quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Teresa (sem nome, idade ou sexo)

Supostamente, nada o fazia prever, e no entanto, misteriosamente, aconteceu, como uma mácula cinzenta de penumbra debaixo de um céu reconstruído de resíduos esféricos que sobraram das brincadeiras infantis em frente à velha escola, quatro paredes, telhado em zinco, e casa de banho completa com cerca de um hectare bordada a capim húmido e algumas pedras cansadas de sobreviverem à escuridão das noites quando os cortinados se enrolam no pescoço esguio do teu vestido encarnado, adoras o vermelho, o sangue, a gravida quando deixa de ser aproximadamente nove vírgula oito metro por segundo quadrado, e talvez por desorientação, é de doze vírgula cinco metro por segundo quadrado,
(acreditei que o seno ao quadrado de alfa mais o co-seno ao quadrado de alfa o resultado é um, incrível, como se a tangente de trinta graus não fosse raiz de três sobre dois),
Dir-me-ás que o triângulo isósceles do segundo esquerdo é loucamente apaixonado pelo triângulo equilátero do rés-do-chão frente, e que são felizes, diria até
Muito,
E tal como o triângulo rectângulo do quinto direito ama loucamente o triângulo isósceles do quatro esquerdo, a hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos, e também eles, apaixonados pelo perímetro do círculo com o raio igual à paixão, e se
A paixão ao quadrado é igual ao amor, logo
Qual será a raiz quadrada da paixão?
Não sei nada dessas coisas, tal como nunca percebi o silêncio dos nossos vizinhos que se amam loucamente e têm medo de o assumir, palhaços e palhaços, dentro de um circo denominado tesouro absorto das palavras proíbas, custava-lhes dizerem ou escreverem ou simplesmente no átrio da escola com um ripa de madeira, desenharem na terra húmida
Amo-te Teresa,
(o autor deste texto não ama e tão pouco conhece fisicamente uma Teresa, e é apaixonado por triângulos rectângulos e círculos de luz)
Amo-te Teresa, e enquanto ele escrevia na parede lateral esquerda do átrio da Igreja Matriz, não sendo ela, a matriz, nem quadrada, nem diagonal, nem outra coisa alguma
(apenas o devaneio de um louco que julga ter piada com as porcarias que escreve)
Apareceram treze linda flores de nome Teresa,
Nunca acreditei que no jardim do amor existissem tantas e lindas
Figuras geométricas,
Complexas coxas, finíssimas fronteiras de carne e osso, da pele, escurecida como a água depois de cair a noite sobre o mar, libertava-se um distinto livro de poemas com pétalas vestidas de cubos e hipercubos
(E se eu em vez de amar uma Teresa amasse um hipercubo?)
Com madeixas triangulares, e percebi que ele resolvia as equações do terceiro grau como se elas fossem simples flores, pertences ao jardim do amor, e mesmo assim, elas, elas acreditavam que
(Supostamente, nada o fazia prever, e no entanto, misteriosamente, aconteceu, como uma mácula cinzenta de penumbra debaixo de um céu reconstruído de resíduos esféricos que sobraram das brincadeiras infantis em frente à velha escola, quatro paredes, telhado em zinco, e casa de banho completa com cerca de um hectare bordada a capim húmido e algumas pedras cansadas de sobreviverem à escuridão das noites quando os cortinados se enrolam no pescoço esguio do teu vestido encarnado, adoras o vermelho, o sangue, a gravida quando deixa de ser aproximadamente nove vírgula oito metro por segundo quadrado, e talvez por desorientação, é de doze vírgula cinco metro por segundo quadrado,)
Quando se cai nos braços de uma Teresa qualquer; Cravo, Rosa, Crisântemo ou outra qualquer figura geométrica.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A montanha dos sonhos

Uma rua fina e escura levar-me-á até ti, acredito eu, depois a manhã clareá e iluminar-se-á de gotinhas de orvalho, bolas de fogo e réstias de plantas carnívoras como antes de chegarem as palavras do livro destinado ao empobrecimento da floresta, por cada árvore uma andorinha, uma andorinha dorme ao som dos enclaves solstícios que da parede em gesso da sala de jantar sorriem, como sorriam, antes de partires, as poucas lâmpadas que sobraram do naufrágio nosso querido corredor de arreia, foi-se a maré sabática como os perfumes das outras rosas, as falsas, de papel, e depois
Embalsamadas e exportadas para dentro do teu peito,
É isto o amor cansado nas tardes de Inverno, de uma lareira vêem-se os olhos teus comestíveis como os grãos de pólen dos doces lábios da poesia, e se eu te pedisse
Escrevias-me um poema?
Não, claro que não, nunca, nunca escrevi poemas, nem palavras, nada, rigorosamente
Nada,
Muitas
Nada debaixo da tua saia de chita com borboletas azuis,
Muitas outras e algumas são mulheres, entre pilares de sémen e vigas encastradas nos púbis dilacerados das noites vagabundas, descobri, e talvez já o soubesse, que a nossa lareira apaixonou-se pelas chamas incandescentes dos pedaços de oliveira que iluminam as nossas, e sabíamos
Nada,
Que iluminam as nossas mãos quando os pedestais dos arbustos complexos e outras vezes, maldosos nos pensamentos, uma rua fina e escura, levar-me-á até às encostas latejantes do xisto metafisico, só, completamente só, como as tuas pernas antes de eu as acariciar invisivelmente dentro das sombras do néon com sabor a morango, e lá fora
Gemes,
Gritas como os fios de arame que suspendem a velha videira do extinto orgasmo literário,
Sou assim, dizes-me enquanto te dispo no silêncio dos poemas de AL Berto, e detesta-lo, como eu odeio os pinheiros ranhosos dos montes vadios, como as pedras, o sol que mergulhará nos seixos onde poisam os teus seios de espuma, e acredita
Nada,
Me excita como as luzes submersas de uma tenda de circo,
Nada,
Como procurar-te nos cubos de gelo estacionados ao fundo da rua fina e escura, como os lençóis com que te cobres nos infinitos sótãos de chuva, odeio-te escrevias-me nos braços também eles finos, e tal como a rua, escuros, sombrios, distantes, adormecidos, mortos, malvados ruídos das ranhuras que as livrarias provocam nas ocas cabeças de gesso onde está suspenso um crucifixo de madeira banhado a oiro, e sorris-me pela vigésima vez, como a primeira, fotocópias e fotocópias e fotocópias, eu
Tento parar os ruidosos sussurros das Madames em Flor, e não admira que o autoclismo tenha deixado de funcionar, o autocarro engasgou-se num buraco rendado no pavimento atropelado pelas rimas dos versos quando lá dentro, da casa voadora, uma laranja sobrevoa as teias de aranha dos aclamados uivos que os vidros e os cortinados desenham na cidade do lixo, e dançavas embrulhada nos braços de aço do comboio enferrujado entre sílabas clandestinas, de rio em rio, pela primeira vez sorrias-me dançando sobre nós uma penumbra acetinada de papeis diversificados, nas cores, nos sexos, nas bocas antes de entrarem nelas as grandessíssimas aldrabices do cigano com estabelecimento comercial num dos arruamentos transversais da rua fina e escura,
E nada,
Muitas
Nada debaixo da tua saia de chita com borboletas azuis, e ouvíamos o mar nas distantes laranjeiras dos montes solidificados pela bruma, pela espuma, pela
Nada em ti que me sirva, a não ser, os malditos telhados com estrelas cinzentas que os cigarros multiplicavam na ardósia pendurada na mangueira abandonada, lá fora, no velho quintal da casa em ruínas, só, só como eu
Como tu,
Sentados sobre esqueletos de livros, e saliva dissipada pelas tristes palavras de ontem, só como eu, como tu, sem sabermos como explicar aos transeuntes da rua fina e escura, que o amor, entre nós, sempre
Muitas,
Existiu como existem as noites de chuva, de frio, neve, e calor chamado prazer, ou
Húmidas estátuas de arame,
Na tua cama acorrentada aos grandes blocos de granito da montanha dos sonhos...
Pela tua fina mão em anéis de prata.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

