foto: Algures entre Luanda e Lisboa –
Setembro/1971
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Percebia-se nas tuas tristes pétalas o
cansaço da manhã,
flutuávamos sobre as palmeiras
hilariantes junto à Baía, davas-me a mão, e obrigavas-me a sonhar,
dizias-me que os barcos eram corpos
moribundos de passageiros em viagem,
e do cais observávamos os caixotes em
madeira prontos para o suicídio da loucura,
eu, eu acorrentava-me a ti como se tu
fosses um embondeiro entre nuvens e sanzalas, que voava,
que... que acreditava em papagaios de
papel e nos alicerces nocturnos de uma cidade em construção,
Gosto muito de ti, dizia-te!
Quero ser como tu, simples, como as
primeiras palavras que me ensinaste e os primeiros rabiscos que
deixei em todas as paredes da casa onde tínhamos as mangueiras e as
pombas... e o portão, o portão...
imaginava-me a sobrevoar todo o bairro
em cima de um velho triciclo,
e... e nunca me esquecia de te esperar
no final do dia,
“percebia-se nas tuas tristes pétalas
o cansaço da manhã”,
e chorava quando adormecia sem perceber
que já tinhas chegado...
E chorava quando me mostravas o mar, e
as gaivotas, e... e os coqueiros,
levavas-me ao Baleizão, sentávamos-nos
na esplanada, e eu, eu sonhava como essa cidade em construção que
um dia tive de abandonar, regressei às tuas mãos, regressei como um
velho caixote em madeira... procurando corpos moribundos em viagem,
afinal... afinal também me transformei
em passageiro em viagem,
um caixote em madeira, com olhos, com
braços, com mãos... e sonhos de sonhar,
barco, dei-me conta que hoje sou um
barco rumo ao desconhecido,
um barco travestido de saudade.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Março de 2014
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