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domingo, 30 de abril de 2023

Longe de ti

 Antes de 9 de Maio de 1994

(ao meu grande amigo Dr. Luís Castelo Branco, aos meus pais, e a todos aqueles que não desistiram de mim)

 

 

Amava-te

Amava-te loucamente

Amava-te e desejava-te apaixonadamente,

Despia-te lentamente para que nenhum pedacinho do teu silêncio

Se perdesse no pavimento,

Deitava-te sobre o fino lençol de alumínio prata,

Depois…

Ai depois… meu amor…

Depois saboreava cada milímetro quadrado do teu corpo,

Às vezes,

Momentaneamente,

Adormecia…

Outras… outras parava de te manusear…

E olhava-te,

Desenhava o teu movimento pendular,

E pensava

(há quem diga que hoje não devia pensar tanto)

Pensava… pensava como deixar de te amar…

 

Outras vezes,

Algumas vezes,

Não adormecia momentaneamente…

Mas…, mas parava de te tocar,

Então…

Então deixava-te suspensa no lençol de alumínio prata, na minha mão esquerda,

Na minha mão direita,

O isqueiro…

E na boca o senhor Manuel Maria Barbosa du Bocage,

 forrado a alumínio prata,

E quanto mais eu pensava…

Mais eu te amava,

E depois olhava o teu cabelo ondulado em finas tranças de madrugada…

Em direcção à minha boca,

 

Amava-te

Amava-te loucamente

Amava-te e desejava-te apaixonadamente,

E tu… e tu dançavas minutos a fio

Sobre um lençol de alumínio prata,

Eu, quase sempre, indiferente ao ondulado teu corpo…

Via-te,

Via-te subir,

Via-te descer,

Tudo isso dentro de toda aquela luz nocturna,

E aos poucos,

Muito lentamente…

Começavas a desparecer,

Até que apenas um pedacinho de sémen em carvão ficava sobre o lençol de alumínio prata,

 

Deitava para o lixo o lençol,

Puxava de um cigarro…

Escrevia qualquer coisa num qualquer papel que estivesse sobre a secretária…

Ou na página de um qualquer livro…

E porra,

Já me apetecia novamente estar nos teus braços,

Beijar-te,

Saborear o teu cabelo ondulado…

Escrever nos teus lábios,

 

Deitava-me,

Deitava-me sabendo que o sono não regressaria…

Coitado do sono,

Coitado dele e de mim,

 

Começava a sentir um gélido lençol de geada sobre o meu corpo,

Às vezes, às vezes adormecia com o casaco vestido,

Imagina, meu amor, quando fosse Inverno,

Um verdadeiro inferno de dor,

Regressavam os vómitos,

Os calafrios…

E até diarreia…

Às vezes, febre…

Os meus ossos pareciam os ramos dos arbustos quando está vento…

E mesmo assim, ainda te amava… amava-te tanto…

E pensava como esquecer-te,

E pensava em mil e uma maneiras de te odiar…

Mas como podia eu na altura te odiar…

Como poderia eu odiar quem amava tanto…

E… ou continuava a amar-te loucamente e morrer nos teus braços,

Ou simplesmente te esquecer…

Fugir de ti,

Para sempre,

Para sempre e para longe;

E hoje, estou aqui… aqui para muito longe.

Longe de ti.

 

 

 

 

Alijó, 30/04/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Oração

 

Rezavas por mim

Enquanto a noite se esquecia de ti,

E muitas vezes,

Muitas,

Levantaste-me do chão,

Quando eu tombava como uma árvore envenenada,

 

Procuravas-me pela noite

Quando não sabias se eu estava vivo

Ou morto,

Mas estando vivo

Estava ausente de ti,

Ausente de mim.

 

Rezavas por mim

E tinhas de ouvir as putas

Que em vez de atenuarem a tua dor…

Envenenavam-te…

Como se eu fosse um bandido;

Sim,

Talvez tenha sido um bandido,

Mas tu,

Tu nunca desististe de mim…

 

E rezaste tanto!

 

 

 

Alijó, 19/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 18 de dezembro de 2022

Meu grande amigo

 Come a sopa menino

Come a sopa

Se comeres a sopa em pequenino

Serás um dia poeta

Ou travesti

Ou puta

Ou outra qualquer coisa,

 

Serei tudo

Menos puta,

 

E com muito sacrifício comi a sopa toda,

 

Hoje detesto sopa

E detesto ter sido pequenino.

 

Sopa de hortaliça

Sopa e sopa e sopa

Com estrelinhas (estrelinha que te guie e caralhinho que te foda, como dizia um amigo meu falecido)

Come a sopa meu menino

Come

Come a sopa meu pequenino.

 

E tive amigos

Amigos que partiram

Amigos que comiam a sopa

Amigos que se perdiam no caldo

E eu nunca comi caldo. (felizmente)

 

Às vezes diziam-me que o caldo era uma merda

Mais noostan do que castanha…

E as couves e as batatas ficavam de ressaca na horta do Alfredo,

 

Cinco contos de nada

Metade de um grama em pequenos voos

Uma colher

Um isqueiro

Tanta merda para um caldo

Tanta merda meu Deus…

E às vezes tombavam como tombam as árvores,

 

Éramos muitos

Éramos tanto que parecíamos um exército de zumbis

Uns para cima

Outros para baixo

E outros tantos debaixo da terra,

 

Metade de um grama

Um grama e outra metade

Uma noite a olhar as estrelas

E na outra noite a olhar o cadáver de um amigo,

 

(a vida é uma merda, amigo Fontinha)

 

Que sim

Que era

Que a vida é uma puta vestida de negro

Traz um terço nas mãos

E vai à missa ao Domingo…

Ai meu amigo!

 

Que saudades eu tenho de ouvir-te a noite toda…

(eras um chato do caralho, mas eu gostava muito de ti, meu grande amigo)

 

E sabes meu amigo

Putas não são aquelas que fodem com todos os gajos…

Putas são aquelas que não sendo putas

Fodem o juízo e cabeça de um gajo

E sim

Essas vão à missa ao Domingo

Confessam-se na sexta-feira

E transportam no peito – Corpo de Cristo.

 

Que estejas em paz, meu amigo.

Em paz, meu grande amigo.

 

Amém.

 

 

 

 

 

Alijó, 18/12/2022

Francisco Luís Fontinha