2 anos de blogue Cachimbo de Água






2 anos de blogue Cachimbo de Água



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Cabelos de vento

Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te, saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno, eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado, procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai esconder-se dentro de uma nuvem de prazer,
(começo a não perceber o que escrevi apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos),
Esqueço o orgulho, escondo a tristeza, pego no telemóvel e marco o teu número, uma voz de chocolate diz-me que...
O número que marcou não se encontra atribuído,
E eu, começo, a cada milímetro que me aproximo do rio, a acreditar, a acreditar que afinal
Nunca exististe, tal como eu, que pertenço aos assombrados murmúrios das distantes letras de sabão, inventaste-me louco para te distanciares de mim, inventaste-me a miserabilidade pela mesma razão da loucura, e depois queres fazer-me acreditar
Que a lua é quadrada, que as pedras são as lágrimas das estrelas, e que o mar, e que o mar vive num buraco com grandessíssimas hélices de vidro, como o amor, clandestino, debaixo de uma árvore, ao lado da árvore vive uma casa, dentro da casa uma mulher com cabelos de vento, e dentro dos cabelos de vento
(começo a não perceber o que escrevi apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos), o número que marcou não se encontra atribuído, e depois querem fazer-me acreditar que a noite é negra, que as cidades têm ruas sem saída, e que nas calçadas habitam pedaços de cartão onde se embrulham homens, mulheres, crianças
Pode lá ser possível,
E dentro dos cabelos de vento uma gaivota com lágrimas de Primavera traz-nos livros que o cacilheiro náufrago derramou sobre o Tejo, poemas, frases, palavras sem nexo como as árvores do quintal de Carvalhais, coisas, poucas, algumas, o sangue derramado na secretária imaginária que a mulher com cabelos de vento
Dentro da casa, uma cadeira, duas mesas de madeira, dois tristes corações com lâmpadas de halogéneo, do electrocardiograma nada a salientar, normalíssimo, o RX pulmonar apenas algumas sombras, provavelmente devido ao dia com alguma nebulosidade, como as janelas quando vêm as marés de azoto e roubam do parapeito os discretos vasos de cerâmica, (Nunca exististe, tal como eu, que pertenço aos assombrados murmúrios das distantes letras de sabão, inventaste-me louco para te distanciares de mim, inventaste-me a miserabilidade pela mesma razão da loucura), e hoje apetecia-me um Sábado louco sobre a mesa de uma cave no interior de uma ruela escura, suja e imunda, como os navios regressados de ontem,
Perdi-me nas clareiras tuas faces pontiagudas, e dos alicerces teus lábios, uma corrente de aço não me deixa aproximar, e quando me perguntam o que tenho a declarar, respondo
Nada, Excelência, apenas que se faça justiça,
E assim foi,
(Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te, saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno, eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado, procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai esconder-se dentro de uma nuvem de prazer),
Qual será a raiz quadrada do AMOR?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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(Sapo Angola)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Os nossos delírios anseios

Das raízes dos teus olhos, há o vento campestre, triste, e ausente, há as campânulas de silêncio embainhadas nos sabres lentos da insónia, há, havia ontem palavras por escrever, escritas depois da montanha em sonolência começar a descer, a descer, a descer como descem os corpos embalsamados que poisam nos jardins sem secretismos lábios em beijos, ou
Os nossos delírios anseios,
Os bolos de chocolate sobre a mesa na sala, deixamos de ter iluminação artificial, por opção própria, a mesa espera pacientemente pelo regresso dos convidados ossos com chapéus de pólen, uma criança, a filha da Alice, insignificante sorriso com espinhas e restos de morango, ela dança, ela está alegre, e porquê?
Apenas
Talvez
Ainda não percebi se o faz por ser louca, indesejada, ou, ou porque amanhã vai receber das mãos do tio Augusto um livro de COLETTE “GIGI”, está lindíssima a mulher da capa a olhar para as janelas? Da cidade em desalinho, a elegância das palavras, dos sons, dos automóveis camuflados de ervas daninhas,
(não sei se conseguirei sorrir depois de ler o jornal)
Uma tristeza em desenhos alicerça-se no meu peito, uma mulher com cabelo preto e lábios elegantes, lança-me um corda com inúmeros nós, muitos, infinitos, como os anzóis que o rio come e depois acordam debaixo das pedras pintadas de fresco
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”
Distraidamente, sempre eu distraidamente, sento-me no alegre banco de jardim acabo de nascer, as ripas de madeira como se existisse entre eu e elas um pedaço papel-químico, transportam-se para as minhas agastadas calças de ganga, velhíssimas, e robustas, como os petroleiros que atravessam o Tejo e depois acabam por se esconder num qualquer bar de uma ruela inconsciente da Lisboa perdida numa simplificada folha de papel, queixavas-te dos sons nocturnos das asas em voos rasantes das gaivotas embrulhadas em fome, sede, e falta de dinheiro,
Ouviam-se os sucessivos suicídios dos cigarros de enrolar contra os rochedos,
Como as árvores quando desistem de viver,
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”, (NÃO SEI SE CONSEGUIREI SORRIR DEPOIS DE LER O JORNAL), e ela acredita na ressurreição,
GIGI olha-nos, GIGI grita-nos, GIGI deita a cabeça no teu colo construído de verdes e iluminados pensamentos como uma candeia a petróleo que encontramos dentro da parede da cozinha, quando, alguns meses antes da nossa partida, no interior da espessa parede de xisto ela esperava pelo teu sorriso, e pergunto-me
Porque todos e todos necessitam do teu sorriso apenas meu? (saberá uma rosa o que é o amor e o quanto ele é fodido?), e
E,
(Das raízes dos teus olhos, há o vento campestre, triste, e ausente, há as campânulas de silêncio embainhadas nos sabres lentos da insónia, há, havia ontem palavras por escrever, escritas depois da montanha em sonolência começar a descer, a descer, a descer como descem os corpos embalsamados que poisam nos jardins sem secretismos lábios em beijos, ou), ou GIGI transformar-se-á em estrela de luz com olhos de papel de muitas cores, ou, eu, com mandíbulas de aço inoxidável roubo a lua
Ofereço-te-a,
Ou
E,
Peço aos trapezistas das noites ausente de ti, e procuro-me dentro do teu corpo liquefeito, que a fórmula da paixão escreve-se nos muros finos e altos entre os edifícios da cidade velha, há ruas com reumatismo e ensonadas com pingos de asma, há ruas com dores diversas nos diversos ossos em diversas noites, de diversos dias, quando as semanas se escoam como líquidos termodinâmicamente estáveis, e sinceros na esbelteza das asas de cartolina de uma mulher escondida numa das ruas anteriormente descritas, como as ratazanas, e há ruas como há pássaros, há crianças como há cadáveres, na minha nossa velha cidade com telhado de areia,
E procuro-me no interior de um círculo de coxas com cubos de púbis, geometricamente a manhã acorda só para nós, mas ambos sabemos que a falsidade habita no exterior de uma janela de vidro, sobre um telhado de zinco, no quinta juntamente com pedaços de capim, húmidas pedras em húmidos orgasmos entre as palavras e os desenhos pintados nos teus seios de amêndoa,
Ou
E,
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”,
(E procuro-me dentro do teu corpo liquefeito, que a fórmula da paixão escreve-se nos muros finos e altos entre os edifícios da cidade velha, há ruas com reumatismo e ensonadas com pingos de asma, há ruas com dores diversas nos diversos ossos em diversas noites, de diversos dias)
Como o amor das rosas em papel.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Seda amanhecer


