quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Poema vencido


Sombreados lábios
no pincelado amanhecer
tristes searas de incenso
sem vontade de crescer
imenso Oceano mergulhado na minha mão
concubina solidão vagueando na ruela sem saída
é esta a minha vida?
duzentos e seis ossos sem comida,
oiço os teus seios na escuridão do meu silêncio
brinco sob as mangueiras de um País distante
cheiro o orgasmo do poema vencido
é esta a minha vida?
um emaranhado farrapo esquecido na espingarda do soldado...
um... um cigarro apagado...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2014

Fugitivo nocturno


Quando as algemas do silêncio poisam no meu finíssimo pulso de fugitivo,
ando em viagem há quarenta e dois anos,
sonhei dentro de um paquete,
que hoje...
hoje apenas sucata,
voei sobre a cidade do beijo,
e...
e do Tejo,
cansei-me dos apeadeiros sem transeuntes,
desertos,
sós... como os pedintes,
só... como o desejo,

Fui vagabundo nocturno,
magala desalinhado,
obstruído nas catacumbas da solidão,
drogado de profissão...
embriagado das sanzalas de granito,
com fotografias para o obscuro corpo de uma bailarina,
quando as algemas do silêncio poisam...
e eu, e eu longínquo como os pássaros em cartão,
dormi na rua,
vagueei pela cidade à procura de nada,
apenas caminhava...
e não acreditava,

E não acreditava na ausência,
e...
e no amor eterno,
amor de “merda”
só a cidade me alimentava...
e acolhia,
apaixonei-me por cacilheiros e marinheiros invisíveis,
fui trapezista junto à Torre de Belém...
e sentava-me no pavimento cansado dos fins de tarde,
imaginava-te num caderno de desenho Cavalinho,
escrevia nas páginas adormecidas do “Doutor Jivago”...
e hoje pertenço às “Almas Mortas” do Nikolai Gogol.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2014

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Rochedos da infância


O vigilante nocturno olha-me e alicerça-se aos meus braços,
sinto-lhe o esqueleto enferrujado a caminhar no meu peito,
ofegante,
alimenta-se dos meus velhos ossos com odor a madrugada sem luar,
peço-lhe um desejo...
e... e nada posso desejar,
o vigilante nocturno é como uma âncora de luz sobre as minhas pálpebras envergonhadas,
que as flores seduz...
e aos jardins oferece poemas,
e... e palavras de amar,
o amor enfurece as árvores sem folhas,
nuas como as gaivotas ao entardecer...

Depois acorda o silêncio vestido de cidade,
e eu sem saber o que fazer,
os comboios saltitam dentro dos carris desalinhados,
os comboios parecem corpos a arder...
há cinzas laminadas de sangue no sonífero poético,
alucinações desorganizadas em grande multidão,
uns que choram,
e outros... e outros que choram por prazer,
e sem perceberem...
há uma placa de zinco onde habita uma ponte,
nunca conheci o seu nome,
nunca vi um sorriso nas suas treliças,

Têm fome as estrelas de papel que brincam no tecto da minha aldeia,
lêem pedaços de nada e alguns cubos de sombra,
escrevem na incandescente memória o álcool sobejante da noite passada...
ressuscitam os outros vigilantes e demais arruaceiros sem gabardina,
e o meu corpo de aço... tomba sobre o ombro de um transeunte desconhecido,
a cidade é uma seara sem espigueiros,
desalojadas enxadas em luta conta a pobreza...
têm fome as estrelas e os planetas,
mendigos travestis correndo montanha abaixo,
e suicidam-se nos rochedos da infância...
triste, triste esta vontade de escrever...
sabendo que nem às pedras pertenço!




