O que dizer quando todas as coisas, visíveis e
invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos
grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não
ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua
ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola
de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima
da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e
ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz
descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela
janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos
fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de
criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco
era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira
juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se
algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos
numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão
das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe,
eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade,
com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente
sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em
sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos
verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de
vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e
ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz
descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes
passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não
sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo
esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora,
são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia,
e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas,
como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas
suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias
embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos
destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos
corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que
tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e
dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de
arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as
luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos
passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro
forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China,
as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de
Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo
esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora,
são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia,
e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas,
como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de
Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as
máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos
sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em
desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
(E no entanto, ninguém, sentiria a tua
falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha
costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os
calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia
pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros
que ardem na fogueira)
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