sábado, 27 de setembro de 2014

Sanzala de lata


Liberta-me
desassossega-me esta insónia fervilhante
que atormenta as minhas mãos
e me proíbe de escrever
liberta-me quando começar a madrugada
e lá fora
ninguém
ninguém para me ver
ninguém para me observar
quero ser a noite vestida de luar
quero ser o socalco que nunca se cansar de olhar...
o rio
e as pessoas que o rio engole e mata
liberta-me
liberta-me deste cansaço desengraçado
que habita nesta sanzala de lata.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 27 de Setembro de 2014

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Luar


Sentado te espero
sentado te procuro...
sentado te amo
sentado te abraço,

e não sei se tens forças para me alicerçares ao teu corpo,
tão pouco sei se tens corpo,

sentado te olho
sentado, tu
triste,

sentado te entendo
o que sofres
e o que resistes...
sentado sei que não vais desistir
de cortar os cadeados do sofrimento
nem vais fugir,

(e não sei se tens forças para me alicerçares ao teu corpo,
tão pouco sei se tens corpo),

mas sentado, eu, pego na tua mão e sinto em ti o luar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 26 de Setembro de 2014

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pássaros sem nome


Tudo em meu redor parece embriagado
os livros
os desenhos
e as palavras
o meu corpo pesado
e os poemas embalsamados
dormem
sobre a secretária
como se fossem um mendigo diplomado
o meu olhar desassossegado
inventa candeeiros de papel
com anéis de tristeza
não existem lágrimas que escondam a madrugada
nem lábios de framboesa que abracem os meus braços de lata
o meu silêncio em greve
o meu silêncio uma videira acorrentada
aos socalcos da dor
o meu corpo ferve como fervem as línguas de fogo que habitam os meus cabelos...
tudo em meu redor morre
as plantas
as árvores...
e os pássaros sem nome.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 25 de Setembro de 2014

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Desilusão


Preciso de sentir-me vivo
escrever não é um sacrifício
uma obrigação
mas preciso
sentir-me vivo
às vezes triste
às vezes muito triste
às vezes alegre...
às vezes... muito pouco alegre
mas preciso de sentir-me vivo
e mesmo que amanhã seja o dia mais triste da minha vida
vou... vou escrever
amanhã vou contemplar a noite tal como o faço todas as noites
amanhã vou fumar o meu último cigarro do dia ao jardim
como o faço todas as noites
esteja triste ou alegre
muito triste
ou... ou desiludido comigo por não ser capaz de...
sentir-me vivo
por não ser capaz de escrever.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 24 de Setembro de 2014

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Da paixão


Nunca soube quem eras
o que fazias
nunca soube a quem pertencias...

nunca soube se em ti existiam
tristezas
… ou... ou alegrias

nunca soube nada do teu sorriso sonolento
se sonhavas
se eras apenas o alimento

da paixão

nunca quis saber o teu nome
se é que tens nome
um corpo
se é que tens corpo
nunca
nunca percebi o colorido dos teus lábios
nunca quis escrever-te
cartas
ou... ou pequenas palavras
de silêncio
das palavras de nada
nas palavras envergonhadas

da paixão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 23 de Setembro de 2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Noite de loucura


Este pano azul cansado
deitado sobre o teu corpo
acariciando a tua pele de luar
que a madrugada fez esconder
este pano... que o piano amar acorrenta
este sofrer...
a saudade do mar
entranhada nos meus lábios,

Este pano azul...
que o silêncio consegue desenhar no teu sorriso
o morrer
sabendo que todas as flores deixaram de brincar
a tua mão vazia
como o rio que desce a montanha
a tua mão entrelaçada nas sombras da paixão
que o pano azul escreveu numa noite de loucura...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 22 de Setembro de 2014

domingo, 21 de setembro de 2014

O malfadado homem de granito


Este malfadado trânsito que não me deixa regressar à tua mão,
a chuva miudinha que invento,
e poisa nas tuas pálpebras de gaivota ensonada,
o meu corpo não anda, a noite entra em mim... assim... sem nada,
só,
este malfadado trânsito,
que alimenta a tua saudade,
e a estrada encurvada,
sem candeeiros...
sem... sem madrugada,
que a montanha engole,
que... que a montanha esmaga,

