sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As acácias de uma noite de Outono

 Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

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