foto de: A&M ART and Photos
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Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão,
os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas
com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as
gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a
poesia, e sorrisos lábios poisados sobre a vadia areia das cavernas
flores que a madrugada alimentava, e depois, vomitava como vapor da
velha máquina ferrugenta fingindo engolir o negro carvão como seara
de trigo se tratasse..., ouvíamos, não, apenas eu ouvia os
ditongos, não, apenas eu percebia as velhas sílabas em danças de
salão, ouvíamos música, não, eu ouvia música, eu
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão,
Lisboa)
Eu fartei-me dos comboios, das máquinas
enferrujadas e dos silêncios das tuas velhas madeixas, digamos
que... cansei-me de ti, das tuas horrendas letras travestidas em
palavras, palavras, palavras, velhas, sempre velhas, comboios...
barcaças, e migalhas sobre a mesa da cozinha,
Fumegava em soluços a cansada lareira,
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão,
Lisboa)
Digamos que não passas de um esqueleto de arame
dobrado sobre a cidade, prendias-te a um edifício granítico, de um
lado, e do outro, percebia-se pela marca do teu pulso que estavas
suspensa a uma ratoeira invisível com janelas circulares, o teu
corpo parecia um petroleiro fundeado dentro do Tejo junto à
dentadura em Marfim de Almada, do outro lados, eu,
Eu percebia que nunca mais comboios, eu percebia que
nunca mais ruas curvilíneas, de sentido único, sem banco em
madeira, sem flores, sem jardins..., sem meninos e meninas a
brincarem aos comboios eléctricos, eu percebia que nunca mais os
soluços que fumegavam da cansada lareira em triste insónia, e que a
paixão e o amor...
Eu
Digamos que não passas de um esqueleto de arame
dobrado sobre a cidade, uma esfarrapada bandeira que o mastro de um
veleiro transporta, gaivotas, elas, também esquecidas dos apitos
uivos, elas também, as madames, vestidas com folhas de jornal, e
passeando-se nos carris envenenados da cidade canibal, e sabíamos
que na rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa, havia
tambores em desvairados transparentes rufos, eu não te merecia, só,
eu, apenas eu, não eu, apenas eu,
Eu?
Só porque o quero...
Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão,
os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas
com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as
gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a
poesia, a fome em palavras atravessava-me e apanhava-me sempre quando
eu
Eu?
Quando eu sentado numa esplanada, ouvia os apitos
uivos das máquinas ferrugentas, os barcos ao aço carbono, como
trepadeiras subindo pelas escadas do sótão até chegarem ao céu,
uivavas, gemias, parecias a locomotiva vaidosa que brincava entre o
trigo e o sorriso, eu, lindo, queixava-me que a tua sombra era uma
estátua de pedra, uma rocha colorida com olhos de manteiga, eu...
Eu? E que a paixão e o amor...
Só porque o quero...
… levemente distante das chuvas fumegantes das
esplanadas com cadeiras plastificadas, os livros, ardiam na lareira
que há pouco te falei
Lembras-te?
Eu?
Deixei de os amar,
Deixemos de perceber porque nasciam sorrisos quando
deviam crescer lágrimas, e que a lareira só existia porque ainda
não tinha regressado de ontem a Primavera de hoje, e o vento
trazia-nos as poucas migalhas que sobejaram das sangrentas viagens ao
inferno dos peixes; os teus peixes e as tuas algas.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
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