus seios,
esta cidade que saltita no meu amor...
e me acolhe nos seus rochedos.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

Gaivotas & Revoltas


Oiço as tuas palavras mastigadas em prazer,
sinto o círculo das tuas coxas alicerçado ao centro geométrico do meu corpo,
somos apenas um ponto perdido no espaço...
traçamos parábolas na cintilante areia do Mussulo,
e há na tua pele de neblina adormecida... flores,
gaivotas,
revoltas,
palavras gritadas em vão...
e gemidos rochedos ao pôr-do-sol,
não habito em ti... mas há barcos nas nossas veias,
cansados de amar...
marinheiros sem pátria,
toda a gente nos apedreja com silêncios
e medos desgovernados,
somos um ponto em movimento,
temos coordenadas,
e... massa,
a luz que nos ilumina esconde-se entre a chuva miudinha do fim de tarde,
e toda a gente,
em delírio...
chicoteando as nossas sombras,
em pedaços de fotografias embriagadas pelo suicídio...
oiço as tuas palavras mastigadas em prazer,
nesta cidade em ruínas...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 7 de Dezembro de 2014