Procuro-me dentro de ti
como se fosse uma simples fatia de bolo
penso nas indecisas chamas da lareira acesa
e entre nós
começam a sorrir as acácias e os crisântemos
e cada pedacinho de mim
saltita como uma gota de água
em prazer
deslizando na tua pele
e sinto-me em perfume
dentro do teu corpo
como a fome insaciável das tuas mãos de seda amanhecer.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Três imagens com sabor a preto e branco

Hotel da Torre. Novembro de 2004.
Abro a janela, é madrugada e não vejo o sol, fumo os meus primeiros três cigarros matinais, um ritual que eu acreditava que só terminaria quando eu morresse, até ao momento não morri, e perdi o ritual dos três cigarros, como perdi tantas outras coisas, ao longe oiço o soluçar do Tejo quando é invadido pelos olhares dos mendigos, descem alguns automóveis a pequena calçada até ao jardim, está escuro ainda, dormes, embrulhada num lençol branco bordado a rimas com sabor a saudade, volto a olhar através da janela, os poucos automóveis, as poucas pessoas, as poucas gaivotas, de um Sábado de Novembro, começam vagarosamente a acordar, de soslaio olhas-me e perguntas-me
Que horas são, meu querido?
Finjo estar também a dormir, encostado à paisagem, e respondo-te que são cerca das sete horas e que o dia está lentamente a acordar, só e triste,
Viras-te de encontro à sombra ténue da projecção da vidraça na parede do quarto, deixas, lentamente, cair a cabeça sobre a almofada de areia que trouxemos do mar, e voltas a adormecer, docemente, como as nuvens que se avizinham, e que repentinamente estão sobre nós,
(preciso de dizer-te que será a última noite nos teus braços),
Covardemente não o faço, não o digo, e vou acendendo os cigarros últimos que restam dentro de uma caixinha de madeira, deixar-te um bilhete sobre a mesa-de-cabeceira? Nunca o faria...
Uma picareta se sonho invade-me e absorve-me, encerro a janela, e de um duche rápido, desço as escadas e apronto-me para mais um dos meus rituais, os meus dois primeiros cafés do dia, um Sábado de Novembro, triste, encharcado com as plumas da noite anterior que aos poucos tinha terminado, e eu sabia-o, e eu sempre o soube
Que era o último Sábado de Novembro,
E fique sentado numa mesa de café a olhar a luz ofuscante do começo de uma manhã entristecida, cansada, e sem vontade de regressar ao Hotel da Torre, mas regressei, e depois despedi-me da tua eterna sombra no meio de um feira de velharias, disse-te adeus, e apeteceu-me comprar um chapéu dos militares da antiga URSS, não sei porque o não fiz.


Belém. Setembro de1971.
Do outro lado da margem, sentado no chão e de pernas cruzadas, um militar vestido com roupa civil fumava cigarros e olhava longínquo o rio acabado de adormecer, começava lentamente a descer a noite sobre uma Lisboa escura, triste, uma Lisboa onde os machimbombos se chamavam autocarros, onde tantas outras coisas se chamavam tantas outras coisas, uma Lisboa à espera de um miúdo com hábitos de brincar debaixo das mangueiras, um miúdo que acreditava que os papagaios de papel eram jangadas de vidro com ventosas para as mulheres (crescidas) colarem no pescoço, um miúdo, um miúdo encavalitado nas grades de um navio prestes a encostar-se ao Terminal de Cruzeiros da Rocha de Conde de Óbidos, um miúdo dentro de uma caixa de madeira com destino aos socalcos do Douro,
Um miúdo com saudades do mar, e das tardes com os cheiros da terra húmida e do capim depois das chuvas.


Belém. Agosto de 1987.
Diziam-nos que a morte era um telefone com linhas cruzadas, marcava o respectivo número e do outro lado da linha, sempre, quase sempre, uma menina com voz de cravo vermelho dizia-me
Peço desculpa, mas deve ser engano,
Engano, questionava-me,
Engano como?
Se tinha sido este o número que ela na noite anterior escreveu num pedaço de guardanapo, que eu, que eu fiz questão de guardar religiosamente na algibeira, juntamente com os cigarros e o isqueiro, e as poucas moedas que sobejaram, como
Como engano?
Ouvia-as passearem-se no distante corredor, e fica na dúvida
(serão ratazanas ou estou a sonhar?)
E percebi que não estava a sonhar quando uma noite, muito avançada, regresso de um voo nocturno e vejo um camarada meu com uma ratazana espetada na ponta do cabo de madeira de uma vassoura a que tinham subtraído um pedaço de madeira, ela balançava, esguichava, estrebuchava, até que
Morreu sem perceber que a morte é um telefone com linhas cruzadas.


Hotel da Torre. Novembro de 2004.
Depois de observar durante alguns longos segundos o chapéu de um antigo militar da EX-URSS e que acabei por não comprar, pensei
Quem, imaginei um louco sempre embriagado com vodka com aquele chapéu na cabeça, pensei nos berros os oficiais também eles embriagados, pensei nos campos de trabalhos forçados na Sibéria, pensei
Não pensava,
Desculpas para me esquecer da tua partida, depois quis comprar um pequeno cachimbo de madeira, peguei nele, manuseei-o como se fosse uma peça de porcelana em risco de ruir, e com todo o cuidado lembrei-me de quantas bocas tinham aprisionado o bocal, achei um nojo e acabei por me virar para uma pilha de livros, velhos, muito velhos, depois
Pedaços de latão em imagens a preto e branco, soldados com braços de prata e línguas mergulhadas em sexos murchos quando a penumbra das sílabas entra pela janela, e
Apetecia-me esquecer-me, apetece-me esquecer
Que aquele Sábado de Novembro de 2004 nunca existiu, como nunca existiu o Setembro de 1971, nem o Agosto de 1987,


Alijó. Fevereiro de 2013
E hoje,
Não sei se algum dia existiu um cidade chamada Lisboa com um rio de nome Tejo e um local lindíssimo com o nome de Belém,
Duvido.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

E depois?