Este triste silêncio com mandíbulas de cristal,
a pequenina folha de papel sobre a secretária,
espera-me,
espera-me sem perceber que eu não tenho paciência para ela,
enerva-me,
ela e as palavras,
estas palavras,
… que o sono constrói só para me atormentar,

Este malfadado trânsito... infernal,
que da longínqua insónia multiplica o cansaço pela solidão,
subtrai os teus pincelados seios ao amanhecer...
e fico... e fico com as estrelas de papel que tens suspensas nos teus cabelos,
sinto dentro deste corpo vagabundo,
o rio com odor a embriagados sábados...
não sei o significado da paixão,
nem do imundo colorido sorriso do amor,
não sei... não quero saber,
porque caem as árvores mais belas do meu jardim,
porque choram as rosas mais belas do meu jardim...
este malfadado trânsito... é um sofrimento sem fim.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 21 de Setembro de 2014

sábado, 20 de setembro de 2014

Esqueleto de xisto


Gostava de caminhar sob os teus desejos
e gritar ao vento laminado
as palavras que não consigo escrever,
desenhar na minha mão os teus beijos
que a madrugada alicerça nos cortinados da insónia...
gostava de caminhar sob os teus desejos
e sentar-me junto ao Tejo
fingindo que sou uma caravela sem marinheiro
fingindo... fingindo que sou um desabrigado esqueleto de xisto.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 20 de Setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

em silêncio


este silêncio que se entranha no meu corpo
como ponhais de areia
um oceano de saudade caminha calçada abaixo
abraçando-se ao rio
beijam-se como dois loucos
encastrados no pulsar da madrugada
este silêncio mata
e consome o desejo de partir
o barco ancorado aos lábios do marinheiro poeta
as cordas castanhas quase em liberdade
como os homens tristes dos bares da velha cidade...
em silêncio...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Setembro de 2014

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O circo das tempestades


O palhaço da roulote emagrecida,
na porta de entrada está crucificado o número vinte e três,
sem vizinhos para conversar,
o palhaço morre em pedacinhos...
e era feliz se morresse de vez,
silenciavam-se as vozes dos espectadores anónimos,
um punhado de palmas ficavam alegres,
e contentes,
e o circo transformava-se num círculo com anéis de prata falsificada,
há nos seus olhos a desilusão de um tardio amanhecer...
depois do espectáculo, entra na roulote, e acende a lareira da solidão,
e espera, e desespera... o regresso do novo dia,
o palhaço com botas de cansaço,
sonha subir até às estrelas que estão suspensas no tecto da dor,
um poeta também vestido de palhaço... inventa jardins de arame,
e locomotivas em cartão,
sofre,
sofre ele porque dentro da roulote nada mais existe do que a lareira da solidão,
chora,
e ele percebe que a vida é um espectáculo sem abrigo,
um homem desiludido com o circo das tempestades.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 18 de Setembro de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Baía de Luanda


(Ao meu Pai)


Corre nas minhas veias um enxame de saudade,
percebo pelo espelho do guarda-roupa que existe sobre os meus ombros uma lâmina de silêncio,
procuro nas lágrimas do amanhecer a tempestade da insónia,
e sei que se abrir a janela do cansaço...
um pássaro azul poisará no meu olhar,
sinto-te triste,
amargurado...
desiludido como um soldado,
quando a espingarda lhe é apontada,
e parece que não queres fugir,
apenas preferes ficar sentado...
sentado a ver a Baía de Luanda quando passeavas com uma criança,
e de mão dada...
lhe segredavas,
um dia, um dia meu filho... vamos regressar,
eu, eu olhava o mar, e... e acreditava,
imaginava-me um marinheiro de cachimbo ao canto da boca,
sentia no meu corpo os apitos da paixão,
pela terra,
pelas árvores... pela cidade,
e inventava outros meninos como eu...
que passeavam de mão dada com a saudade,
e desde então... nunca, nunca mais vi a Baía de Luanda!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 17 de Setembro de 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O pedinte decapitado


