segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Tardes sem poesia

 Os braços morreram, enquanto estes parvos pássaros

Parecem felizes e contentes,

Os rios secaram, mas quanto aos peixes, brincam

Nos teus olhos de milhafre,

E do mar,

 

As pobres geadas das manhãs de Inverno.

Os barcos minguam sob o luar dos teus lábios,

As palavras que vêm a mim…

Tal como os braços, também elas morreram,

E ficou apenas uma velha caneta de tinta permanente

 

Esquecida sobre a secretária da insónia.

Os papeis, todos os desenhos e todas as sombras…

Ardem na tua boca infestada de desejo;

Os braços morreram, as palavras morreram,

Apenas restam as pequenas janelas do sótão

 

Onde habitam ratazanas, árvores e desejos…

Os braços morreram, os pássaros contentes

Escondem-se nas pequenas sílabas do inferno,

E uma sanzala de medo diverte-se nas tristes manhãs

Onde poisam os socalcos da saudade,

 

E as enxadas do silêncio.

Ergo-te as mãos enquanto oiço a morte dos braços

E as brincadeiras dos parvos pássaros,

Invento-me e escondo o mar

Na algibeira das tardes sem poesia.

 

 

 

Alijó, 31/10/2022

Francisco Luís Fontinha

As lágrimas de uma espada de sombra

 

Todas as noites

Cortas-me a cabeça com as tuas mãos de sono,

Acorrentas-me às esplanadas da insónia,

Enquanto no meu peito, uma lâmina de luz, morre.

Já sem cabeça, sento-me nesta pedra

Que chora sempre que a olho,

E também eu, choro quando lhe toco.

Nos meus olhos, um assassino de palavras

Brinca como se fosse uma criança inocente,

Como todas as crianças inocentes,

E eu, impávido, acredito no assassino de palavras;

Verto lágrimas sobre esta pequena folha em papel

Que apenas serve para que esta espada de sombra

Se limpe e purifique do crime cometido.

E o meu corpo jamais será comestível pela espada de sombra.

 

 

Alijó, 31/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Os seios do mar

 


Pego na tua mão

E escrevo nos teus olhos

As lágrimas palavras da manhã,

Pego nos teus lábios

E desenho o silêncio

 

Que se abraça ao beijo,

Pego no teu sorriso

E bebo o veneno

Que cresce na paixão…

E um livro acorda nos seios do mar.

 

 

Alijó, 31/10/2022

(palavras e quadros de Francisco Luís Fontinha)


domingo, 30 de outubro de 2022

Terra sonâmbula dos parêntesis em lágrimas

 Naquela terra de ninguém, num corredor frio e escuro, minúsculo, habitava uma janela para o quintal, do outro lado, uma criança semeava o teu rosto na terra agreste e recheada de pedregulhos onde existiam algumas árvores com folhas em papel e arbustos com sorriso de prata, depois, sem perceber porque tínhamos uma pequena jarra com flores, onde te sentavas junto a ela, via-te desenhar círculos de luz na terra sonâmbula dos parêntesis em lágrimas; e voaste abraçada aos pássaros da noite.

Quantos barcos cabem no mar, meu querido.

Depende.

Depende de quê, meu querido.

Do tamanho dos barcos.

Como assim?

Se os barcos forem magros, cabem muitos. Se os barcos forem gordos, cabem menos.

Não percebo.

Naquela tarde, depois da despedida, fui para o quarto, cerrei a porta e, chorei muito. Peguei num livro com poemas de AL Berto, abri-o na página quinze e percebi que o mar poderia entrar pela janela, não tive medo, pois a minha janela era tão pequenina que seria impossível que este entrasse e se abraçasse ao meu peito.

Trago no peito o silêncio da noite, um porto de acolhimento abraça todos os barcos, mas aqueles que eu mais gosto de abraçar, são os petroleiros com olhos pincelados de rímel, e que nas mãos transportam telegramas sem remetente. Afundo-me nos teus braços, meu amor.

Porque todos os poços têm uma saída, porque todos os braços têm um ramo de flores, ergui-me da cama, abri a minúscula janela e lancei-me contra os rochedos das lágrimas em combustão, depois, abri os braços e comecei a voar…

E fui semeando flores sobre o rio.

Depende.

Depende de quê, meu querido.

Do tamanho dos barcos.