Desenho letras no muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tenho medo, pergunto-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
Poisadas nos mamilos da sede, sem que eu perceba onde fica o bosque, e a canção que é filha do bosque, e os pássaros, e os restantes muros
Desenho letras nas tuas coxas, e tenho o medo, e a vaidade, e tenho o sentido que não sinto, e depois, sento-me sobre o papel amarrotado das tardes violentas que os segredos do Inverno inventam nas tuas pequenas mãos, tenho pena
Dos teus ínfimos dedos, esbeltos, finos, e transparentes,
Como a água dos rios sem nome, sem destino, livremente correndo até ao mar, correndo, correndo, regressando os pinheiros mansos das eternas manhãs sem vidros nas janelas que têm visão nocturna para as rochas tuas coxas, aquelas
Onde desenhas letras? Exactamente, meu amor, essas mesmo, um muro de carne e sedução, curvadas à direita, e à esquerda, embebidas às vezes, ou sempre, no desejo infinito coração com sílabas de pétalas agrestes, como os livros tristes e cansados dos homens sem nome, sem vida, sem viabilidade económica, sós, e abandonadas
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas, e algumas delas, poucas, que se escondem nas pedras pequeninas dos teus dóceis dedos de fio iluminado pelos lábios da lua, escrevo as letras que desenho nas tuas coxas, preocupo-me, muito, e pergunto-me
E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?
Gostava das tuas mãos quando me desenhavam letras nas minhas coxas, recordas-me as árvores da nossa infância, a minha, a tua, separadas por um muro alto e fino de cimento armado, eu atirava pedras para o teu território, tu, mais amoroso, atiravas-me rosas em papel, uma tarde, furiosa, eu, parti-te a cabeça com uma pedra, fiquei triste naquele momento, depois, durante a noite, sorri, sorri, sorri até que percebi o que era o amor, a paixão e as pedras não serviam apenas para partir cabeças de meninos mimados, filhos únicos, as pedras também serviam para eu perceber o que era a paixão
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas,
E,
Invejava a pontaria da avó Silvina e do tio Serafim, lançavam pedras e caiam estrelas do céu, ao revés, eu, lançava uma pedra contra uma árvore (alguém durante a noite escreveu EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989) onde brincava um pássaro, e partia o vidro da janela da escola, nunca, nunca tive jeito para o lançamento de pedras e para jogar à bola, e meu Deus, Meu Deus... quantos vidros estilhaçados, quantas espigas de milho esmigalhadas, mas estrelas, não estrelas, nunca tive uma estrela, e por quem?
(E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?),
E invejava as letras desenhadas nas coxas que fugiam como os barcos, leves, com o vento, escorregadios como lânguidos gemidos de orvalho, sentíamos as luzes dos livros embrulhados nas tristes maçãs da macieira do quintal, e subíamos pelas escadas da insónia até chegarmos ao varandim com janelas de sangue onde às vezes dormiam os vampiros, os verdadeiros, aqueles que nos chupavam o sangue antes de adormecermos, os mesmos, aqueles que nos roubaram os sonhos, e sempre belas as fotografias a preto e branco, e um dia, desceremos das nuvens, vamos calçar os sapatos com biqueira pontiaguda e com salto alto que deixamos junto ao Tejo, e talvez, e talvez sobre uma mesa estacionada num dos bares de Cais do Sodré, EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989, desça de uma árvore de casca grossa, difícil de decifrar, como as equações com integrais que resolvíamos sentados num banco de jardim, debaixo de uma...
E sobravam-nos, não poderei dizer sempre, mas quase sempre,
Letras do muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tinha medo, perguntava-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Libertação


Liberto-me das flores
dos espinhos em sítios distantes
como os amores
os amantes
liberto-me das pedras falantes
dos gritos distintos e ausentes
liberto-me dos corpos húmidos das manhãs de Primavera
como sempre ontem adormecia no teu colo imaginário
e tão bela
ela
dentro do aquário
como os lábios de um louco milionário...

Liberto-me das palavras não me pertencerem
e das asas as gaivotas enlouquecerem
liberto-me sem perceberes que sou louco e apaixonado
pelos livros com braços abraçados
e pelos livros com os olhos cansados
liberto-me da noite solitária entre o mar e o barco ancorado,

Liberto-me da ceia
infinita seara de mendigos com cerveja
liberto-me da cereja
dentro de um pão
que semeia
a triste ilusão
de um pobre coração
acreditando acreditar nas janelas de vidro do casarão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Inventaste-me o sono das noites de água

Inventas o espelho, e o caixilho onde dorme o espelho, inventas o prego, onde penduras o espelho, e a parede, inventada por ti, inventas a sombra que escurece o espelho, onde te olhas, onde fumas, o cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, a água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se os sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida com as roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos,
Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços e as pernas depois de me usares,
Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e começava a clarear o dia, inventavas
Descobri tardiamente
Que inventavas os dias só para mim, como o jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma simples instalação eléctrica, e com alguma picadelas nos dedos de areia
Descobri tardiamente que não tinha jeito para invenções,
De areia como as línguas de fogo que começaram a descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a morango do rio, a cidade ia ficando-se
Como tu antes de inventares esse maldito espelho onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça uma pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e
Saltitava-lhe da voz
Todos Todas Adivinhos,
A rouquidão do prazer quando os mamilos da Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido, delata, e um olho em xisto, E
E
Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões sem as palavras que tu
(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede, inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos),
Inventavas os diários de prata, de uma cigarreira simples, modesta, honesta, uniformemente acelerada, como o movimento dos teus olhos depois de fazeres O Amor,
Esquadro, Régua, Lápis e Borracha, Uma folha eterna de papel
E o dito O Amor deixa as marcas de sujidade nas nuvens dos céus tempestuosos da cidade envergonhada, a casa
Treme, o teu espelho
Recordas-te? Aquele, o inventado por ti...
Esboça pequenos círculos de Ilhas embebidas em vulcões e andorinhas selvagens, e vêem-se os distantes rochedos onde deixavas as minhas cartas, e depois, de mastigares todas as minhas palavras, inventavas-me entre os pilares de açúcar e o medo das noites com lâmpadas quadradas nas paredes de vidro dos tectos falsos das gargantas das mulheres apaixonadas, pelo vento entravam todas as manchas de óleo e os pedaços de saliva, que o mar, do outro lado da cidade, cuspia contra os táxis e os barquinhos de papel com desenhos de flores e casinhas castanhas com uma árvore negra, hoje, logo hoje, perdi as palavras dos teus cabelos
Castanhos,
Negros,
Azuis quando desces à fundo do Oceano,
(de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada), e vinte e oito anos depois, a morte, a morte trouxe-lhe o sossego, a morte trouxe-lhe a paz, a morte trouxe-lhe o encantado quarto enfeitado com verdes panos e lilases veludos que a mesma morte tinha comprado em São Tomé e Príncipe, e descansasse na Paz dos Anjos,
Como qualquer espelho inventado tem direito.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Manhãs sem rio

Um compartimento exíguo, aquilo que me define, o que sou, milímetros quadrados de nada, sem janelas, portas ou madrugada,
Do meu soalho, com algumas ranhuras, vê-se o sol, e facilmente se percebe que eu, ou seja, o meu compartimento está invertido, rodado cento e oitenta graus, talvez durante a noite, talvez quando acordou o dia, talvez
As portas sem madrugada,
Ou
Corações sem nada, simples, mistos, entre fios e hastes helicoidais, animais de estimação e um cão, com voz rouca, sofrendo, as mentiras de uma infinita palavra, começada por hoje e terminada em...
Nada,
Ou,
Do meu pobre soalho vejo além do sol, o rio das lágrimas doiradas, vejo também as desorientadas luzes dos dias que construíste sem a minha autorização, rodeaste-me de mentiras e falsidades, de equações do terceiro grau, as incógnitas desapareciam entre o papel quadriculado e o lápis de desenho, e percebi que não tinha jeito para ser engenheiro, nem letrado, nasci para ser um ser desprovido de tudo, eis a única felicidade de mim, não ter, não ser
Nada, madrugada, corações sem nada, sobre os pinheiros iluminados pelo perfume doentio das manhãs sem rio, e o cio?
O que tem o cio?
Tem frio?
Ou, também ele, como eu, um ser desorganizado, indiferente ao perfume com sabor a nafta dos barcos de papel quando atravessam a estrada ziguezagueada das loucas locomotivas que os pássaros deixam cair sobre as cabeças empastadas de laca
E às vezes
Sinto-os,
Sobre mim,
Ou
Também eles, como eu, um ser desorganizado e sem destino à vista, com uma previsão de sucesso de zero vírgula zero zero um por cento, fantástico, fascinante, e descubro que é mais fácil levar com um parafuso de um satélite na cabeça do que acertar na combinação correcta do euro milhões, sobre mim, tudo bem, análises normais, radiografias normais, e tirando a insónia dos teus olhos sempre suspensos no tecto do meu quarto, eu diria que
Sou um ser humano normal, feliz, sucessivamente a tropeçar nas pedras invisíveis que as palavras arrumam dentro dos caixotes de lixo semeados pelas ruas estreitas e largas da cidade com garganta de vidro e um simples olho de diamante lapidado pelas mãos de uma linda e nobre flor,
Estupidamente
O teu Príncipe imperfeito, sem jeito, nem afeito, como os camelos encalhados nas ruelas do deserto, uso um capacete de fibra de vidro para me proteger das possíveis agressões das gaivotas revoltadas com as minhas palavras,
(por isto da escrita nem sempre agradamos a todos, e tenho recebido algumas queixas, poucas, de gaivotas, alguns barcos de recreio e de um livro que vive atormentando-me, veja-se que ele quer passar à frente da lista de espera, quer isto dizer, nada, que a madrugada, existe para me obrigar a sair da cama, e que a noite, existe, para me obrigar a olhar os olhos suspensos da flor linda que alguém inventou para mim),
Gostava de ti e nunca o disse, por algumas flores são como os versos entrelaçados nas rimas com preguiça, enrolam-se nas ervas junto à eira de Carvalhais, e depois, depois descem até conseguirem rodar o meu exíguo compartimento cento e oitenta graus, e através do meu soalho,
O sol é uma miragem, e através dos buracos do soalho consigo com a minha mão acariciar o mar, e as algas com sorriso de amar, porque às vezes, o amor
(Não é só fodido – livro de Miguel Esteves Cardoso)
O amor pode causar danos irreversíveis no seu coração de areia, seu, meu, nosso, o deles,
De todos os corações,
De todas as cores, de papel, plástico ou vinil, todos
Eles,
Encalhados nas profundezas das aranhas com sete patas de alumínio e com asas de casca de amêndoa, dinamicamente nas algibeiras das equações quando as calças de cetim se rompem com a força do vento, depois vem a estática, e as equações parecem beijos moribundos e desenganados pelas ardósias das tardes junto à lareira, e assim
Vai andando sobre rodas, o amor e o desejo de amar,
Como o relógio de bolso, o meu, que me espera sentado na prateleira da minha estante na companhia de alguns livros, cachimbos, e meninas de sorriso loiro,
E confesso
Não me apetece pegar-lhe.

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A paixão dos peixes


Procuro-te sabendo que não existes
e que pertences às palavras mórbidas
que as noites de Inverno inventam
e fazem-nos sonhar
que amamos a chuva
e o luar,

Procuro-te entre os muros pintados de branco
com letras negras
e flores amarelas
procuro-te sem perceber porque te escondes de mim
e escondes as cartas abstractas que deixamos adormecer na saudade
dos pinheiros mansos do recreio da escola,

Procuro-te sabendo que te escondes das ditas conversas de café
quando uma simples mesa com pernas de madeira
tropeça nas sílabas divinas que o teu corpo transpira
e lança contra as lindas e amargas moscas de incenso...
as varandas do eterno amor desejado
e perdes-te de mim sem perceberes os destinos adormecidos do sangue,

A carne apodrece
e os ossos do amor nas tuas mãos envergonhadas
que Deus deixou para mim à porta do abismo sonho
e uma dor apodera-se do meu peito submerso na paixão dos peixes
há pontes entre nós incompletas defeituosas e ausentes
como todas as histórias,

Como todos os sinceros morcegos das noites quentes
caem as estrelas sobre o mar
e comem todos os barcos de amar
e dizem que eu procuro fantasmas
nas letras cansadas do muro pintado de branco
como as coisas belas do teu corpo inexistente triste ausente,

Todas as pedras do amor com flores de vidro
procuro-te sabendo que pertences às sombras infinitas das equações diferenciais
mesmo sabendo que poderás estar dentro de uma integral tripla
não sei
se algum dia pegarei na tua mão
e numa ardósia de fim tarde escrever – AMO-TE.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Às paredes e às teias de aranha porque dançavam os meus desenhos

Ouvia-o nos meus sonhos, desligava-se a noite no interruptor dos sentidos, acendia-se um cigarro que às vezes deixava solitariamente sobre a cómoda, o isqueiro, algumas moedas, poucas, sempre, e ouvia-o dançando na atmosfera helénica dos versos amarfanhados pelos vómitos das plantas cansadas de sofrer, choravam, todos, às vezes ouvia-o
Ouvia-os,
Choviam,
E eu,
E eu, eu ouvia-os dançando como pássaros anti-tempestade, tracção às duas rodas, asas de liga leve, dentes cromados com suspensórios de couro, e eu
Ouvia-o,
Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama uma árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence, porque as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração) porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não têm saudades, não sabem o que é o amor, e
Ouvia-o, ouvia-os,
Não sei,
E os bonecos de borracha dificilmente se constipam, dificilmente se revoltam contra os governos democraticamente eleitos, não sei, mas nos meus sonhos havia um desejo indesejado de voar sobre a terra queimada, aprendeu matemática e começou a escrever, e começou a desenhar, e começou a descambar
Como eles e elas,
Contra as paredes invisíveis que os outros bonecos, os de palha, construíam nas noites de lua cheia, e eu
Ouvia-os,
Dançando abraçados aos meus míseros cigarros com olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade para todos, gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje
Os bonecos de palha são escuros, interinos oficiais das histórias de uma cidade desaparecida, eles são os guardiões das portas secretas dos amores proibidos, amem-se livremente
Como se amam os barcos e as flores e as gaivotas e os papagaios de muitas cores,
Mas
Amem-se, não como eu vos amei, mas amem-se como os ouvíamos sobre a cómoda em busca de um silêncio submerso nas palavras ditas em dias de quinta-feira, amem-se
Mas
Ainda hoje,
Ouvia-os,
Ouvíamos (Dançando abraçados aos meus míseros cigarros com olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade para todos, gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje) os, ouvíamos os homens que queimavam os bonecos de palha que se recusavam a simplesmente a acenar com a cabeça, ora elevando-a, ora, ora baixando-a
E eu perguntava-lhes
Custava seus palermas palhaços bonecos de palha? Custava-vos alguma coisa dizerem que sim desenhando uma vénia no ar com misturas de vapor de iodo e sal marinho, Custava-vos seus palhaços cabeçudos?
E que sim, que sim, simplesmente
Sim,
E ela perguntava-lhes
(Desisto de perguntar às paredes e às teias de aranha porque dançavam os meus desenhos que deixei nas paredes de uma casa, num bairro, em Luanda),
E ela perguntava-lhes se sabiam que os sonhos
Sabiam que os sonhos são pedaços de papel com códigos indecifráveis como as matrizes complexas e indesejadas pelos saudosos bonecos de palha, porque os de borracha, esses, quase sempre eram imunes às conversas sobre o amor e a paixão e a noite das noites com sabor
A limão,
E cerejas dentadas como as rodas recheadas com mel e aço inoxidável,
Dos beijos, dos vapores camuflados que habitavam as esquinas assombradas das casas sem janelas, e ouvíamos
Dançando, gritando,
As palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje,
Os relógios sem vontade de dançarem,
Dançando, gritando,
(Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama uma árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence, porque as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração) porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não têm saudades, não sabem o que é o amor, e)
Também eu, também eu não sei o que é, o que são.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Cachimbo de Água em destaque - Sapo Angola


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sílabas ósseas das palavras de vidro


Quando o amor emagrece
e morre
entre as sílabas ósseas das palavras de vidro,

Quando entro em casa
quando tenho casa
e morto
ele
confessa-me que a tristeza o emagrece
e o amor enlouquece
um boneco de palha com sorriso de veludo
cansaço,

Ele consulta o cardápio dos desejos
e não encontra abraços
nem beijos,

Desiste
e esconde-se no interior mais secreto de um cilindro de madeira
ele procura
não encontra
a carta bela do amor morto
sem saber
desconhecendo
que as nuvens são apenas gotinhas de água em desilusão
prestes a cair
sobre as flores mais distantes dos jardins da morte
ele suspira
e emagrece nas mãos das sílabas ósseas com palavras de vidro...

(desistes assim?)

O Comboio Fantasma

Um pouco tarde para quem acaba de perder a casa, a vida, os olhos livres que mergulhavam nos lábios sangrentos dos telhados de vidro, um pouco ou nada, ou tudo, porquê? Muito perfeito como os diamantes das cansadas videiras sobre as mesas de xisto com vista para o rio Douro, cansei-me deste rio tristemente aprisionado numa fotografia esquecida na parede da cozinha, lá fora, há um distante silêncio que atravessa as lâmpadas incandescentes dos braços da água, aos poucos, poucos, quando chegas a casa e eu tristemente, aos poucos, lá fora, esperando o desespero de uma sandes de queijo com azeitonas e vinho, um pouco, tarde, perde-se a vida crescida nas leituras litúrgicas dos candeeiros a petróleo, gargantas ocas que flutuam no susto meteorológico das dentaduras com sílabas de prata, e quando percebíamos, ouvíamos um pigmeu cambaleando nas pedras desordenadas da calçada, um
Hoje vi a mais linda flor dos meus últimos minutos de silêncio junto a um chafariz, por sua vez, este, junto, a uma árvore, por sua vez, todos e ela inclusive, no centro de um largo com cerca de três metros e cinquenta centímetros de Raio, talvez mais, ou pouco, um
Ou dois, o chafariz e a árvore, esperavam o autocarro, a flor, provavelmente esperava pela minha passagem, todos os dias, uma vezes vou como sou, outras disfarçando-me de vento, mas vou, e passo lá, e vejo-a, com sete pedras em placas finíssimas como o fios de geada pela madrugada, o telegrama esperava-me, e ela olhou-o como se ele fosse um pedaço de aço aos tropeções pela cidade dos anjos caídos, mortos de cansaço como as pessoas de bom senso, dizem que estou mais mal educado, pudera, um
Não percebi,
Onde estão os sonhos prometidos? Não sou rapazola para fazer promessas que não posso cumprir, e as cumpridas vontades do povo encurralado nas compridas camas espalhadas pela montanha do círculos com árvores e chafarizes no centro, em redor, uma
Flor linda com pétalas de cristal, estava só e provavelmente esperava o autocarro da carreira, ou, pela passagem do machimbombo da catorze horas, um rua curva, estreita, como os seios metafóricos das tuas palavras em ressonâncias magnéticas, oiço-os quando viro levemente à direita, e sinto, sei que da esquerda, um
Comboio fantasma alerta-me que no final da linha, quando chegar ao apeadeiro em ruínas, um
Círculo, uma árvore, um chafariz e uma flor, sem que eu perceba, o que é uma flor linda com pétalas de Cristal, o que faz ali, porque está ali, de onde é e para onde vai, se se pode saber, sem o descaramento de o Cristal das pétalas estilhaçarem-se, e os braços da prata geada solidificarem-se, sós, como todos os dias quando chego ao final da linha, poiso os carris sobre a mesa, e da marmita oferecida pelo Excelentíssimo Senhor D. Joaquim Francisco de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia, os meus pais diziam-me
Cumprimenta o Senhor,
(e eu comprimentava, e eu fingia-me de morto para não ouvir as preguiçosas mangas de camisa do dito Cabrão que todos os dias fazia questão que eu, quando estivesse no alcance do seu mais secreto círculo, me humilhasse, me
Boa tarde Excelentíssimo Senhor D. Joaquim Francisco de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia, e ele umas vezes parecia um pedaço de rocha, outras
Vai com Deus meu rapaz, vai com Deus),
E educadamente cumprimentava o dito Cabrão com olhos de açúcar e recheados com amendoins importados das ex-colónias nunca nossas, como aprendíamos na escola, como aprendi com outro rapazola que a terra de facto é de quem a trabalha, mas o fruto, esse, pertence a quem o colhe, sempre foi assim, é assim com os pássaros negros dos finais de tarde, foi assim com os pedaços de cartolina onde eu desenhava laranjas e limões, e cidades como petroleiros flutuantes antes de regressarem os loucos ruídos das noites embebidas em pequeníssimos círculos, curtos, curtos cada vez mais, até que a árvore e o chafariz e a linda flor com pétalas de Cristal, apenas um
Ponto,
Final
Sem paragrafo.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Um sofá com pele cuticular

