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segunda-feira, 30 de março de 2015

Carta ao destino


Pareço um sedimento

Quando acordam as abelhas

E as migalhas de gelo

Que não pareço

Sonham nas árvores do teu jardim

Sou o vagabundo transatlântico

Desgovernado

Como sempre fui

Desde que nasci

Quando abriram a janela do perfume

E lá estavam elas

Todas preenchidas

 

Empilhadas

As nuvens de um Domingo

Sem endereço

Ou… ou identidade

Sinto no teu olhar o luar de Janeiro

Porque nasci em Janeiro

Era Verão

O calor entranhava-se na minha mão

Ouvia o sorriso dos parvalhões

À minha volta

Tão pequenino

Tão…

 

(o caralho que vos foda, pensava eu)

Quem são estes gajos

E estas gajas…

Ninguém me respondeu

Ninguém

Hoje são apenas palavras

Mortas

Numa cidade

Morta

Como as ditas migalhas de gelo

Cambaleando num calendário enforcado numa parede

Havia riscos

 

Letras indecifráveis

Papéis velhos

Não amigáveis

A guerra

O silêncio das balas

Cruzando o berçário

Eu era um ranhoso

Rabugento

Sempre aos berros

E mal abri os olhos

Barcos

O meu primeiro sonho

 

Fugi

Mudei de nome

Hoje não sei onde nasci

E se essa terra ainda existe

Ou… ou é apenas uma imagem sem coração

O dia deitava-se sobre a pedra fria da morgue

Eu percebia que lá fora

Alguém

Me esperava

Para quê?

Se eu nunca quis ninguém…

Ao meu lado para me esperar

 

Eu só queria partir

E voar…

Pegar numa faca

E cortar todos os segredos

E todas as sombras

De um quintal

Com mangueiras

E um papagaio em papel

Desenhos

Desenhos no meu peito

Que hoje escorregam quando me levanto

E se transformam em lixo…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 30 de Março de 2015

domingo, 9 de novembro de 2014

A morte em seu regressar


A morte em seu regressar
palmilhando aventuras
despedindo a dor e o sofrimento
a morte em seu regressar
das catacumbas da insónia
há nas tuas pálpebras de amêndoa
um poema embebido em lágrimas
há nos teus ossos a sinfonia da partida
a morte... a morte sem melodia
perdes-te na cidade
andas descalço até tombares no chão
como um soldado... como um canhão,

Não gritas
não inventas desculpas para a tua viagem
nada levas
tudo em ti pertence à poeira
e ao cansaço de viver
a morte em seu regressar
entre nocturnos pássaros
e desnudas nuvens de incenso
a morte... a morte da palavra
quando todo o papel arde na tua mão...
e tu... e tu sem nada dizeres
impávido... olhas-te no espelho... e constróis sorrisos de vidro!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Novembro de 2014

