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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Página em branco


É esta página em branco que te acompanhará,
regressarei ao meu destino,
como em menino...
triste por partir,
amanhã vou sorrir...
porque vou zarpar,
os outros que transportam as sílabas de luz no olhar,
serão recordados,
amados,
é esta página em branco que te acompanhará...
como uma casa construída de pálpebras castanhas
e janelas de silêncio,

O Oceano será o meu aconchego,
a minha Pátria,
porque dizem que sou um apátrida,
pois... não nasci em Portugal...
também não sou Angolano,
sou um cidadão filho do mar,
porque os nascidos antes de 11/11/1975... não são Angolanos,
é esta a página em branco que te acompanhará...
sem lágrimas,
não enrugada,
e sempre sorridente,
como a alvorada,



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 10 de Novembro de 2014

domingo, 9 de novembro de 2014

A morte em seu regressar


A morte em seu regressar
palmilhando aventuras
despedindo a dor e o sofrimento
a morte em seu regressar
das catacumbas da insónia
há nas tuas pálpebras de amêndoa
um poema embebido em lágrimas
há nos teus ossos a sinfonia da partida
a morte... a morte sem melodia
perdes-te na cidade
andas descalço até tombares no chão
como um soldado... como um canhão,

Não gritas
não inventas desculpas para a tua viagem
nada levas
tudo em ti pertence à poeira
e ao cansaço de viver
a morte em seu regressar
entre nocturnos pássaros
e desnudas nuvens de incenso
a morte... a morte da palavra
quando todo o papel arde na tua mão...
e tu... e tu sem nada dizeres
impávido... olhas-te no espelho... e constróis sorrisos de vidro!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Novembro de 2014

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Esta viagem


Esta viagem não terá fim,
a terra que procuro não existe mais,
parecem livros velhos... parecem jornais,
semeados na lareira do sofrimento,
esta viagem é uma guilhotina de insónia,
esperando a noite,
esta viagem é uma rua sem saída...
onde habitam telhados de incenso,
essa terra... essa terra envelheceu,
e esta viagem embrulha-se no vento,
grita às encostas graníticas sílabas com doença,
sílabas dentro de um saco de napa vestido de Céu...
esta viagem desassossegada,
quando se confunde com a madrugada,
essa terra magoada...
no olhar das serpentes em silêncio,
esta viagem desterrada,
sem porto para aportar,
e aquele mar... e aquela terra íngreme que ficou encaixotada,
esta viagem marginal correndo em direcção ao nada,
rochedos, auroras boreais, e outros medos,
e tantos mais...
essa terra,
esta viagem,
este corpo sem correntes,
este corpo sem misericórdia...
que não cessa de ranger,
e tantos mais... esta viagem que parece aos poucos morrer!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 3 de Setembro de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

