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domingo, 18 de dezembro de 2022

Meu grande amigo

 Come a sopa menino

Come a sopa

Se comeres a sopa em pequenino

Serás um dia poeta

Ou travesti

Ou puta

Ou outra qualquer coisa,

 

Serei tudo

Menos puta,

 

E com muito sacrifício comi a sopa toda,

 

Hoje detesto sopa

E detesto ter sido pequenino.

 

Sopa de hortaliça

Sopa e sopa e sopa

Com estrelinhas (estrelinha que te guie e caralhinho que te foda, como dizia um amigo meu falecido)

Come a sopa meu menino

Come

Come a sopa meu pequenino.

 

E tive amigos

Amigos que partiram

Amigos que comiam a sopa

Amigos que se perdiam no caldo

E eu nunca comi caldo. (felizmente)

 

Às vezes diziam-me que o caldo era uma merda

Mais noostan do que castanha…

E as couves e as batatas ficavam de ressaca na horta do Alfredo,

 

Cinco contos de nada

Metade de um grama em pequenos voos

Uma colher

Um isqueiro

Tanta merda para um caldo

Tanta merda meu Deus…

E às vezes tombavam como tombam as árvores,

 

Éramos muitos

Éramos tanto que parecíamos um exército de zumbis

Uns para cima

Outros para baixo

E outros tantos debaixo da terra,

 

Metade de um grama

Um grama e outra metade

Uma noite a olhar as estrelas

E na outra noite a olhar o cadáver de um amigo,

 

(a vida é uma merda, amigo Fontinha)

 

Que sim

Que era

Que a vida é uma puta vestida de negro

Traz um terço nas mãos

E vai à missa ao Domingo…

Ai meu amigo!

 

Que saudades eu tenho de ouvir-te a noite toda…

(eras um chato do caralho, mas eu gostava muito de ti, meu grande amigo)

 

E sabes meu amigo

Putas não são aquelas que fodem com todos os gajos…

Putas são aquelas que não sendo putas

Fodem o juízo e cabeça de um gajo

E sim

Essas vão à missa ao Domingo

Confessam-se na sexta-feira

E transportam no peito – Corpo de Cristo.

 

Que estejas em paz, meu amigo.

Em paz, meu grande amigo.

 

Amém.

 

 

 

 

 

Alijó, 18/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 2 de março de 2015

Os silêncios da geometria

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Sentia-me opaco
indigente
afogado nos silêncios da geometria
sentia-me um texto
um... um transeunte
calcinado pelo desassossego da luz
e dos esqueletos vestidos de luz...
sempre que acordava
pensava que me tinha esquecido de acordar
as palavras
e o vento
levando os meus braços para o mar
Março
e cá estamos
desesperados
e velhos
no cansaço inventado pela Primavera
quase lá
as gaivotas em telepatia com os meus sonhos
os barcos ancorados no meu peito
e um debilitado relógio de pulso
em saltos
na calçada do “Adeus”
porque a morte é cega
porque o vício é o vício
dos livros
e dos desenhos
à mercê dos morcegos
e dos murganhos...
a eira em chamas
e os cigarros enlouquecidos nos lábios de uma aranha
acreditam?
em saltos
na calçada do “Adeus”
porque a morte é cega
e eu... e eu... sentia-me opaco.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Março de 2015


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vício


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
versos esfomeados quando cai a noite
há versos esqueléticos
que nem o corpo em decomposição sabe ler
versos com fome
versos vestidos de rio
cidade
e paixão
há versos desempregados
versos enlatados
(nesta cidade em combustão)
há versos conservados em papel sibilado
versos rasgados
versos…
(nesta cidade em combustão)
há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
que nem o tempo consegue apagar
versos de amar
revolta
versos travestidos de soldado
de espingarda na mão
à espera que se abra uma porta
às vezes sem saída
às vezes… versos em vão…
que só o vício desembrulha quando nasce a madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Dezembro de 2014