Como assim?

Esquece, nunca irás perceber.

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Monstro

 

Este monstro que sou

Que cresceu dentro do meu peito

Este monstro que fui

E voa como voam os sonhos

E morre como morrem todos os sonhos

 

Este monstro que sou

E semeia as palavras nas tuas mãos

Que desenha monstros no teu olhar

Este monstro

Que sou e fui

 

E serei

Enquanto o mar se despe e envenena a noite

Este monstro

O meu monstro

Que fui que serei que monstro será eternamente enquanto houver luz

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Lágrimas de uma fotografia

 

Porque dormem estas fotografias

Que hoje são poeira

Porque choram estas fotografias

Que ontem eram alegria

E hoje

São pedacinhos de saudade.

 

Porque brincam estas fotografias

Na sombra da minha biblioteca

Onde habitam livros

Homens e mulheres

Crianças e palhaços

Deste circo que é a vida.

 

Porque guardo estas fotografias

Dentro do meu silêncio

Porque escrevo na parte de trás destas fotografias

As palavras envenenadas das tristes tardes de Outono

Quando eu era criança

E hoje sou apenas uma árvore que tomba sobre o mar…

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Daquela noite o abraço teu

 



Ninguém gostava de nós.

Éramos árvores

Plantadas no silêncio do mar

E tínhamos sempre uma criança

Que nos abraçava quando regressava a noite.

 

 

Alijó, 30/10/2022

(texto e quadros de Francisco Luís Fontinha)

sábado, 29 de outubro de 2022

Círculos de luz

 

Habita-me sombra da manhã

Que jorra o veneno sobre o mar

Habita-me e escreve em mim

Os piores desejos da madrugada

Depois… senta-te na minha mão

 

E desenha no teu sorriso

Os pequenos círculos da paixão

Habita-me como se eu fosse o espantalho

Esquecido no campo

À procura do luar

 

 

Alijó, 29/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Corpo silêncio

 


Escrevíamos no olhar da manhã

As tristes cores do desejo

Porque nas paredes dos teus lábios

Habitavam as lágrimas dos tristes Invernos

E sabíamos que havia um corpo suspenso na montanha (o teu corpo)

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

(texto e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Canções da madrugada


 Deita-te no meu peito lápide de sono

Onde habitam as canções da madrugada,

Dome sobre mim,

Deita-te nos meus braços

Caravela envenenada,

 

Flor do meu jardim.

Deita-te sílaba pequenina

Das tardes rochosas,

Das noites sem fim…

Quando as estrelas iluminam os teus olhos,

 

Quando as estrelas são o jasmim.

Deita-te manhã em delírio,

Triste livro em construção,

Deita-te menina insónia,

Insónia deste silenciado coração.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(quadro de Fontinha)

Palavras ao vento

 Morreram-me todas as fotografias

Enquanto a espuma do luar pertence-te

E do húmus silêncio

Regressam ao meu peito as flores da loucura

De um Deus ausente,

 

De uma mão que acusa

Se levanta e ergue sobre a manhã

As cerejas da Primavera

Somos instantes

Fios de sombra

 

Nas asas de um rio,

Somos pertences

Na algibeira dos jardins inconformados

Entretanto

Suportas-me

 

E finges que nas minhas mãos

Não transporto a dor

E o sangue das catacumbas envenenadas

Que sinto correr nas minhas veias…

São como o meu corpo; veneno.

 

E desta manhã embalsamada

Onde guardo as lágrimas do sorriso cio

Invento em ti

As palavras que semeio

Das palavras que lanço ao vento.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As acácias de uma noite de Outono

 Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Pedras cinzentas


 

Olho-te na claridade nocturna da paixão

E este corpo que transporto

Agacha-se junto às pedras cinzentas

Que iluminam o teu sorriso

Pareço o vento

Sou o vento

Quando dorme no teu cabelo

E te abraça como um louco poema

Louco só

Quando as palavras

Se alicerçam aos teus olhos de manhã ensonada

Olho-te sem perceber porque morrem as crianças

Porque choram as crianças no Inverno

Que trazem nas veias o derradeiro veneno

E perdem-se nos corredores da dor

Olho-te na claridade nocturna da paixão

Que neste pobre desenho habita

E depois da morte

Vêm os braços da fé

Quando rezas

Quando te ajoelhas junto ao altar da maré dos silenciados luares

Uma lareira incendeia as tuas mãos

Que ergues a Deus

E no desenho

Acordas para a reencarnação

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Mentiras palavras

 