sábado, 27 de julho de 2013

Os apitos uivos

foto de: A&M ART and Photos

Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão, os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a poesia, e sorrisos lábios poisados sobre a vadia areia das cavernas flores que a madrugada alimentava, e depois, vomitava como vapor da velha máquina ferrugenta fingindo engolir o negro carvão como seara de trigo se tratasse..., ouvíamos, não, apenas eu ouvia os ditongos, não, apenas eu percebia as velhas sílabas em danças de salão, ouvíamos música, não, eu ouvia música, eu
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa)
Eu fartei-me dos comboios, das máquinas enferrujadas e dos silêncios das tuas velhas madeixas, digamos que... cansei-me de ti, das tuas horrendas letras travestidas em palavras, palavras, palavras, velhas, sempre velhas, comboios... barcaças, e migalhas sobre a mesa da cozinha,
Fumegava em soluços a cansada lareira,
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa)
Digamos que não passas de um esqueleto de arame dobrado sobre a cidade, prendias-te a um edifício granítico, de um lado, e do outro, percebia-se pela marca do teu pulso que estavas suspensa a uma ratoeira invisível com janelas circulares, o teu corpo parecia um petroleiro fundeado dentro do Tejo junto à dentadura em Marfim de Almada, do outro lados, eu,
Eu percebia que nunca mais comboios, eu percebia que nunca mais ruas curvilíneas, de sentido único, sem banco em madeira, sem flores, sem jardins..., sem meninos e meninas a brincarem aos comboios eléctricos, eu percebia que nunca mais os soluços que fumegavam da cansada lareira em triste insónia, e que a paixão e o amor...
Eu
Digamos que não passas de um esqueleto de arame dobrado sobre a cidade, uma esfarrapada bandeira que o mastro de um veleiro transporta, gaivotas, elas, também esquecidas dos apitos uivos, elas também, as madames, vestidas com folhas de jornal, e passeando-se nos carris envenenados da cidade canibal, e sabíamos que na rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa, havia tambores em desvairados transparentes rufos, eu não te merecia, só, eu, apenas eu, não eu, apenas eu,
Eu?
Só porque o quero...
Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão, os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a poesia, a fome em palavras atravessava-me e apanhava-me sempre quando eu
Eu?
Quando eu sentado numa esplanada, ouvia os apitos uivos das máquinas ferrugentas, os barcos ao aço carbono, como trepadeiras subindo pelas escadas do sótão até chegarem ao céu, uivavas, gemias, parecias a locomotiva vaidosa que brincava entre o trigo e o sorriso, eu, lindo, queixava-me que a tua sombra era uma estátua de pedra, uma rocha colorida com olhos de manteiga, eu...
Eu? E que a paixão e o amor...
Só porque o quero...
… levemente distante das chuvas fumegantes das esplanadas com cadeiras plastificadas, os livros, ardiam na lareira que há pouco te falei
Lembras-te?
Eu?
Deixei de os amar,
Deixemos de perceber porque nasciam sorrisos quando deviam crescer lágrimas, e que a lareira só existia porque ainda não tinha regressado de ontem a Primavera de hoje, e o vento trazia-nos as poucas migalhas que sobejaram das sangrentas viagens ao inferno dos peixes; os teus peixes e as tuas algas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Navegantes sorrisos

foto: A&M ART and Photos

Os desencontros dos navegantes sorrisos
da sua boca o desassossego em preguiça
os meus teus lábios voando sobre as calçadas do silêncio
entre medos
degredos
teus luxos segredos
quando um cortinado se esbanja à janela da solidão
e a tempestade avança contra nós e nos tomba no chão,

Os espelhos dos teus seios como coloridas manhãs de Primavera
havíamos plantado árvores de brincar
tínhamos bancos de sentar
como inventada madeira
saltitando nervos dos horóscopos aquários
eu vagabundo
eu imundo... sorrindo cansaços marasmáticos em saliva amanhecer
e oiço a tua sóbria voz no meu peito de xisto,

Tinhas na boca a minha boca em papel cremado
sentia a tua língua em poesia escrevendo versos no meu pescoço...
pegava-te na mão dilacerada e esperava pelas tuas doçuras coxas
inventávamos areia sobre os lençóis de linho
e desciam as estrelas sobre os nossos corpos em delírio
coisas em coisas como tinta numa tela encarcerada dentro da prisão dos húmidos desejos
e havíamos esgotado todos os livros e marés de ninguém
e tínhamos um cubículo de fome só nosso... como flores esquecidas na jarra sobre a mesa-de-cabeceira....

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 13 de outubro de 2012

Cansados às vezes esquecidos


O mar a enrolar sorrisos
nas mortalhas dos lábios adormecidos
cansados,

às vezes
esquecidos,

e nos silêncios perdidos
caminha a noite sem destino
porque nas mãos de um menino
vive e cresce a madrugada,

cansadas
às vezes,

as equações diferenciais
suspensas no desejo das matrizes compostas
que o dia constrói
e a tarde alimenta,

o mar
e os cigarros em migalhas
antes de fumados,

o mar a enrolar sorrisos
nas mortalhas dos lábios adormecidos
cansados,

cansados
às vezes,
às vezes cansadas,

as vozes dormentes da Primavera.

(poema não revisto)