A Caixinha de Vidro


A caixinha envidraçada, suspensa na madrugada, sentia-se o silêncio no espelho da mágoa, havia entre nós o sentimento de que nunca mais regressávamos, partíamos..., e
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho,
Dentro da caixinha trazíamos pedacinhos de saudade, poucos tarecos e amanheceres de nada, partíamos para o desconhecido, partíamos sem sabermos o que nos esperava, lá longe, ma Metrópole,
Pai? Sim filho, o que é... essa coisa de..., Metrópole, meu filho? Sim, sim pai, é a nossa terra, responde-me ele secamente, não percebi, pois sempre ouvi (com todas as letras) dizer que a minha terra era Angola, não...
Não essa Metrópole, não essa coisa de..., deixa lá pai, não faz mal, depois explicas-me, e cresci, e vivi, ou melhor, fui vivendo sem perceber o significado de Metrópole, esta angústia, este desassossego, sentia-me enforcado numa sombra de uma das mangueiras do meu quintal,
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho, e eu perguntava-me por era tão grande aquele paquete de papel..., pai? Sim, filho, não tenhas medo, meu filho, não tenhas...
Não te sentes, desculpa?, proibido fumar ou foguear ou todas as coisas terminadas em AR, o café está amargo, poucas coisas sobrevivem às tuas mãos, os cigarros, as orelhas postiças dos animais de brincar, desculpa?, não te sentes, e hoje o café não DELTA, e hoje não, não te sentes, circula, corre, caminha, veste-te de vento e vai até às nuvens de fumo, faz-te homem meu rapaz, faz-te homem
- tantas vezes o ouvi, tantas vezes, e no entanto as perdizes livres como as árvores nas planícies junto ao mar, proibido, proibido morrer, e o beijos, hoje, amargos, não DELTA,
faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, horríveis como as luzes dos carrinhos de choque que todos os anos estacionam junto ao lago da miséria, os pássaros perderam as asas e as abelhas hoje são doutoras, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje
- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir,
desculpa?, proibido fumar ou foguear, ouvia-o, tantas vezes, algumas vezes, coisas, loiças de porcelana, pulseiras de marfim, dentes de carneiro, e cornos sem fim, palavras, difíceis de engolir, quando a fome entra nos orifícios cinzentos das marés de Setembro, o barco gigantesco faz-se à vida, aproxima-se em pequeníssimas apalpadelas, e aqui, e ali, debaixo de uma ponte de ferro, a criança descobre o amor quando vê dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e são doirados, lindos, os olhos de Lisboa à noite, ouvia-o
- hoje,
e deixamos de o ouvir quando o barco se amarrou aos cais e as abelhas cor de mel desceram silenciosamente até perderem numa pensão de meia-tigela esquecida numa ruela sem janelas, árvores, gaivotas, velas, esquecida numa ruela sem jornais, cortinados, velhas e velhos de chocolate com mãos de açúcar, e hoje
- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir, e hoje os barcos enferrujados, velhos, apodrecidos, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje, hoje também são doutores, ouvia-o
desculpa?
- quantas horas tens de mar? ouvia-o,
desculpa?, muitos dias, noites e marés, não falando nas noites de descanso vividas em longínquas coxas de oiro, e púbis de cetim, desculpa?, ouvia-o
- estás licenciado, por equivalência és doutor, também
e pela primeira vez na vida o miúdo percebeu o que era o amor, a paixão, Lisboa à noite, e apetece-me recordar e escrever (Lisboa há noite), ninguém sobrevive ao medo das calçadas que terminam no rio, ouvia-o, faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, outras não, e eu inventava-me de homem, comprei um fato e uma gravata, e sapatos pontiagudos, estás lindo
- perfeito meu querido, perfeito,
e eu tal como os barcos, também doutor, por equivalência,
- a carta de marinheiro,
e Setembro foi sempre um barco que regressava de longe, um miúdo que descobria o amor, dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e um paspalho qualquer aos gritos
- Lisboa, Lisboa, Lisboa,
Vivia numa caixa de sapatos tamanho trinta e cinco, com seis anos vi e calcei o meu primeiro par de botas, ouvia o meu pai
Temos de compra umas botas ao rapaz,
Questionava-me, perguntava-me,
O que são botas?
Começava o frio e eu estava habituado aos calções e às sandálias de couro, não tínhamos nada, ou pior, tínhamos tudo aquilo que muitos não tinham, mas como diz o OUTRO
AGUENTAMOS, ENTÃO NÃO AGUENTAMOS? Claro que aguentamos e felizmente estamos os três vivos e de boa saúde, eu sabia-o como sabia que seria difícil andar com umas botas pesadíssimas e depois de as descalçar os meus pequeninos pés pareciam pedaços de tecido, escuro, com bolinhas escuras, e eu pensava
Deve ser das noites de Inverno, pensava eu e hoje digo-o
E pensava muito bem, pois o Inverno realmente enrija-nos os ossos e alguns de nós ficamos mais espertos, outros, como eu, mais aparvalhado, e ainda outros, coitados dos outros
Moribundos como as geadas de Janeiro, passamos o Natal no interior da penumbra branca, esguia, solidamente como a neve suspensa na grade enferrujada da varanda com vista para a Praça, acordei cedo, corri desassossegadamente para a inventada chaminé e dava-me conta que nada existia dentro da bota que tinha deixado ficar sobre o fogão como sempre o tinha feito em Luanda (não como uma bota mas com um sapato), pensei
De certeza a causa mais provável é a pesadíssima bota, depois imaginei um senhor vestido de vermelho com barbas brancas, um pouco barrigudo, olhei para a inventada chaminé e nenhuma dificuldade encontrei para o dito senhor não me ter deixado alguma coisa, enfureci-me e mentalmente insultei-o, e chamei-lhe todos os nomes possíveis e imaginários, comecei e, Boi e terminei em filho da puta, até que um dos meus irmãos mais velhos me explicou
Não vês rapaz que ele ainda não tem a tua nova direcção, e confesso que não percebi, Direcção, que direcção? O que é uma direcção? E ele explicava-me pacientemente que era a minha nova morada e eu a chorar perguntava-lhe Porquê, Porque viemos, e se fosse hoje ele talvez me dissesse que o meu nome não constava da base de dados, mas eu estava ontem, e ontem eu só tinha uma folha de papel selado com vinte e cinco linhas, mas
Vou entregá-la a quem? Ontem não se podia reclamar de nada, como ia eu queixar-me do homem vestido de vermelho com barbas brancas e algo de barrigudo? Não podia,
Mas como diz o OUTRO
AGUENTAMOS, ENTÃO NÃO AGUENTAMOS?
Eu e os meus pais e os meus irmãos mais velhos e os nossos vizinhos e os vizinhos dos vizinhos,
Todos
Aguentamos e estamos vivos e de boa saúde.
Sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
O musseque engorda,
A sanzala incha como pequenos frascos em vidro quando miúdo colocávamos grilos e outros bichos, nãos os que matam as cadeiras da vida, estes, estes apenas nos roubam os sonhos, roubavam, porque hoje, nem bichos, nem sonhos, nem... nem o teu corpo castanho,
Tomba,
Entre os charcos acabados de preencher como o impresso de candidatura com o respectivo currículo, depois de entregue
Lixo,
Depois de entregue
Nem para limpar o cu serve,
Brancooo é papel e só serve para limpar o cu”, gritavam elas,
E a sanzala inchava, crescia, multiplicava-se,
Lixo,
Sem muros, como vértices de areia engolidos por sexos baratos, regressava da feira da Ladra apenas com as cuecas e pouco mais, a vida de difícil passou a horrível,
E a diferença
Está no número, de autocarro é um, de eléctrico... talvez seja outro, mas todos vão dar ao mesmo, e todos me levavam de regresso, entrava em casa, subia as escadas tão devagar que nem as ratazanas davam pela minha presença, mas ela
Isto são horas de chegares?
E eu perguntava-me se existem horas certas para regressar a casa, mesmo apenas em cuecas, se existem horas certas para as refeições...
Horas, tem horas?
Não, não as tenho, sou alérgico,
Mas ela entre perguntas e respostas, entre o vai e o vou, fui e nunca mais voltei à sanzala, cansei-me das viagens nocturnas pelas avenidas transatlânticas com bancos em madeira e pássaros de pedaços papel, fartei-me da cubata apenas só com uma porta de entrada, e juro
Detesto,
Juro que me irrita entrar e sair sempre pelo mesmo sítio, parece de loucos, e de loucos, juro, preferia entrar pela porta e sair pela janela, mas a cabra da cubata nem janelas tem, nem cortinados tem, nem tecto onde suspender um par de calças
Tem?
Não, não tem não,
E entro em casa de cuecas na mão, ela
De onde vens tu?
Venho da lua, venho do mar, venho de onde não te interessa,
Adeus,
Era Domingo, acordei cedo, sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
E O musseque engorda...
A caixinha envidraçada, suspensa na madrugada, sentia-se o silêncio no espelho da mágoa, havia entre nós o sentimento de que nunca mais regressávamos, partíamos..., e
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho,
Dentro da caixinha trazíamos pedacinhos de saudade, poucos tarecos e amanheceres de nada, partíamos para o desconhecido, partíamos sem sabermos o que nos esperava, lá longe, ma Metrópole,
Pai? Sim filho, o que é... essa coisa de..., Metrópole, meu filho? Sim, sim pai, é a nossa terra, responde-me ele secamente, não percebi, pois sempre ouvi (com todas as letras) dizer que a minha terra era Angola, não...
Não essa Metrópole, não essa coisa de..., deixa lá pai, não faz mal, depois explicas-me, e cresci, e vivi, ou melhor, fui vivendo sem perceber o significado de Metrópole, esta angústia, este desassossego...
Pai? Sim meu filho...! Será esta a nossa última viagem? Não sei, não sei... não sei meu filho...


Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 3 de julho de 2014


A caixinha envidraçada, suspensa na madrugada, sentia-se o silêncio no espelho da mágoa, havia entre nós o sentimento de que nunca mais regressávamos, partíamos..., e
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho,
Dentro da caixinha trazíamos pedacinhos de saudade, poucos tarecos e amanheceres de nada, partíamos para o desconhecido, partíamos sem sabermos o que nos esperava, lá longe, ma Metrópole,
Pai? Sim filho, o que é... essa coisa de..., Metrópole, meu filho? Sim, sim pai, é a nossa terra, responde-me ele secamente, não percebi, pois sempre ouvi (com todas as letras) dizer que a minha terra era Angola, não...
Não essa Metrópole, não essa coisa de..., deixa lá pai, não faz mal, depois explicas-me, e cresci, e vivi, ou melhor, fui vivendo sem perceber o significado de Metrópole, esta angústia, este desassossego, sentia-me enforcado numa sombra de uma das mangueiras do meu quintal,
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho, e eu perguntava-me por era tão grande aquele paquete de papel..., pai? Sim, filho, não tenhas medo, meu filho, não tenhas...

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Julho de 2014

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Silêncio vulcânico


Do teu silêncio vulcânico,
pequenos milímetros de saudade,
pedacinhos de beijos suspensos nas andorinhas,
estrelas há, mas um cortinado opaco ofuscam o teu olhar...
sereno,
uma sentinela fuma vagarosamente o seu cigarro de sombras alcalinas,
e tu, tu pertencente ao círculo trigonométrico, embrulhas-te no cosseno do desejo,
havendo sobre ti alguns sobejantes sorrisos de Luar,

Ou...
talvez, ou talvez não pertenças tu às noites sonolentas das camas de veludo,
do teu silêncio...
as gargalhadas dos telhados cabelos que voam sobre a cidade,

A musicalidade das tuas pálpebras quando se escancara uma janela de acesso ao mar,
o barco do sémen encalhado nas tuas coxas de vidro,
uma jarra de hortênsias envergonhada, suicida-se,
e no pavimento da inocências alguns pingos de espuma do colorido amanhecer,
do teu...
… o silêncio vulcânico insemina-se e cresce sobre os teus seios de Primavera,
louca,
a sanzala saltita entre charcos e os desnudos pássaros com sabor a viagem...

Ou...
talvez, ou talvez pertenças tu a um sonho impossível,
semeada no jardim da solidão...
ou... ou do teu silêncio vulcânico... acordem as cinzas da madrugada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 30 de Maio de 2014

sábado, 22 de março de 2014

O cansaço da manhã

foto: Algures entre Luanda e Lisboa – Setembro/1971

Percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã,
flutuávamos sobre as palmeiras hilariantes junto à Baía, davas-me a mão, e obrigavas-me a sonhar,
dizias-me que os barcos eram corpos moribundos de passageiros em viagem,
e do cais observávamos os caixotes em madeira prontos para o suicídio da loucura,
eu, eu acorrentava-me a ti como se tu fosses um embondeiro entre nuvens e sanzalas, que voava,
que... que acreditava em papagaios de papel e nos alicerces nocturnos de uma cidade em construção,

Gosto muito de ti, dizia-te!
Quero ser como tu, simples, como as primeiras palavras que me ensinaste e os primeiros rabiscos que deixei em todas as paredes da casa onde tínhamos as mangueiras e as pombas... e o portão, o portão...
imaginava-me a sobrevoar todo o bairro em cima de um velho triciclo,
e... e nunca me esquecia de te esperar no final do dia,
“percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã”,
e chorava quando adormecia sem perceber que já tinhas chegado...

E chorava quando me mostravas o mar, e as gaivotas, e... e os coqueiros,
levavas-me ao Baleizão, sentávamos-nos na esplanada, e eu, eu sonhava como essa cidade em construção que um dia tive de abandonar, regressei às tuas mãos, regressei como um velho caixote em madeira... procurando corpos moribundos em viagem,
afinal... afinal também me transformei em passageiro em viagem,
um caixote em madeira, com olhos, com braços, com mãos... e sonhos de sonhar,
barco, dei-me conta que hoje sou um barco rumo ao desconhecido,
um barco travestido de saudade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Março de 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

Regressar

foto de: A&M ART and Photos

Imagino-me deitado nos teus recortados sonhos de papel cenário,
acaricio a tesoura da saudade e sinto-lhe o perfume do amanhecer,
há entre nós uma sombra louca em betão armado,
amado cacilheiro vagueando ruas e avenidas sem janelas para o mar,
imagino-me adormecido,
ausente dos teus beijos,
imagino-me deitado nos teus tristes lábios quando a tua pele se despede da madrugada,
há uma ponte para atravessarmos, há uma ponte imaginária nas tuas mãos de cidade sem nome...
e dos teus dedos vejo crescerem dentes de gladíolos como desenhos de paixão ancorados ao meu peito de celofane,
imagino-me sentado esperando o teu regresso...
e sei que nunca vais regressar, porque é impossível regressarem aqueles que nunca existiram...
e fico junto ao cais, imaginando-me deitado nos teus recortados sonhos de papel cenário,

Imagino-me deitado nos teus olhos com odor a amoreiras apaixonadas,
imagino-me cinzento,
nuvem sem rumo, nuvem em pequenos farrapos de nada,
imagino-me sendo as tuas pálpebras e percebo o significado da dor,
imagino-me deitado... de papel cenário,
cansado... cansado dos versos embriagados,
imagino-me o cigarro que não consegue arder porque acredita nos sonhos de papel cenário,
e quando se afunda a noite no meu corpo...
o circo emerge de mim,
palhaços, trapezistas... e animais embalsamados... imaginam-me deitado nos teus seios poéticos com sabor a sílabas abençoadas,
como os pássaros...
como os pássaros poisados em jangadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 11 de Março de 2014

terça-feira, 17 de setembro de 2013

a bagagem das conversas cíclicas e sinusoidais do cosseno do desejo

foto de: A&M ART and Photos

levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel
desisto de “O medo – AL Berto” porque no paraíso não existe medo
amor
ou paixão
porque no paraíso apenas existem recordações
e a saudade
levávamos os cheiros de uma cidade em ruínas...

levávamos os sonhos desfeitos
e os desenhos para pintarmos quando chegasse a noite
levaria uma caneta de tinta permanente? lápis de cor?
não
talvez
as recordações adormeçam na mão da insónia
disfarçando-se de solidão
como árvores tombando sobre os velhos bancos em madeira

sonho connosco sentados a uma lareira
invento dentro de mim Invernos
e livros que poisarão nas nossas trémulas mãos
sonho com as conversas de dois velhos rabugentos
sempre discordando por tudo e por nada
sempre
sempre com uma mantinha sobre os joelhos
e com a esperança de que um dia o mar entre pela janela

(o leite e as bolachas)

sonho
levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel

e esperava infinitamente que se extinguisse a lareira
que cessassem todas as luzes do Universo
que morresse a Lua e o Sol
e que em todas as flores com coração de chocolate...
uma rosa absorvesse os teus molhados lábios
e te erguesses das cinzas cíclicas e sinusoidais do cosseno do desejo...
os teus seios fungiformes mergulhariam no “momento fletor” das tuas coxas
e uma viga regressada das lágrimas tangenciais do silêncio... a cor dos teus olhos

sonho
levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel

a cor dos teus olhos
verdes? castanhos? negros? desculpa-me... esqueci-me e nunca soube as cores
e nunca percebi os túneis de vento
ou... os buracos de minhoca
ou a tão afamada partícula de deus
eu sei eu sei
eu sei que para nós isso não tem importância...
porque levaríamos apenas as recordações e alguns cachos de uva moscatel


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Setembro de 2013

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A cidade dos embebidos marinheiros

foto de: A&M ART and Photos

És a única bagagem que sobejou da viagem ao teu meu corpo gourmet embebido em pequenas framboesas e gotas de champanhe, trazíamos no rosto as telas do louco pintor que habitava na rua onde passeávamos todas as noites antes de deitarmos o mar no leito da saudade, eu pegava nele ao colo, em poucos metro de viagem, deitávamos-lo sobre uma deserta cama com lençóis de Pôr-do-Sol e finas tiras do adormecido miolo que o pão em molho de beijos vagabundos que dos lábios teus saltitavam até de encontro aos vidros da pequena janela
Embaterem e destruírem-se como bolas de sabão,
Ouvíamos o ruído em cacos vidros caírem sobre a ruela com a garganta apertada, sentia-se na respiração o ofegante grito do cansaço, caírem como pedaços de papel em colorida cinza, e confesso que
Não gosto, e detesto,
Que entre em mim a noite mendiga, travestida, enfeitada com cartão e velhos cobertores que antigamente alimentavam lindos cortinados suspensos na janela da sala onde habitava o piano da tia Adosinda, onde permanecia ainda, penso eu que
Não gosto, e detesto,
Que me digam o que tenho ou não de fazer, que os espelhos me olhem e me ordenem
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
Penso que sobrevivia sozinho, e não precisavas de esconder debaixo da mesa as chaves do sótão da rua das flores, e não precisavas de trazer no rosto as minhas pobres telas, e não precisavas de retirar todos os cortinados e oferece-los aos mendigos da rua contígua que agora utilizam como cobertores
Cantigas, lérias... olha agora cobertores...
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
Não, não gosto, e detesto,
(és a única bagagem que sobejou da viagem ao teu meu corpo gourmet embebido em pequenas framboesas e gotas de champanhe, trazíamos no rosto as telas do louco pintor que habitava na rua onde passeávamos todas as noites antes de deitarmos o mar no leito da saudade, eu pegava nele ao colo, em poucos metro de viagem, deitávamos-lo)
Lembras-te de mim, miúda?
Provavelmente já não te lembras do pintor que trazia no rosto as sujas telas e os tristes papeis como argamassa do muro da solidão, eras tão nova, que
Não, não gosto,
Que confesso,
Que
Lembras?
Que foi a última vez que tive na mão o beijo da cidade dos embebidos marinheiros que chegavam em pequenos grupos aos teus braços, ainda pensei plantar-me junto ao rio, ainda pensei
Ainda gostas de mim?
Gostar, o que é gostar?
Que ainda pensei transformar-me em ponte, em aço de preferência, esticava os braços, juntava as duas margens, ou
Cantigas, lérias... olha agora cobertores...
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
… ou
É triste
É triste ser peixe e viver dentro de um minúsculo aquário de peneirento vidro com perfume made in China, depois chegavas a casa, corrias os cortinados, entrava em nós a luz ténue da madrugada, abrias o piano, e começavas a tocar para mim...
Ou...
Tão triste, tão, ser peixe em trinta e seis suaves prestações... e sem juros.


(Não revisto . Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 29 de Agosto de 2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O esconderijo

foto: A&M ART and Photos

Sabia que te escondias na sombra de uma locomotiva louca
entre carris imaginários
e praias de incenso sobre tingidas nuvens amarguradas
sabia e não fazia nada
deixava-te sombrear nas planícies rebeldes da solidão,

Inconstante este amor que os comboios deixam nos socalcos ao rio doirado
milagrosamente só como sandálias de couro e pingos de espuma
e o mar transpirava
e quase me levava até à pedra onde te sentavas
só como eu só nas locomotivas loucas,

Sabia que te escondias... louca
entre cartas invisíveis nas palavras famintas
sabia-o e nada fazia para te resgatar da ausência que a saudade constrói nos sorrisos de amendoeira
e olhava-te como uma louca locomotiva em movimento
procurando sombras que o rio Douro vomitava...

Tínhamos um mala simples com objectos simples com destinos diferentes
eu sabias que me transportava para Sul
e tu
tu fingias transportares-te para Sul obliquamente sabendo-o que irias para Norte
opostamente de mim como uma serpente envenenada,

Hoje somos apenas dois cadáveres de areia que o tempo
semeia sobre a água salgada onde se escondem os teus seios de cereja
e brincam as tuas coxas como livros em poesia depois de lidos relidos e transcritos
pela louca locomotiva
de uma imagem a preto-e-branco...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 18 de maio de 2013

Línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs

foto: A&M ART and Photos

Esperas-me?
terminam os carris, sorris, desces para mim das bananeiras imergente dos teus livros em desassossego, levantas-me como se eu fosse uma fina folha de papel, revestida, o sobretudo, as algibeiras desconexas, parasitando-lhes as mandíbulas emagrecidas, que a noite escreve no teu cabelo, o trabalho?
Não trabalho,
imagino-me como línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs onde brincam caravelas, mulheres, homens, gaivotas coloridas, travestidas e belas, tão, o pouco trabalho, desejado caminhar sobre capim e sombra do zinco musseque de arame, as palmeiras viajam paralelamente ao teu corpo diurno, conheci ontem uma montanha, imagino-a deitada, debaixo dos meus lençóis de cadáver com cheiro a mimosas florida, alecrim, e
Não pertenço aos teus doces crisântemo adjacentes das curvas de horror que vivem nas clareiras praias inocentes, existiam dizias-me, homens com capacetes de verniz, dizias-me, existirem janelas com roldanas onde uma corrente de aço se alicerçava, e puxavas os pesadíssimos ascensores entre o trânsito, transeuntes de palha, moveis de penúria, magrezas e gentilezas, tuas, quando gritavas o meu nome
francisco!
Coisa nenhuma, eu, escondido no teu ventre de sofrimento, lendo, relendo, o perfume e os desenhos (corações e setas... e algures, perdidamente, eu + tu), e hoje, não percebo, nunca percebi, quem eras tu, e quem realmente sou eu,
Francisco, e pensava olhando o espelho da noite que começava na sanzala, - Vais levar nos cornos! - e claro, eu, eu nunca me enganava, e ainda hoje, tenho medo ao
francisco...
esperas-me?
Ao que eu pensava, não, não te espero, nunca te esperei, odeio-te, és um inútil covarde de metano, um cigarro encharcado de medos, fúrias, solidões e casas de pasto, factura?
não
Obrigado, a todos, por, terem vindo ao meu último desejo, a viagem sem regresso, deslizar sobre o gelo fundido, caminhar sobre as searas de milho e recordar-me das corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente
peixe frito, sandes de torresmos, tremoços e quitetas, (os parvos nem imaginam o que são quitetas), vinho da casa, bom, do melhor que há, e claro, não posso esquecer os bolos maravilhosos da tia Guilhermina, tão velhinha, tão oca como as oliveiras antes de conhecerem a morte, mas apenas ela, e só ela, consegue, com meia dúzia de ovos, pouco açúcar e farinha... inventar maravilhosos belos bolos cobertos por uma única fina película de chocolate, as galinhas ainda não morreram, ainda temos algumas couves para o seu sustento, e os peixes do aquário, ultimamente, parecem andorinhas, voam, de encontro às vidraças das janelas da sala de jantar, que por razões economicistas, está encerrada, na porta, temos um letreiro “encerrado para obras”, e assim, enganamos os clientes, amigos e familiares,
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente, nesta, na próxima, cidade, brevemente regressados a casa, descalços, despidos, mergulhávamos no misterioso corpo rochoso da menina Guilhermina
sua tia?
Não, esta não é a verdadeira tia Guilhermina, esta, a menina, a menina do rés do chão frente, número trinta e três, mil e duzentos, Lisboa, esta, a menina Guilhermina, aquela que entra em mim, e me desassossega para eu escrever todas estas
francisco...
Corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Francisco.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Viagem

Dizem-me que regressaste
e sofres
como a noite se dissolve nas rochas infinitamente amarguradas
e sofres
como uma cratera à volta da lua
loucamente sofrendo as dores do inferno

(regressaste
e sofres)

e dormes profundamente nas areias do caos.

(poema não revisto)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

E tu não vens


E tu não vens
ao encontro dos meus braços
à luz dos meus olhos
cansados de esperar
junto à paragem do bus...
e tu não vens
ao encontro dos meus braços
agarrados à saudade
nos lábios do mar
ao longe a cidade
ao longe... o feitiço de amar
mergulhado na paisagem.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

viagem à lua

a viagem à lua
o rio encharcado de suor
a manhã toda nua
de joelhos no altar-mor,

o terço abraçado
a uma pétala em flor
deus ao teu lado
a escrever versos de amor,

ave maria cheia de graça
que voa sobre o mar
desce uma pomba à praça
levanta-se a manhã do altar.