Os meus olhos são a prisão invisível do silêncio cinzento,
há no meu triste rosto uma pequenina lágrima de arsénio,
um composto,
submergido no desgosto,
que a tempestade transporta para o oceano de pedra,
os meus olhos são a alegria do pedinte decapitado...
homem iletrado,
que sofre com os solstícios envenenados,
uma parede se escreve,
e uma parede se desenha,
o papel angustiado das minhas palavras torna-se numa pesadíssima forca de luz,
e dos meus olhos... o silêncio cinzento,
e do meu corpo a sibilada melancolia,
o relógio um fantasma com braços de medo,
e eu, coitado, ao lado do pedinte decapitado...
manhã cedo,
o sorriso da morte que bate à porta de entrada do meu peito,
sem sorte, o pedinte decapitado sorri, o pedinte decapitado... dança na eira granítica da solidão,
os meus olhos sempre foram uma prisão,
com grades em pálpebras de azedume amanhecer,
nunca quis pertencer à madrugada,
nunca... nunca quis acordar e abrir a janela da saudade...
estes riscos e rabiscos sem nexo,
estas palavras decepcionadas, más, cansadas,
que a noite mistura na paleta do inferno,
os meus olhos são a prisão invisível da cidade adormecida,
uma cidade sem nome,
e... e esquecida,
uma borboleta que canta e nas horas vagas é pianista,
o pintor apaixona-se pela pianista,
e o pedinte decapitado...
sentado no telhado a construir barcos,
e não percebe que não existe mar...
e que o mar apenas vive nas telas do pintor...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O ausentado


Tão longe, esses olhos escondidos no silêncio da minha mão,
tão perto, a tua fotografia a preto e branco suspensa no estendal da solidão,
sentado, escuto, e olho, e sonho...
sentado felicitam-se pela minha ausência,
torno-me invisível, I N V I S Í V E L...
e... e tão pequenino... que nem uma qualquer página de jornal me consegue encontrar,
dizem, quando passam por mim, que enlouqueci,
escrevem nas paredes do meu corpo...
“AUSENTE”,
e um ausentado não sofre,
não chora, não sente,
e... e não quer ser amado,
repito,
sou um simples AUSENTADO,
tenho asas,
tenho ventos nas minhas pálpebras de diamante,
e... e repito,
não,
não quero ser encontrado,
tão longe, esses olhos...
desejam-me como um esqueleto formatado,
e há quem pense que eu sou uma antiga disquete...
não, não o sou,
impossível... impossível formatarem-me,
tão perto, a tua fotografia a preto e branco...
e já me apelidaram de banco de jardim,
de árvore,
gaivota,
apelidem-me de tudo o que quiserem,,,
mas prefiro ser um AUSENTADO,
do que estar presente e pertencer ao amanhecer dos formatados,
porque não um falhado?
um falhado de fato e gravata,
de jornal com três dias de atraso debaixo do sovaco,
agacho-me,
e com o lenço de linho dou graxa aos sapatos...
Ai... anda por aí tanto engraxador,
que me farto,
que me cansa,
que... que não encontro explicação para pertencer ao amanhecer dos formatados,
antes um AUSENTADO...
mesmo sendo um AUSENTADO falhado...
do que um engraxador diplomado,
um... um engraxador fornicado...!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2014

domingo, 14 de setembro de 2014

Enxada do cansaço


Quem és tu marinheiro
que habitas o meu corpo salgado...
que me aprisionas aos rochedos do medo
e te escondes nos esconderijos do silêncio
invento nomes
quando ela passa por mim
como o luar agachado na madrugada
de mão dada
com uma loira menina
como os muros de xisto
de socalco em socalco
oiço a enxada do cansaço lapidar os corações de pedra
e tu
marinheiro
dentro de mim como uma jangada
quem és tu marinheiro
que apodreces os meus ossos de cristal
e ela
tão bela
sem nome
sem... sem pedestal
caminha
palminha
os montes de papel com odor a amanhecer
sentada numa esplanada de brincar
oiço-as
as enxadas amaldiçoadas
no altar do Oceano
mulher que me acorrentas às palavras
e sofro
e sinto no meu olhar o teu nome que não o sei
quem
quem és tu marinheiro
que habitas o meu corpo salgado
meu amor
vou apelidar-te de Caravela
sem vela
sem rumo
correndo o meu corpo salgado
e tu
marinheiro
serás eternamente o meu comandante
que a solidão guiará até ao cais da ansiedade...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Setembro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Fotografia


