segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Tempestade


Pindéricos esqueletos sobrevoando o pólen embriagado
marinheiros raquíticos encostados ao mar salgado
esta vida de sangue entranhada nas mandíbulas da cidade
este vento envergonhado que se enforca nos meus abraços
os sinos da ferrugem engatados numa ruela quadriculada
a tarde que se afunda
e mata
nos estilhaços de uma espingarda
as mulheres procurando carícias debaixo das palmeiras
um poeta encardido
sentado numa cadeira...
e ninguém... e ninguém olha a ponte de nylon com cabeça de xisto,

O poeta enlouquece
e transforma-se em pedacinho de poeira
não escreve porque lhe falta a esplanada de Belém...
cerra hermeticamente os olhos de areia
e... e ninguém...
e ninguém olha a ponte de nylon
que o rio embala nas noites de neblina
os pindéricos esqueletos consumindo vodka falsificado...
os apitos de um drogado
quando os carris de aço desaguam em Cais do Sodré
e o magala desgovernado
tomba... tomba suavemente no pavimento florido,

O céu em chamas dançando nas espinhas do almoço
o guardanapo esbranquiçado poisado sobre o clitóris da esperança
gemem as sílabas nas ruínas que a tua voz devastou
canso-me das marés
e desta cidade sem escala
não encontro o fim do sacrifício
que o poema me obriga...
cambalhotas e palhaços encerrados numa tenda clandestina...
solto-me
e grito
e saltito...
como o encharcado luar no centro da tempestade...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 3 de Novembro de 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário