Naquela terra de ninguém, num corredor frio e escuro, minúsculo, habitava uma janela para o quintal, do outro lado, uma criança semeava o teu rosto na terra agreste e recheada de pedregulhos onde existiam algumas árvores com folhas em papel e arbustos com sorriso de prata, depois, sem perceber porque tínhamos uma pequena jarra com flores, onde te sentavas junto a ela, via-te desenhar círculos de luz na terra sonâmbula dos parêntesis em lágrimas; e voaste abraçada aos pássaros da noite.
Quantos barcos cabem no
mar, meu querido.
Depende.
Depende de quê, meu
querido.
Do tamanho dos barcos.
Como assim?
Se os barcos forem
magros, cabem muitos. Se os barcos forem gordos, cabem menos.
Não percebo.
Naquela tarde, depois da
despedida, fui para o quarto, cerrei a porta e, chorei muito. Peguei num livro
com poemas de AL Berto, abri-o na página quinze e percebi que o mar poderia
entrar pela janela, não tive medo, pois a minha janela era tão pequenina que seria
impossível que este entrasse e se abraçasse ao meu peito.
Trago no peito o silêncio
da noite, um porto de acolhimento abraça todos os barcos, mas aqueles que eu
mais gosto de abraçar, são os petroleiros com olhos pincelados de rímel, e que
nas mãos transportam telegramas sem remetente. Afundo-me nos teus braços, meu
amor.
Porque todos os poços têm
uma saída, porque todos os braços têm um ramo de flores, ergui-me da cama, abri
a minúscula janela e lancei-me contra os rochedos das lágrimas em combustão,
depois, abri os braços e comecei a voar…
E fui semeando flores
sobre o rio.
Depende.
Depende de quê, meu
querido.
Do tamanho dos barcos.
Como assim?
Esquece, nunca irás
perceber.
Alijó, 30/10/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
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