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terça-feira, 17 de setembro de 2013

a bagagem das conversas cíclicas e sinusoidais do cosseno do desejo

foto de: A&M ART and Photos

levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel
desisto de “O medo – AL Berto” porque no paraíso não existe medo
amor
ou paixão
porque no paraíso apenas existem recordações
e a saudade
levávamos os cheiros de uma cidade em ruínas...

levávamos os sonhos desfeitos
e os desenhos para pintarmos quando chegasse a noite
levaria uma caneta de tinta permanente? lápis de cor?
não
talvez
as recordações adormeçam na mão da insónia
disfarçando-se de solidão
como árvores tombando sobre os velhos bancos em madeira

sonho connosco sentados a uma lareira
invento dentro de mim Invernos
e livros que poisarão nas nossas trémulas mãos
sonho com as conversas de dois velhos rabugentos
sempre discordando por tudo e por nada
sempre
sempre com uma mantinha sobre os joelhos
e com a esperança de que um dia o mar entre pela janela

(o leite e as bolachas)

sonho
levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel

e esperava infinitamente que se extinguisse a lareira
que cessassem todas as luzes do Universo
que morresse a Lua e o Sol
e que em todas as flores com coração de chocolate...
uma rosa absorvesse os teus molhados lábios
e te erguesses das cinzas cíclicas e sinusoidais do cosseno do desejo...
os teus seios fungiformes mergulhariam no “momento fletor” das tuas coxas
e uma viga regressada das lágrimas tangenciais do silêncio... a cor dos teus olhos

sonho
levaria comigo as recordações
e alguns cachos de uva moscatel

a cor dos teus olhos
verdes? castanhos? negros? desculpa-me... esqueci-me e nunca soube as cores
e nunca percebi os túneis de vento
ou... os buracos de minhoca
ou a tão afamada partícula de deus
eu sei eu sei
eu sei que para nós isso não tem importância...
porque levaríamos apenas as recordações e alguns cachos de uva moscatel


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Setembro de 2013

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A cidade dos embebidos marinheiros

foto de: A&M ART and Photos

És a única bagagem que sobejou da viagem ao teu meu corpo gourmet embebido em pequenas framboesas e gotas de champanhe, trazíamos no rosto as telas do louco pintor que habitava na rua onde passeávamos todas as noites antes de deitarmos o mar no leito da saudade, eu pegava nele ao colo, em poucos metro de viagem, deitávamos-lo sobre uma deserta cama com lençóis de Pôr-do-Sol e finas tiras do adormecido miolo que o pão em molho de beijos vagabundos que dos lábios teus saltitavam até de encontro aos vidros da pequena janela
Embaterem e destruírem-se como bolas de sabão,
Ouvíamos o ruído em cacos vidros caírem sobre a ruela com a garganta apertada, sentia-se na respiração o ofegante grito do cansaço, caírem como pedaços de papel em colorida cinza, e confesso que
Não gosto, e detesto,
Que entre em mim a noite mendiga, travestida, enfeitada com cartão e velhos cobertores que antigamente alimentavam lindos cortinados suspensos na janela da sala onde habitava o piano da tia Adosinda, onde permanecia ainda, penso eu que
Não gosto, e detesto,
Que me digam o que tenho ou não de fazer, que os espelhos me olhem e me ordenem
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
Penso que sobrevivia sozinho, e não precisavas de esconder debaixo da mesa as chaves do sótão da rua das flores, e não precisavas de trazer no rosto as minhas pobres telas, e não precisavas de retirar todos os cortinados e oferece-los aos mendigos da rua contígua que agora utilizam como cobertores
Cantigas, lérias... olha agora cobertores...
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
Não, não gosto, e detesto,
(és a única bagagem que sobejou da viagem ao teu meu corpo gourmet embebido em pequenas framboesas e gotas de champanhe, trazíamos no rosto as telas do louco pintor que habitava na rua onde passeávamos todas as noites antes de deitarmos o mar no leito da saudade, eu pegava nele ao colo, em poucos metro de viagem, deitávamos-lo)
Lembras-te de mim, miúda?
Provavelmente já não te lembras do pintor que trazia no rosto as sujas telas e os tristes papeis como argamassa do muro da solidão, eras tão nova, que
Não, não gosto,
Que confesso,
Que
Lembras?
Que foi a última vez que tive na mão o beijo da cidade dos embebidos marinheiros que chegavam em pequenos grupos aos teus braços, ainda pensei plantar-me junto ao rio, ainda pensei
Ainda gostas de mim?
Gostar, o que é gostar?
Que ainda pensei transformar-me em ponte, em aço de preferência, esticava os braços, juntava as duas margens, ou
Cantigas, lérias... olha agora cobertores...
Olha lá pá... tens de desfazer essa barba,
Olha lá pá... tens de cortar esse cabelo,
Olha lá pá...
… ou
É triste
É triste ser peixe e viver dentro de um minúsculo aquário de peneirento vidro com perfume made in China, depois chegavas a casa, corrias os cortinados, entrava em nós a luz ténue da madrugada, abrias o piano, e começavas a tocar para mim...
Ou...
Tão triste, tão, ser peixe em trinta e seis suaves prestações... e sem juros.


(Não revisto . Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 29 de Agosto de 2013