Não tenho paciência para as coisas simples,
transformo-me em cometa,
sou um agregado de poeiras vagueando no teu olhar,
gostava de ser camaroeiro...
e enganar os navegantes intrusos que invadem o meu silêncio,
fazia desaparecer todos os barcos do oceano,
e sobre a mesa-de-cabeceira... eles perfilados, esperando o cair da noite sobre os invólucros das sanzalas inabitadas,
uma criança sorriu-me e eu fingi que era apenas uma sombra,
ninguém... não queria ver ninguém,
percebia-se nos meus lábios as gaivotas acabadas de abandonar a linha de montagem,
rochedos rebeldes com mão de azoto,
não tenho paciência...,
o amor infinito que arde num cinzeiro recheado de restos de cigarros inanimados,
sentia nos dedos o peso do fumo obsceno das meninas que passeavam junto ao rio,
paciência,
não,
obrigado pelas estrelas que me enviaste,
de nada me serviram,
mas colei-as nas cartas de amor sem remetente,
tão tristes,
e tão belas quando via o carteiro e lhe perguntava...
tem correio para mim,
que não,
nada, e as palavras quando poisavam nas minhas mãos...
desmaiavam,
tombavam como cancelas de um qualquer apeadeiro esquecido numa fotografia,
que não,
que eu nada sentia.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 13 de Setembro de 2014

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O apeadeiro da solidão


Encurvado,
o maligno cansaço entre as montanhas da dor,
lá longe o rio embalsamado procurando o luar,
desce a nuvem do sofrimento sobre a madrugada,
há lápis de cor embrulhados em pergaminhos transparentes...
começa a noite,
e encurvado... o apeadeiro da solidão,
só,
enlatado numa caixa de sapatos,
o mórbido alimento dos pássaros sem asas,
há tristeza nos teus olhos,
só,
há lâminas de silêncio onde habitam lágrimas de néon,
a cidade perde-se na algibeira nocturna das amendoeiras em flor,
e só...
vejo o apeadeiro da solidão desfalecer junto à ponte.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 12 de Setembro de 2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Nome lapidado...


Não digas o meu nome,
nunca...
rasga-o e lança-o ao vento,
não digas o meu nome na vã esperança,
porque o cansaço alimenta...
e a noite come os êmbolos do meu silêncio,
sou uma máquina em aço laminado,
o meu esqueleto é composto por rodas dentadas,
roldanas...
e milímetros de fio desengonçado,
não,
não digas o meu nome,
amanhã acordarei?
sem nome,
idade,
altura...
amanhã nunca,
o meu nome lapidado...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 11 de Setembro de 2014

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Malmequeres sem nome...


Tinha o odor dos teus lábios nos meus lábios,
uma tempestade de silêncio... levou-o...
o vento absorveu os teus cabelos,
que se passeavam no jardim dos plátanos,
senti a morte nos meus braços,
desfaleci... e aos poucos via-me dentro do espelho da saudade,
gritei...
e ninguém me ouvia,
até que desceu do luar um sorriso de nada,
agarrou-me,
fortemente conta o seu olhar...
e hoje... e hoje pertenço aos malmequeres sem nome...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 10 de Setembro de 2014

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Escuridão


Esta escuridão que não cessa de gritar,
esta montanha que não se cansa de chorar,
as tuas mãos, meu querido, suspensas no amanhecer,
este mar que te leva para o infinito,
quando do silêncio acordam as ninfas coloridas da dor...
este porto sem correntes,
esta cidade endiabrada que foge do teu olhar,
as árvores que tombam... e... e tu não sentes,
esta escuridão,
nas tuas pálpebras de cartão,
submersas em palavras com odor a tristeza,
esta vida, meu querido... esta vida que teima em destruir-te como se fosses pequeníssimas bolas de sabão...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 9 de Setembro de 2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Melancólica saudade


Este poço impávido com janelas para a morte,
um telhado de vidro que lhe esconde as feridas em falsas palavras,
o poema morto, o poeta de braços cruzados...
sem conseguir cessar a tempestade,
este poço amargo, este poço invisível,
escondido nos algerozes da solidão,
de palha o esqueleto do homem arde...
e oiço levemente sobre o a mar as cinzas da indefinida melancólica saudade!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 8 de Setembro de 2014