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 5 de Novembro de 2014

terça-feira, 4 de novembro de 2014

As cartas não lidas


Este machimbombo rabugento subindo a calçada,
cá dentro, algumas insignificantes malas sem destino,
uma guitarra,
e um chapéu de palha...
partilhamos os abraços nos cadeirões ensonados,
algures... ouvem-se os pergaminhos nomes das cidades perdidas,
faltam-me os cigarros e os livros que deixei no apeadeiro da solidão,
um lenço de papel chega-me para escrever qualquer coisa parva,
como todas as coisas parvas que faço...
evito abrir os olhos porque do outro lado da rua, uma roda dentada,
sobrevoa as árvores cansadas do Outono,
e este machimbombo que não anda...

E este relógio que não pára...
sufocam-me as tuas palavras de viajante que sobejaram de uma carta não lida,
nunca leio as cartas que me escrevem...
também... deixei de escrever cartas,
porque são apenas pedaços de papel,
com... com falsas sílabas,
e prometidas aventuras,
amo apaixonadamente a noite,
a noite travestida de cinzento alento...
amo as pedras acabadas de tomar banho,
quando em finais de tarde...
acorda o moliceiro... e o meu corpo se transforma em machimbombo rabugento.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 4 de Novembro de 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Tempestade


Pindéricos esqueletos sobrevoando o pólen embriagado
marinheiros raquíticos encostados ao mar salgado
esta vida de sangue entranhada nas mandíbulas da cidade
este vento envergonhado que se enforca nos meus abraços
os sinos da ferrugem engatados numa ruela quadriculada
a tarde que se afunda
e mata
nos estilhaços de uma espingarda
as mulheres procurando carícias debaixo das palmeiras
um poeta encardido
sentado numa cadeira...
e ninguém... e ninguém olha a ponte de nylon com cabeça de xisto,

O poeta enlouquece
e transforma-se em pedacinho de poeira
não escreve porque lhe falta a esplanada de Belém...
cerra hermeticamente os olhos de areia
e... e ninguém...
e ninguém olha a ponte de nylon
que o rio embala nas noites de neblina
os pindéricos esqueletos consumindo vodka falsificado...
os apitos de um drogado
quando os carris de aço desaguam em Cais do Sodré
e o magala desgovernado
tomba... tomba suavemente no pavimento florido,

O céu em chamas dançando nas espinhas do almoço
o guardanapo esbranquiçado poisado sobre o clitóris da esperança
gemem as sílabas nas ruínas que a tua voz devastou
canso-me das marés
e desta cidade sem escala
não encontro o fim do sacrifício
que o poema me obriga...
cambalhotas e palhaços encerrados numa tenda clandestina...
solto-me
e grito
e saltito...
como o encharcado luar no centro da tempestade...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 3 de Novembro de 2014

Poemas invisíveis


O silêncio me embala nesta jangada de dor
uma espingarda dispara
contra o meu peito
e a bala
não consegue matar-me
o jorro de palavras soltam-se dos meus lábios
prisioneiros
das tardes junto à lareira,

A ribeira
lá longe
camuflada pelas gaivotas sem nome
os barcos se afundam nas tuas pálpebras de enxofre
e os meus dedos se perdem na ardósia da noite...
o silêncio... de dor
uma espingarda em papel
tomba no chão ácido do cansaço,

Finalmente
todas as luzes do teu olhar se evaporam
como um vulcão selvagem
nos seios de uma montanha
há dentro da tua sombra
as cintilações do desejo...
e nas tuas coxas de diamante
perdem-se todos os poemas invisíveis da madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 3 de Novembro de 2014

domingo, 2 de novembro de 2014

Caverna espelhada


Os corpos incandescentes vivem na caverna espelhada
o amor cessa
porque um olhar se acorrenta às arcadas nocturnas da insónia
os corpos transparentes voam
e não regressam mais...

O difícil é partir
sem regressar
esconder-se nos claustros invisíveis do amanhecer
deixar sobre a mesa-de-cabeceira um simples bilhete...
parto e nunca mais regressarei,

Regressar porquê?
se ninguém notará a minha ausência...!
o amor cessa
e das palavras regressarão os abismos de um Oceano habitado por cadáveres
e em cada cadáver uma flor na lapela...

Os corpos...
fogem das ruas inanimadas com odor a Primavera
o amor cessa
como cessaram todas as andorinhas
e todas as gaivotas que conheci...

A caverna espelhada transpira solidão e embriaguez alicerçada aos barcos de papel
o menino de calções desenha nas sombras do entardecer
corações e triângulos que um adulto qualquer vai fotografar
e mais tarde...
queimar na fogueira do desejo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 2 de Novembro de 2014

Cubo envidraçado...


Não sabia o que era a saudade
até que os teus braços desfaleceram...
acreditava que nesta maldita cidade
recheada de cães vadios e palavras amorfas
encontraria os teus olhos de alegria
procurei, procurei...
e mal eu sabia
que deixaste de ter olhos
naquela tarde sangrenta
vi no espelho doente de uma qualquer loja
o teu rosto deformado
e as tuas mãos trémulas dançando no vento em alvoroço,
o amor é uma “merda”
a dor
o sofrimento
e a doença...
não sabia o que era a saudade
não sabia o significado de abraço...
segurava-me aos teus cabelos
e sorria como me tinhas ensinado
o coração batia
o corpo... o corpo de mendigo sonolento
se escondia
como os pássaros dentro de um cubo envidraçado...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 2 de Novembro de 2014

sábado, 1 de novembro de 2014

Estes versos e ossos


Tristes versos
estes
barcos esfarrapados que se afundam nos teus olhos
carcaças de ossos
gente aos molhos...
tristes versos dos mendigos sem solução
habitantes de uma cidade em alvoroço
dia sem almoço
carcaças
ventos e marés em confusão
estes
versos
sem nome
estes
estes barcos enferrujados lapidando calçadas e transversais loucas
mulheres cansadas
mulheres acariciando a madrugada
tristes
versos
os corpos em migalhas
em direcção ao rio da amargura
tristes
tristes tardes de literatura
que alimentam os mendigos sem solução
estes
versos
e ossos
este vazio dentro do meu peito incendiado
embriagados livros cambaleando na atmosfera
os círculos do coração... em espera
estes nomes
versos
e crianças...
procurando as árvores da infância
tanto medo... meu Deus...
medo da esperança.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Novembro de 2014

Trôpegos feitiços


Desdenhado cansaço de viver
das distantes planícies de algodão
sofrendo sem querer
querendo...
o pão
as sílabas engasgadas na montanha do Adeus
as palavras desenganadas de um falso esqueleto
trôpegos feitiços de chorar
os poemas de escrever
cintilam na tua mão as cavernas da escuridão
lês a penugem da madrugada
dos sonhos desenhados no amanhecer...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Novembro de 2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Falso espelho


Olho-te como se fosses um falso espelho
semeado no centro da cidade
olho-te e no teu silêncio há um poema embrulhado em tristeza
sofres
sofres sem dizeres nada
olho-te e não sei a cor do teu sorriso
se tens dores
se...
se preferes sentir o mar
como fazíamos no Mussulo
davas-me a mão e eu sonhava...
hoje... hoje sentes a minha mão e tu constróis lágrimas em papel...
lá fora dança o vento e tu voas como voam os suspiros invisíveis
geme uma árvore
ouve-se o rosnar fervoroso dos automóveis embalsamados
ouvem-se as migalhas de dor correndo montanha abaixo...
lá fora as minhas veias são cinza de cigarro
após cigarro
olho-te... olho-te e não me canso de te olhar
como nunca me cansei dos teus lamentos
olho-te e percebo como eram lindas as sanzalas de Luanda...
e os barcos acorrentados a braços de gesso
sofres
sofres sem dizeres nada...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 31 de Outubro de 2014

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Geometria da paixão


Toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio
toco-te sem perceber que há dia nos cortinados do teu olhar
sentamos-nos
e descubro que na tua mão de lágrima
vive uma abelha
triste
e cansada
toco-te fingindo que no teu corpo existe uma cidade por descobrir...
deserta, só
toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio...
que a minha ausência vestida de negro
é apenas um pedaço de cansaço semeado no teu ventre...