Não me abraces

Porque sou um poema envenenado

Habito nesta cidade das mentiras palavras

Não me habites

Tristes madrugadas

 

Das pobres flores semeadas

Não me abraces

Enquanto oiço as lágrimas dos teus olhos

Que dormem nestas mãos de pequenos nadas

Destas mãos sem palavras

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Maré de sémen

 Deste meu pequeno cubículo de sono

Enquanto o meu relógio adormece

Nos lábios das manhãs em desespero

Na algibeira procuro os cacilheiros

Que se abraçavam ao meu peito

 

Frio e escuro

Quando a âncora da saudade

Se despedia de mim

E voava como voavam as gaivotas

Na terra de ninguém

 

Poisava as mãos nas pobres águas

Onde habitavam as flores e as árvores e todos os pássaros

E sabia que lá longe

Uma ponte metálica me transportava

Para os teus braços

 

Enquanto das lágrimas do silêncio

Um fio de espuma

Levitava no teu cabelo amargurado

E eu sabia que quando regressasse a noite

A maré de sémen em pequenos gracejos

 

Se escondia na sombra da madrugada

Quando vento das palavras

Adivinhava sempre

Quando aquele cacilheiro

Vinha ao meu peito

 

 

 

 

Alijó, 27/10/2022

Francisco Luís Fontinha

 Nunca estamos sós… há sempre uma raposa perto de nós!




Mar em tua lua

 Este mar em tua lua

Dos teus lábios meu luar

Desta palavra nua e crua

Nos beijos de beijar

 

Este mar de aventura

Enquanto não me canso de acariciar

Do teu corpo a bravura

Quando este mar é o teu lar

 

E se este mar

Morrer…

Terei eu forças para continuar

Quem sabe até escrever

 

 

 

Alijó, 27/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Os teus lábios

 

Enquanto escrevo as primeiras palavras

Nas lágrimas do sono

Oiço das janelas dos teus olhos

O erguer das madrugadas

Sobre o mar

 

E um barco me leva

Transporta para a montanha da saudade

Enquanto escrevo as primeiras palavras

Sinto que estou vivo

Por tenho na mão os teus lábios

 

 

Alijó, 27/10/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Noites em luar

 Vêm aos teus lábios

As manhãs frias de Inverno,

E deste vento açaimado

Escuto os pequenos silêncios da tua mão,

Escuto-os e escrevo-os no pavimento térreo da insónia

Que um dia me cobrirá de sonhos,

Como das pedras se ouvem os gemidos

Das noites em luar,

E sento-me no teu colo,

E das lágrimas que vomitas sobre o meu peito

Encontro as sílabas das searas do loiro trigo

Que aquele rio há-de engolir,

E matar.

Vêm aos teus lábios

As manhãs frias de Inverno,

E caminho até ao infinito,

Umas vezes tropeçando nas sombras dos embondeiros,

Outras, ouvindo as gargalhadas dos mabecos

Em busca de carne…

E sento-me no teu colo, como me sentava quando menino.

 

 

 

 

Alijó, 26/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Geometria da paixão do sono

 À tua janela

Das minhas palavras ensonadas,

Na tua boca estes transversais silêncios,

Luzes, estrelas, beijos de luar

Que poisam nos lábios dos pequenos círculos do sono,

 

À tua janela

A geometria da paixão que das tuas mãos

Invade os quadriculados olhares,

E no peito, trazes as noites junto ao mar…

Sem que de dentro de nós

 

Acordem as palavras incógnitas

Que semeávamos no rio,

Haja alegria quando as noites

Têm janelas com braços,

E pequenas fotografias de medo,

 

À tua janela

Uma estátua de sal olhava-me,

E antes da minha entrada nos teus braços

Eu sabia que tinhas uma lâmina de geada

Que se alicerçava no meu rosto,

 

Pego neste relógio de pulso, e cansado

De me avisar que a noite vem em viagem,

Que as flores dos teus cabelos

Dormem nos lençóis da insónia…

Como dormiam todos os pássaros junto à tua janela.

 

 

 

Alijó, 26/10/2022

Francisco Luís Fontinha