sexta-feira, 27 de maio de 2016

Gaivota junto ao Tejo


Imagino-te arrastando os suspensórios do cansaço,

O cigarro suspenso na boca,

E nas mãos as minhas mãos,

Trémulas como a tempestade…

Apareces,

Desapareces,

E ausentas-te durante o sono,

Entras nos meus sonhos,

Escreves no meu corpo com a caneta da saudade,

O rebelde menino,

Sentado à janela a olhar o mar…

Sinto-te dentro de mim,

 

Alimentas-te do meu sofrimento,

E pertences às flores do meu jardim,

Imagino-te arrastando os suspensórios do cansaço…

Enquanto lá fora alguém chora a tua partida,

Apátrida memória que se alicerça aos meus braços,

E tens no olhar um triciclo, um velho triciclo moribundo,

Doente,

Sem nome…

 

Imagino-te, meu amor,

Deambulando pela casa embriagada de dor,

Os cinzeiros cessam o sorriso dos teus lábios,

Há no teu corpo uma barcaça desnorteada,

E que se afunda no meu Oceano…

Fico com medo de perder-te…

E perdi-te sem o saber…

Foste, foste sem dizer Adeus,

E nem coragem tiveste de escrever-me…

Abraçar-me,

Dizer-me que partias e um dia aparecias no meu peito,

Como se fosses uma gaivota junto ao Tejo.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 27 de Maio de 2016

terça-feira, 24 de maio de 2016

rabiscos de prazer


todos as noites me sento nesta cadeira sem dono

enquanto não regressa o sono

vou rabiscando qualquer coisa na mão

uma leve brisa guia os barcos até aos meus sonhos

onde poisam lentamente noite adentro

hoje sei que não vou sair daqui

hoje… hoje vou dançar ao som das tormentas

e dos castiçais de prata

que brincam dentro deste velho casebre

iluminado pela paixão

incendiado pelo teu perfume invisível

que a madrugada há-de comer

o derradeiro pequeno-almoço do amanhecer

até que vem o sono

me deito sobre a cama

e invento apitos

e invento gaivotas em papel…

aos gritos

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 24 de Maio de 2016

domingo, 22 de maio de 2016

estrelas da manhã


caem sobre ti as estrelas da manhã

o sonífero desejo dos meus braços

encalhado no teu olhar

como a pérola adormecida da paixão

rompendo a montanha do Adeus…

subindo lentamente as escadas do mar

até ao sótão do coração…

a esfinge aventura do terno menino

sobrevoando os cadeados de prata

que aprisionam os barcos de madeira

caem sobre ti as estrelas da manhã

nas sofridas avenidas do prazer

que as cidades imaginadas

comem ao pequeno-almoço

sem o saber…

o mendigo das vestes negras

tropeçando na tristeza

senta-se no almoço sem riqueza…

e reza…

e chora…

porque caem sobre ti as estrelas da manhã.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 22 de Maio de 2016

sábado, 21 de maio de 2016

Estátuas sonâmbulas


imagina que as cidades são estátuas sonâmbulas

sons íngremes voando sobre o mar

que a alma absorve na escuridão

imagina que o amor é a floresta virgem

perdida nas mãos de uma criança

no seu sorriso uma bandeira

sem esperança

imagina que há na saudade um esqueleto de vidro

com cortinados de paixão…

perdido…

agachado no chão ténue do sofrido

imagina… meu amor

imagina as gaivotas poisadas no teu olhar

esperando o meu regresso

sempre

sempre ao madrugar…

imagina…

imagina o meu coração deixado numa loja de penhores

numa tarde de inferno

imagina…

imagina o cansaço da abelha no final do dia

embriagada de pólen

e de barriga vazia…

imagina… meu amor

esta carta sem remetente

esta carta sem destinatário…

imagina

imagina

meu amor

imagina que as cidades são palavras a arder

nos lábios do operário

sempre

meu amor

sempre sem vontade de escrever…

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 21 de Maio de 2016

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Ausência


Cessou a saudade. Sinto o peso da noite sobre os ombros,

Uma coisa inexplicável,

Sofrível,

Cessou a saudade repentinamente,

Como o calafrio do desejo…

Na incandescente manhã desassossegada,

O término.