O veneno
o veneno que há em ti
comestível nas tardes de solidão, à janela
desenhando o que é impossível de desenhar...
porque os círculos da paixão se evaporam nas pedras em combustão
e na geometria... o amor não tem significado
é absorto
é... é mais uma ruela sem saída
o veneno
o veneno que se alicerça aos teus seios
e...
e não te deixa adormecer,

Toco-te sem o saber
porque deixei de observar as tuas algas
e esqueci que nesse rio onde andavas...
ninguém hoje sabe que o teu corpo lhe pertenceu
foste abraçada
foste... foste amada
pensavas que havia rochedos de insígnias
quando apenas...
nada
quando apenas uma quadriculada palavra... invadiu as tuas coxas
absorveu-as... e hoje são um esqueleto de vento
em pequenos quadrados suspensos nos lábios de um marinheiro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

Este Outubro


Este Outubro de desengano
como um rio sem cidade
os pássaros felizes
os pássaros... os pássaros sem vaidade
poisados nos teus ombros silenciados
este Outubro desgraçado
que vive nos meus cabelos
voando
voando...
voando sob o tecto da saudade
este Outubro sem palavras ou versos
este Outubro suspenso na cárcere invisível
que não sabe
e ignora
o outro Outubro cinzento
aquele que mora
no bairro banhado de lata
este Outubro que se entranha em mim
como um tentáculo de espuma...
este Outubro... foi assim...
comi flores de papel
pintei lágrimas no teu olhar
este Outubro que chora
e nunca viu o mar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Seara da insónia...


Esqueci o meu nome enquanto dormia nesta seara de insónia,
levemente me batia,
o vento inanimado...
cansado de trabalhar,
esqueci o meu nome nos livros da paixão,
desenhei corações nas entranhas da solidão,
esqueci o meu nome nas ruas de uma cidade,
também ela,
também... também eu...
sem nome,
sem... sem idade,
na calçada da liberdade,

Caminhei sobre o amarfanhado mar,
como um vampiro em chocolate,
deitei-me no chão,
dormi na seara da insónia...
esqueci o meu nome nas estrelas de cartão,
não sei se estou vivo...
não sei... não sei se hoje há vertigens na minha mão,
enquanto embriagado me encosto ao xisto muro,
não seguro,
o perfume silêncio em volta dos teus seios de rochedo cinzento,
não me calo...
não... não me contento,

Esqueci o meu nome nas andorinhas de veludo,
voei como voaram os meus sonhos...
hoje... apenas pedaços de sombra,
e aço enferrujado,
não me calo, não... não tenho medo do amor impossível,
esqueci o meu nome,
esqueci...
nas arcadas do infinito,
não seguro,
não... não me contento...
e no entanto,
sou feliz sem nome... sou feliz sem estória...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

Espingarda de amar


Esta espingarda de amar
que vive sem matar
não há bala nem canhão
que se alicerce no teu coração,
o amor travestido de socalco
descendo a montanha do adeus
o rio... longe
o rio come
e alimenta
este corpo descalço
um desenho pintado no ar
um suspiro... um suspiro pronto a disparar...
esta espingarda de amar
que vive sem matar
esta paixão quadriculada
sempre pronta para voar,
voar... voar na madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Avenida da paixão


