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quarta-feira, 14 de junho de 2023

Acácias

 

Podia apelidar-te de nada

Simplesmente de nada.

Olho este pedaço de papel…

E vejo os traços que semeiam em mim

Estes traços que são meus e que só a mim pertencem…

Enquanto a noite em sofrimento

Se esconde num qualquer olhar de espuma do teu corpo.

 

Olho este pedaço de papel

Que era branco

Que não tinha nome

Agora deixou de ser branco porque tem os meus traços…

Mas continua a não ter nome.

 

Também eu

Também eu gostaria de não ter nome

Mas os meus pais

Teimosos

Apelidaram-me de (nada ou de tolo)

Tal como este pedaço de papel…

 

Durante a noite

Durante a noite visto-me de marinheiro

Saio de casa

Entro no teu Oceano…

E por lá ando

Em busca de crocodilos amansados.

Na adolescência apaixonei-me por uma trapezista

Sei lá…

Eu ficava horas a olhá-la em pequenos círculos de desejo… sobre o mar

E depois

Depois escrevia-lhe poemas

E se eu tivesse fugido com ela

Como ela queria…

Hoje talvez fosse alguma coisa

Tudo trapezista

Menos ser nada.

 

Podia apelidar-te de nada

Simplesmente de nada.

Olho este pedaço de papel…

E vejo tanta coisa

Meu amor

Vejos estrelas

Vejo rostos que me solicitam…

AJUDA…

E eu

E eu não os posso ajudar

(tal como não os pude ajudar).

Vejo animais

Muitos animais

E vejo uma coisa curiosa… meu amor…

Vejo a equação do sono

Poisada nas tuas mãos…

Das tuas que rezam…

Nas tuas mãos onde choram…

As acácias da minha infância.

 

 

 

Luís

14/06/2023

quinta-feira, 27 de abril de 2023

As acácias da minha infância

 Porque acordam em tua mão,

Meu amor,

As acácias da minha infância,

As mesmas acácias que quando eu perguntava ao meu pai

(porque choram as acácias, pai?)

Nunca me respondia,

Sorria…

E voou numa madrugada de Verão em direcção à luz,

 

Porque acordam em tua mão,

Meu amor,

Na clandestinidade do silêncio,

Quando do alto desta pedra,

Desta pedra onde se senta a Terra…

As flores que tinham morrido no meu jardim,

 

Porque acordam em tua mão,

Meu amor,

Enquanto todas as noites,

Em todos os luares,

Recebo na minha mão…

Todas estas palavras,

Porque acordam elas,

Meu amor,

Dentro de ti?

 

Porque acordam em tua mão,

Meu amor,

As telas da minha madrugada,

As cores do desejo,

Quando sei que na alvorada,

Um pequeno rio de luz…

Envolve o teu corpo!

 

 

 

Alijó 27/04/2023

Francisco

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As acácias de uma noite de Outono

 Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 8 de outubro de 2022

A Bedford amarela

 Meu querido Fernando,

 

Atravessaste o rio Congo sem que ainda hoje perceba porque o fizeste. Porque te escondias, meu querido Fernando? Dos pássaros, como eu hoje, das fotografias que trazias na algibeira e que nessa altura ainda não tinhas a minha? Ou escondias-te apenas do silêncio…

Sabes, meu querido Fernando,

Levavas-me a olhar os barcos gordos que descansavam no porto de Luanda, pegava na tua mão e sentia-me o menino dos calções mais feliz de todos os meninos dos calções, depois, entre pedaços de silêncio, perguntava-te porque…

Porque choram as acácias, pai?

Dizias-me que tinham sono, dizias-me que era devido à distância entre a lua e a terra, mas meu querido Fernando, nunca me disseste que as acácias choravam porque estavam tristes, porque estavam tristes, meu querido Fernando. E apenas muitos anos depois percebi o que era a tristeza,

Voavam como ninguém. Manhã cedo pegavas na Bedford e passeavas-te pelos musseques em busca de não sei o quê, tal como eu hoje, tal como eu ontem, tal como eu amanhã, mas nunca percebi porque atravessas-te o rio Congo em direcção ao nada,

Fugias de quê, Fernando? Das acácias, meu querido?

Lembras-te Fernando, quando cismei que queria escrever na tua carta de condução e poisaste devagarinho a tua mão no meu rabo, mas sabes meu querido, teimoso como sou, teimoso como era, de nada serviram as tuas palmadas, porque o que eu queria mesmo era escrever na tua carta de condução.

Depois comecei a rabiscar nas paredes do quarto, da sala, casa de banho e afins; tudo o que fosse parede, o menino dos calções desenhava, deixava a sua marca. E ainda hoje, meu querido, e ainda hoje…

Os pássaros partiram e levaram todos os barcos gordos, dos caixotes em madeira, sobejaram apenas algumas letras em tinta encarnada onde se podia ler PORTUGAL; e de Portugal enviamos um grande beijinho para todos, e uma linguiça para não se esquecerem dos sabores da nossa terra.

E sabes, meu querido Fernando, nunca entendi porque atravessaste o rio Congo em direcção ao nada, do que fugias, meu querido?

Das lágrimas das bananeiras? Da tristeza? Das acácias?

E havia sempre um pedaço de papel poisado sobre a mesa. Havia sempre um barco encalhado dentro de mim, dentro de ti, dentro dela…

Barcos, meu querido. Barcos.

A Bedford engasgava-se, o avô Domingos passava horas a passear um velho machimbombo pelas ruas de Luanda, a mãe passava as tardes a construir papagaios em papel e eu, o menino dos calções, passava as tardes a fazer vestidos para o meu grande amigo chapelhudo. Mas, meu querido Fernando, do que fugias? Como eu…

Atravessaste o rio,

Tínhamos medo das acácias, tínhamos medo do sono que o cacimbo provocava em nós e nos transportava para as pequenas sílabas do capim envenenado pela saudade,

E anos mais tarde, como tu, meu querido Fernando, fui obrigado a mentir-te, fui obrigado a dizer-te que estava tudo bem, mas não estava, meu querido, como poderia estar se já tinhas a morte suspensa nos ombros. Menti-te, depois fui obrigado a mentir à mãe, pela mesma razão,

Desculpa meu querido, desculpa ter-te mentido, mas foi melhor assim,

Olhava-te como quando me levavas a ver os barcos gordos, só que tu te afundavas aos poucos, e os barcos gordos dançavam sobre a ondulação marítima. Minutos intermináveis que pareciam dias, cigarros, cigarros, cigarros de mentira.

E enquanto te afundavas no Oceano da dor e das chagas que alimentavam o teu corpo, recordava as manhãs de Domingo junto aos barcos gordos, recordava a Bedford amarela, de musseque em musseque, e ao longe, o rio Congo.

Depois, desapareceste entre as nuvens. E nunca mais te vi.

Sabes, meu querido Fernando, nunca percebi porque atravessaste o rio Congo, mas percebo hoje porque trazias na carteira a fotografia da avó Valentina e a minha; e mentia-te. Escrevi a mentira em vós para enganar a saudade; e claro que não estava tudo bem.

Como poderia estar tudo bem se os barcos gordos hoje são apenas sucata e pedaços de limalha.

Porquê, meu querido?

Porquê as acácias?

E dentro dos cigarros em metástase, ouviam-se as lágrimas das tardes junto ao teu leito; desculpa a mentira, meu querido; mas acredita que estava tudo bem.

Tudo bem, como hoje.

 

 

Alijó, 08/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 2 de outubro de 2022

As tristes acácias

 Não bebas o veneno das palavras,

E quando as palavras

Deixarem de ser palavras,

Esconde-te nas acácias que choram,

 

Finge que a noite é tua,

Quando percebes que nunca tiveste uma noite dentro de ti,

E do veneno,

As imagens do silêncio

 

Que transportam a tristeza,

E tens uma janela

Que se esconde na insónia…

Como se esconde em ti a saudade.

 

 

Alijó, 2/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 9 de fevereiro de 2020

As pedras do silêncio

A rua deserta, imune ao silêncio das pedras,
O cansaço das árvores, quando desce sobre a terra a soldão nocturna das acácias em flor,
Um automóvel vomita lágrimas de fumo,
Uma criança brinca na sombra dentada da tarde,
E, mesmo assim, as flores dormem nos abstractos muros da insónia.
É tarde,
O relógio emagreceu com o tempo,
A tempestade de areia, silenciada pelas pedras em silêncio,
Que a madrugada faz florescer,
Acordam as trombetas,
As árvores, tombam à sua passagem,
Como soldados rebeldes,
Como espingardas revoltadas,
Com os homens,
Como os homens.
A noite alicerça-se aos candeeiros do medo,
Como as pedras do silêncio na manifestação junto ao rio,
A revolta contra a noite,
As nuvens emagrecidas, tontas, derramas as suas lágrimas nos arrozais,
Sem em delírio, sempre em manifestação, os homens, as mulheres,
Contra o silêncio das crianças,
Que brincam,
Que brincam na eira do milho amarelado pelo cacimbo,
O cão lateia, chama pelo dono,
Ao fundo,
A aldeia em chamas, lágrimas de prata,
Quando toda a cidade envenenada pela amargura,
Sente, sofre, a desgraça da ditadura…
Como é lindo ser pedra em silêncio,
Lápide ao cair da noite,
Palavras mortas,
Palavras tontas,
Que o menino escreveu, nas paredes da fragrância, deixando ao acaso, um caderno assassinado pelas quadrículas lamentações.
O tempo se esquece,
O almoço na mesa,
A fome de palavras, dos livros enamorados pela madrugada.
Sinto. Sinto-te neste labirinto de insónias.
Ao deitar, todas as drageias.
Que as areias alimentam.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
09/02/2020

domingo, 15 de abril de 2012

E nunca mais desenhei árvores


Consultei as estrelas e os fios de luz ausentes na manhã de domingo, no pulso emagrece um velhíssimo relógio cansado das horas, dos minutos e dos segundos,
lá fora chove, lá fora as acácias em flor perguntando-me,
  • Porquê hoje,
porque hoje é domingo Respondi-lhes secretamente dentro das árvores alinhadas no jardim perdido no oceano, os ramos desertos, as folhas parecendo lençóis pertencentes à noite dos mendigos passeando avenida abaixo em direcção ao infinito, eu mendigo invisível abraçado a um pedacinho de silêncio que sobejou do meu último cigarro, um livro desespera e esconde-se debaixo da janela sem vidros e sem cortinados, olho-me, olho-me e pareço uma montanha que desce as escadas do amanhecer, escondo-me na sombra do rio, e o rio sou eu,
  • Porquê hoje se amanhã é mais um dia perdido nas sandálias do vento, porquê hoje quando amanhã será outro dia, outro relógio de pulso na minha mão, hoje não,
hoje consultei as estrelas e os fios de luz ausentes na manhã de domingo, hoje caminharei para o dia de ontem até evaporar-me como os grãos de pólen nos lábios das abelhas, olho-me, olho um esqueleto perdido nos dias, olho um esqueleto perguntando às acácias Porquê hoje, e ninguém, e ninguém saberá responder-lhes, nem, nem o dia de amanhã, nem tão pouco o dia de hoje, domingo, lá fora chove, lá fora chove e um homem de sobretudo e cachimbo na boca procura desesperadamente o número de polícia inscrito no olhar, batem à porta, e ninguém, e ninguém para a abrir, uma janela sem vidros e sem cortinados,
  • Solta-se da fachada em ruínas que o meu corpo transporta, os alicerces cambaleiam nas pedras desalinhadas da calçada, uma rua chora a partida do homem do sobretudo e cachimbo na boca, e solta-se da cidade um coração sem dono, um coração construído em titânio que procura sem encontrar um número de polícia inscrito no olhar,
e o desejo de ser domingo acorda em mim,
  • Porquê hoje,
(e tanta porcaria que aprendi, desde trabalhar com um computador sem disco rígido, porque ainda não existiam, passando pelo MS-Dos, dois drivers de cinco polegadas e meia em cartão, uma com o sistema operativo e a outra para guardar textos e pouco mais, e os poemas escritos no WordStar perdidos algures no esgoto da noite, C:\dir *.*, c:\del *.Amor e todos os ficheiros com a extensão amor para a lixeira, Lixeira?, qual lixeira..., para o inferno, C:\format a:, C:\move *.* a:\Noite)
e pergunto-me porquê hoje domingo, e digito tree e vejo no espelho todos os arquivos do meu corpo, alguns protegidos C:\Attrib +R francisco.exe, outros, outros desprotegidos e escondidos na algibeira juntamente com os cigarros, juntamente com os vidros e os cortinados da janela...
  • E caí na asneira de desenhar uma árvore, e ouvi da psicóloga,
Está apaixonado,
e nunca mais desenhei árvores.


(texto de ficção não revisto)

terça-feira, 6 de março de 2012

Porquê as acácias?

(dedicado ao visitante anónimo que algures em Moutain View, Califórnia, tem paciência para ler as porcarias que escrevo)

Fantasmas,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, é assim a minha vida, fantasmas que entram ao cair da noite e desaparecem pela manhã, antes de acordar,
Antes de eu acordar e olhar-me no espelho, muito antes de eu ter tempo de colocar a minha mão sobre a mesa-de-cabeceira em busca de um livro perdido, e dou-me conta que até as personagens fugiram, escondem-se, gritam-me enquanto mergulho no sonho, uma bicicleta enferrujada corre e desce a calçada, um homem sem braços e sem pernas espera pacientemente a mão da solidão,
- Os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir E nunca mais lhe ouvi a voz melódica que descia pelas teias de aranha da infância, E nunca mais
Fantasmas
- Percebi porque choravam as acácias, E nunca mais percebeu porque a melhor amiga o visita durante a noite, constrói um sonho e chora e tem fome e à sua volta todos os prédios da cidade enterram-se terra adentro, e nunca mais,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, e os dias já não são dias, e as noites são gotinhas de dor em círculos concêntricos entre os seios e o púbis
- Porquê as acácias?
E quando uma janela se abre
- O desejo
As gotinhas de dor em cima da bicicleta e as gotinhas saltam para o rio e a bicicleta senta-se sobre o xisto onde uma tela em tons de azul espera que o homem sem pernas e sem braços fume o cigarro esquecido nas mão da solidão,
O desejo,
- Pedaços de tecido em busca de um corpo,
Os fantasmas disfarçados de sorriso
- O mar descansa nas mãos do pôr-do-sol e a janela do meu corpo cerra-se eternamente como se fosse um caixão de madeira que arde numa fogueira de livros e telas e palavras e fantasmas…
Os fantasmas disfarçados de sorriso em pedaços de tecido,
- Os meus amigos Fantasmas,
Quando os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir…

(texto de ficção)