Pilotavas corações nos jardins suspensos da Babilónia, às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as searas de sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de gelo que desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos homens prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas sobre as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos, dormias como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata, não respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste,
Não havia em ti uma simples corrente de ar que se erguesse dos teus olhos, não havia em ti um aparo à espera de uma caneta recheada com tinta e uma maço de papel mata-borrão, E triste, dizias-me tu quando eu acordava do meu sono longínquo que me levava a atravessar as loucas montanhas do sono,
Triste não haver em nós uma corda de luz enrolada numa janela de mar com periscópio para observação da cidade dos quatro tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas palavras entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em nós
Eu, tu e ele, Tristes
Um sofá com pele cuticular espera-nos para se alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos, são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva com olhos mórbidos, também eles
Tristes, como nós, Eu, Tu e Ele, e todas as árvores de prata,
Também eles, todos, os habitantes dos jardins suspensos da Babilónia na expectativa de uma nova revolução entre palavras e canções, pedaços de cartão alimentavam os cobertores daqueles que sem casa, iam vivendo nas ruas com edifícios de sofrimento, e quando lhes perguntávamos se eram felizes
Que sim, muito, como nós, Eu, Tu e Ele,
Como nós ao acordarmos e as lâmpadas dos candeeiros poisados sobre as mesas-de-cabeceira, todas, fundidas, sem seguro e inspecção periódica, às vezes, o corredor, é literalmente abraçado a uma coima simbólica por parte de um sombra com braços de cinza, o excesso de velocidade, fatal, contra a porta da casa de banho, de um pequeníssimo postigo de morte, três costelas e um pulmão queixam-se do fumo das plantas que fazem sorrir os homens que pilotam corações de chocolate que vivem nos jardins suspensos da Babilónia, felizes
(Um sofá com pele cuticular espera-nos para se alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos, são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva com olhos mórbidos, também eles), abrem-se as carapaças dos submarinos encalhados nos bancos de areia, à escotilha, um homem e uma mulher e uma criança (não tivemos tempo de determinar o respectivo sexo e a idade), provavelmente do sexo masculino com cerca de seis anos, cor da pele (não determinada), olhos (com a distância não nos foi possível verificar a cor dos olhos), e sem qualquer dúvida trazia ao nível dos ombros um par de asas azul marinho, como os sapatos de verniz que o tio Francisco lhe tinha oferecido, eles, os três orgasmos de sémen perdidos na ocidental praia das línguas de serrim, Tristes, todas, e todos
Esperavam,
Acordavam,
Inseminavam,
Um sofá com pele cuticular sobre os joelhos da cansada nuvem em descidas bruscas dos céus pintados de fresco nos bancos de madeira debaixo dos plátanos-poemas que escrevíamos antes do jantar, triste não haver em nós uma corda de luz enrolada numa janela de mar com periscópio para observação da cidade dos quatro tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas palavras entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em nós
Eu, tu e ele, Tristes
O cio mergulhado no rio Xisto, barcos de medo pendurados nas janelas viradas para a seara de gelo, nuvens poeirentas nas abraçadeiras das pernas dos pássaros e flores livres entre os corações avermelhados que o saudoso amor engolia nas profundas goelas de saliva que a paixão deixa ficar nas mãos dos pequenos livros de poesia, ontem
Eu, tu e ele, Tristes
Numa cidade de madeira, e
E
E às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as searas de sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de gelo que desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos homens prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas sobre as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos, dormias como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata, não respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Não falando nas noites

Um livro esquecido sobre uma mesa de vidro, os olhos tristes da gaivota quando sobrevoa o oceano acreditando que as horas são pedaços de papel à deriva no mar desenhado na areia por uma menina com lágrimas de vidro em frente a um espelho de pano, dividia-me entre manhãs de desencanto e tardes de loucura, não falando nas noites
Ternura,
Pintávamos os nossos corpos invisíveis com acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos
Vocês são a noite?
Dizíamos-lhes que sim, claro, porque ter medo, vergonha, dizíamos-lhes que éramos a noite disfarçada de janelas com vidro duplo, cortinados de açafrão, e na porta de entrada para a gaveta onde guardávamos os pincéis, as tintas, as telas, a mãe das telas, e os filhos das telas, desenhos, construídos, em construção, alguns desmaiados e à espera da chegada do 112, outros
Amarfanhados como ervas daninhas recheadas de restos de cigarro e pólen de haxixe que saboreavam os desassossegos lábios das abelhas revoltadas contra as árvores do recreio, as tuas lágrimas de luz morriam como morreram todas as coisas que amei, os livros, as crateras dos desejos secretos quando a noite me vinha buscar e eu sentia-me transportado para dentro do teu coração de aço, outros
Sem vida, já, estendidos pelo corredor, o cheiro putrefacto da tela misturada com a tinta, um cadáver de quadro sem tecto, morada, destino, ou vida, pindérico pequeno-almoço que me serviam na enfermaria e eu sabia das lágrimas circulares depois de lhes calcular a área e o respectivo perímetro,
Qual é o perímetro de uma lágrima?
Partindo do princípio que as lágrimas não são círculos, porque têm volume, e que o perímetro de uma lágrima calcula-se elevando a tristeza ao cubo multiplicando pela cor dos olhos
Qual é a cor dos olhos dela? Verdes, verdes, tem a certeza?
Então diria que o perímetro da lágrima dela é de três vírgula catorze verdes searas lineares...
(Pintávamos os nossos corpos invisíveis com acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos), se éramos a noite disfarçada de noite, tu, respondeste-lhe
Não, nós somos a noite disfarçada de amor, com beijos, com asas, com vento e palavras parvas, com tardes cinzentas, horas embebidas em ponteiros de relógios suspensos nas teias de aranha das madeixas dos limoeiros da dona Aninhas, do galo que não se cala, todos os dias, rabugento, enferrujado, rouco como os cigarros de arame, tristes, tristes as tuas mãos com silêncios em penas amarelas, verdes, azuis, encarnadas
Pareces um palhaço com ventoinhas nas pernas e embrulhado num tecido quadricolor, depois tiveste o azar do teu hipercubo se apaixonar por um gato, o gato mordeu-o e o hipercubo fugiu, depois veio-te a carta do tio Hilário a comunicar-te que Venho por este meio informar Vossa Excelência que os livros da prateleira número três, rés-do-chão – Direito, por minha morte, pertenceram à Biblioteca Pública da Aldeia das casas de vidro
(Que se foda o velho, nunca gostou de mim..., que meta os livros pelo rabo acima)
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário, do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessa,
Quero lá saber da paixão do meu hipercubo por um ranhoso gato, mimado, filho único como eu e maluco, como diz o povo, ai o povo diz tanta coisa
Só não diz às vezes aquilo que devia dizer,
Como a gaveta mortuária onde dormem as telas mortas, como a gaveta dos sonhos onde dormem um par de chaves e uma lanterna, como
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário, do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessam,
Como será um hipercubo loucamente apaixonado por um gato? Consegues imaginar?
Claro que consigo
É como nós,
Um dia é verde, outro dia é encarnado, e às vezes alterna entre o azul e o amarelo, e nunca, e nunca elas se queixaram por eu não saber calcular a área, o perímetro ou o volume de uma simples lágrima, porque o segredo está
No coeficiente de tristeza.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque no Sapo Angola


(Trinta e seis cachimbos e uma secretária)

blogue Cachimbo de Água em destaque no Sapo Angola

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Luas noites


Me encantam as luas noites
que desenhávamos na areia húmida do segredo nocturno
me encantam os sonhos circulares com olhos de vidro
que tínhamos sobre a mesa-de-cabeceira
me encantam as tuas doces mãos tórridas
que ancoravas no meu pescoço
trémulo
frio
longe do sol
me encantam as labaredas dos teus lábios
incinerais como as algas que procuravas no mar da ausência
me encantam as sílabas encarnadas dos teus seios minúsculos,