Os relógios enferrujados
encolhidos nas tristes alvenarias
as janelas escondidas...
no olhar da serpente

as estilhas adormecidas
nos pregos dentados
os relógios... os relógios encalhados
em rochedos rendilhados

o pólen de um olhar
semeado na escuridão
e os relógios sem fôlego
e os relógios... e os relógios sem pão

e a paixão?
matriculada nas putas avenidas
correndo
saltando... os muros embriagados dos ossos embalsamados

os relógios...
escrevendo na pele da solidão
horários enlouquecidos...
sem vontade de sonhar

sonhar a paixão?
há cadáveres perdidos
na eira da infância...
colchas de linho... suspensas nas árvores tombadas no chão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 28 de Outubro de 2014

de trapos...


cínicas palavras de aventura
estas
que se suicidam nas árvores da madrugada
mendigas folhas em papel colorido esvoaçando sobre a cidade
estas
de ternura
encurraladas na negra sanzala
corpo crescente em rochedos húmidos
quando do cansaço acorda a gente
e na gente...
um punhado
de trapos...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 28 de Outubro de 2014

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Em círculos


Sem pressa de caminhar sobre as nefastas palavras de chorar
o fogo das tuas mãos que iluminam esta cabana de chita
o teu sorriso... impregnado no meu silêncio...
enquanto me recordo em frente ao espelho da solidão
sou um vadio navegante
deixei de saber como era
quem era
apenas recordo algumas das imagens
muito sombreadas
como uma nuvem de carvão
voando em direcção ao mar
sem rumo... sem... sem luar,
esta esplanada de incenso
que durante anos arde no meu peito
o odor da tua pele nas paredes em lágrimas
a janela amortalhada
quase a esquecer-se da minha existência...
permaneço neste barco
em círculos
em quadrados imperfeitos
gaguejando
às vezes
às vezes sem perceber porque o meu corpo se evapora ao anoitecer
sem rumo... sem... sem luar,
sem palavras para escrever...
sem pressa de caminhar
vivo e habito nos teus lábios prateados
vivo e habito nos teus seios... como desejos parvos
sem cigarros no tecto da insónia
vivo e habito
em círculos
em quadrados imperfeitos
em parábolas moribundas
e cansadas...
como eu
sem rumo... sem... sem luar!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Outubro de 2014

domingo, 26 de outubro de 2014

O sonâmbulo diplomado


Habito este túnel íngreme dos ossos argamassados
pareço um sonâmbulo diplomado
sem braços
sem pernas...
sem... sem sonhos
habito esse teu corpo desgraçado
sobrevoando a minha sanzala
sombreando o pecado,
habito este túnel desgovernado
galgando as montanhas da solidão
gritando
gritando... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”,
ai estes sons que se entranham nas minhas asas de plátano envelhecido
este túnel sem luz
ou... saída para o infinito
habito
em ti
como se fosses uma gaivota poisado junto ao Tejo
me olhando
me dizendo... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014

As cordas da paixão


Esta seara de trigo
que ele deixou nos braços do vento
do cansaço construiu o sofrimento
e hoje vive no planalto da inocência
como uma sombra sem infância
dos palhaços voadores
viveu
e cresceu
na laminada sonolência que os fantasmas trazem ao peito
era um desajeitado poeta sem palavras
mendigo nas horas vagas...
esta seara de trigo onde habitam as húmidas mulheres de gesso,
perdeu-se numa calçada
a última vez que foi encontrado...
brincava
sonhava
dentro de um crocodilo de prata...
poeta desassossegado
poeta despedido das avenidas incendiadas
corpos em chamas
sexos murchos...
embriagados poemas...
e fotografou o amor no Tejo longínquo
como uma gafanha apaixonada,
esta seara onde te escondes
e desenhas
o meu sorriso envergonhado
olho a fotografia do Tejo longínquo...
não te reconheço
não sei quem és...
e o odor do teu corpo foi ancorado aos cais da despedida
um adeus ácido alicerçou-se nos meus cabelos...
veio a noite
e toda a aldeia sob uma podridão de gotículas inanimadas...
porque esta seara
não pertence às cordas da paixão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014