Me encantam as lagoas azuis do teu púbis metamorfoseado pelas tempestades de xisto
como as cinco palavras secretas do abismo
me encantam as flores que se suspendem nos ambíguos olhos da solidão
amorfos
embebidos nos transeuntes de pano que habitam a cidade
me encantam as sebentas que a floresta esconde nas algibeiras da madrugada
sem saber que o frio engorda as asas dos pessegueiros
e o calor emagrece os ramos dos pássaros
me encantam as laranjas que transformas em sumo
néctar de oiro com pulseiras de plátano adormecido
me encantam as tuas tristes lágrimas de sabão
quando descem dos telhados de vidro as salmonelas embalsamadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Trinta e seis cachimbos e uma secretária

Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer, desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu, colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos, artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco, louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Equações do silêncio


Laços olhos
simplesmente partilhados
entre maços de palavras
e de vidro telhados
vêm as marés às manhãs teus lábios

nos cansados pães de açúcar
entra o mar pela porta secreta do homem vestido de negro
com um cinto de prata
e preso na boca
um cigarro de lata

como as letras das indesejadas equações do silêncio
porque o teu coração
espera a minha mão disfarçada de jangada
atravessas o rio
e em nada

a minha madrugada
cinco palavras escritas numa parede
à tua espera
como as cigarras noites de Primavera
como as poucas viagens das drageias de solidão

do outro lado da rua
um comboio vestido de paixão
com um ramo de flores e uma triste pétala nua
que os carris comem os sorrisos da lua
e brincam às palavras cegas

jogam à macaca
com riscos de seda no pavimento de cimento
parecem pássaros de heroína
na algibeira do vento
sem hora de regressar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Mínimos fios de oiro

As diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que
Deixei de saber, os anos atracam-se-me como correntes de aço, roubam-me os poucos sonhos que ainda restavam ao meu cadáver corpo de madeira prensada, e também existe o problema das asas de alumínio, os parafusos roucos devido às noites que passei sentado nos bancos de jardim à espera da menina do circo, e nunca mais chegava, chega, até que o arame que ligava as duas margens partiu-se em bocadinhos, centímetros de arame que aconchegadamente podem eternamente viver dentro da minha algibeira,
Tens saudades minhas? Respondia-te que não fingindo, porque sempre tive saudades dos caixotes de madeira, das moscas com muitas patas e asas transparentes, porque sempre tive saudades das pontes, dos teus cabelos de fio doirado e corpo magríssimo quando sobre o arame atravessavas as duas margens e desaparecias na neblina de Almada, claro
Que tenho saudades tuas sua tonta,
E depois do espectáculo, descias, construías uma vénia ao teu sorridente público e ias esconder-te na caravana estacionada a poucos metros do palco invisível, que o teu pai, empresário, ilusionista e palhaço, demorou um inteiro dia a montar sobre o pavimento térreo do voo nocturno dos pássaros embebidos na vodka dos miúdos à porta do cabaré, e quando lhes perguntavam se tinham factura?
Em uníssono respondiam
Tinhas corpo de bailarina, como as abelhas em busca do pólen que dos rochedos da insónia agrediam verbalmente os homens que no Baleizão semeavam gelados de chocolate junto à esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas
De chapa zincada,
Em uníssono respondiam que com a fome comeram a (fatura) e com um pouco de sorte, durante a noite, ela, debaixo do (teto) das amendoeiras em flore, certamente era expedida através das entranhas do rabo ensanguentado devido à grossura do papel que tapava as fendas das paredes da caravana, ela
Esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas adormecia nos meus braços e pela janela da caravana eu, eu via a luz mergulhada nos Cacilheiros em corridas como círculos em volta de uma árvores de sombra
Ela gritava,
E ouviam-se-lhe os gemidos dos motores a diesel engasgados com os rebuçados de mentol e recheados com sonhos, os mesmos que a gaveta durante anos, e anos, e anos,
Guardou como objectos valiosos, como ainda tenho todos os pedaços de arame que ela utilizava para atravessar as duas margens, e quando poisava em Almada, ouviam-se-lhes os gemidos
Dos motores a diesel que da caravana uma janela imprimia o rosto de um menino abraçado a uma menina, que procuravam, em busca, das asas de vidro das noites voadoras sobre o rio circunflexo dos alguidares de alumínio, e na verdade, deixei, deixamos, perdemos-nos
Antes do espectáculo começar e ela se transformar em nuvem de algodão, e hoje sinto saudades das inocentes (diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que), que desciam do céu, e silenciosamente se sentavam nas cadeiras do Baleizão, aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, como as gajas que muitos anos depois eu via nas caves dos bares em Cais do Sodré,
Ela gritava,
Aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, que o vento levou como leva todas as palavras de amor.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Algumas palavras em pálpebras de vidro

O que dizer quando todas as coisas, visíveis e invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe, eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade, com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China, as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os barcos de quilha adocicada

Dizias que o silêncio era uma árvore onde viviam laranjas, e que a solidão, quando aparecia, nunca vinha só, e sempre acompanhada, subia as escadas sumarentas de artrose e reumático, às vezes ouviam-se-lhe os suspiros dos dejectos indesejados que os insectos deixam ficar sobre a clarabóia de onde se via o céu, via-se claro que sim
Porque hoje acabo de saber que este, por ordem superior, foi privatizado e levado para outras paragens, ouvem-se os lamentos dos angustiados
Filhos da Puta,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa,
Dizem que “Já Era”, como os cadáveres sonolentos dos impostores vaidosos que se fazem passear pelas avenidas da cidade, uns coitados de uma classe de “Mete Nojo” que só sobrevive à custa das escadas do Papá ou da mamã, ou do vovô... ou da “puta que os pariu”, mas sobrevivem, tudo têm e dizem que são felizes,
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, o País continua na sua agonia morte lenta como os doentes que a tombola da sorte sorteou, e vivem desgraçadamente até deixarem de respirar, os Países Ditatoriais precisam de um povo inculto e de um exercito forte, o povo cala, e o exercito impõem a força, e para tal, o corrupto do chefe de estado precisa de generais fortes, corruptos, ricos
Ricos Monetariamente,
Filhos da Puta,
“Já era”,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa, “já Foram”, e qualquer dia até Deus, até esse vão conseguir privatizar, e vimos Senhores Ministros do Reino em apertos de mãos a “Filhos da Puta” de ditadores, e o povo, lá, a morrer de fome, e o povo, lá, desprotegido dos mais essências bens dispensáveis a qualquer ser humano; saúde, justiça, educação...
Mas
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, a Teresa ofereceu-me um livro “Diários – AL Berto”, talvez porque hoje é quinta-feira, talvez porque o fim-de-semana está a caminho, talvez
Dia dos namorados,
Não conheço, peço desculpa, e na melhor das hipóteses é entrar na barbearia ali junto ao quiosque das amêndoas em flor e perguntar a barbeiro, esses, esses quase que sabem de tudo, agora eu, não, não sei nada sobre o dia dos namorados; isso é o quê?
Mas Ricos Monetariamente, as Ditaduras de “Merda” que em troca do dinheiro tudo lhes é permitido; até roubar os sonhos das crianças...

(não revisto; a única coisa verdadeira neste texto é o livro de AL Berto “Diários”, tudo o resto é pura coincidência com a realidade)
@Francisco Luís Fontinha