Segundo as previsões astrológicas…

Nunca deveria ter nascido,

Mas quis um Domingo que eu olhasse pela primeira vez o mar…

Distante, mas enraizado nos meus braços,

Como a barcaça do sofrimento,

Anos mais tarde,

Encalhada nos rochedos da montanha,

E sentia no corpo a ausência,

Tão pobre este destino…

De ser criança…

De ser menino.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 20 de Maio de 2016

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Lençol nocturno do medo


Não tenho pressa de caminhar,

Sento-me ao teu lado,

Pinto nos teus lábios o mar,

Escrevo no teu corpo o poema envenenado…

Acabei de desligar a luz da paixão,

Com a crise não há dinheiro para nada…

Precisava de novos cortinados,

Um par de calças ou uma camisa,

Talvez um novo coração,

Porque este, meu amor, já pertence à madrugada,

Onde habitam os braços apaixonados,

E silenciam a benigna brisa,

Nunca disse a ninguém que os teus abraços morreram junto ao rio das gaivotas,

Quando pintávamos barcos ao pôr-do-sol… e descia a noite vagabunda,

Marés de cio invadiam o teu olhar,

E eu forçosamente escondia-me num qualquer Cacilheiro…

Pétalas mortas,

O amor desfeito em lágrimas de amar,

Porque não tenho pressa, meu amor,

Não tenho pressa de caminhar…

Nem flor para de presentear,

Sento-me ao teu lado,

Pinto nos teus lábios o mar,

Que hoje é o meu lençol nocturno do medo…

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 19 de Maio de 2016

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A melancolia da saudade


O cansaço absorve-me entre parêntesis de silêncio

E vírgulas de tristeza,

Por mais que eu queira…

Não consigo colocar o ponto final na escuridão nocturna,

Olho-te e vejo-te disfarçada de ponto de exclamação…

Ponto e vírgula quando acorda o dia,

E lá longe, muito longe daqui… oiço os apitos do ponto de interrogação,

Confundo-me com as palavras,

Disfarço e dou por terminado o texto…

Ponto final,

Paragrafo,

E o dia enrola-se na melancolia da saudade.

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 18 de Maio de 2016

terça-feira, 17 de maio de 2016

Paisagens do sono


A paisagem despede-se de mim.

Sinto as estrelas poisarem em cada gotícula de suor do teu corpo,

Deito sobre ele a minha desnorteada cabeça,

E regressa o sono do Oriente…

Sonho com pássaros,

Sonho com barcos,

Ínfimas imagens travestidas de loucura absorvem-me,

E sou forçado a fugir para outras paragens sem escuridão.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 17 de Maio de 2016

domingo, 15 de maio de 2016

Lábios sonâmbulos


Hei-de construir um barco que voe…

Sobre os sobreiros da minha alma,

Hei-de desenhar um pássaro que navegue…

Nas ténues águas do meu corpo,

Como eu adoro habitar no silêncio…!

Arrancar todas as amarras da tarde

Que um louco relógio de pulso alicerçou ao meu peito,

A espuma do teu olhar enfeitado de amêndoas e flores,

O remorso da paixão absorvida pela solidão

Dos quintais de areia…

Hei-de construir um coração

Com as lâminas dos teus beijos,

Abraçar-te na escuridão depois de partir a noite,

E dizer-te baixinho… e dizer-te baixinho que amanhã há sonhos,

Palavras,

Livros com sabor a medo,

E na confusão do dia…

Hei-de construir um barco…

Um barco com lábios sonâmbulos.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 15 de Maio de 2016

sábado, 14 de maio de 2016

A sombra da saudade


Sei que nas tuas mãos existe a paisagem do amanhecer,

As plantas e as árvores do meu jardim brincam no teu olhar

Como se o teu olhar fosse um parque infantil,

Um momento de lazer…

Tenho dúvidas se a Primavera já acordou,

Sinto uma enorme tristeza no meu peito,

Um sufoco, o medo de me perder nos teus braços.

Lá fora o ruído do costume,

O vizinho conversando com os cães,

Os cães latindo em minha direcção,

E eu incapaz de os silenciar…

Nada deve ser silenciado,

Nem os meus sonhos,

Nem a noite que me ilumina

E transporta para a cidade do rio imaginário…

O dia despede-se de mim,

Aos poucos, eu, eu despeço-me de ti,

Até que nunca mais haja dia, noite, ou tu…

Ou tu te disfarces de poeira…

E poises nos meus ombros sombreados de saudade.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 14 de Maio de 2016

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Os dias travestidos de saudade


Os meus dias desiguais,

Penosas manhãs de incenso

Suspensas na umbreira do silêncio,

A ânsia de estar só,

Quando um intruso aparece dentro de mim

E me transporta para o desejo,

Fico triste,

Levito na insignificante toalha de vidro que poisa sobre a noite,

Os meus dias travestidos de saudade,

O vício infestado de insectos

Que deambulam nos meus ossos,

A idade surpreende-me,

Ausenta-se do meu corpo,

Alimento as roldanas do cansaço

Com as palavras que não escrevo,

Porque tenho medo das palavras,

Porque tenho medo de escrever…

Sentir em meu redor os barcos da infância

Em pequenos passeios no lago,

Sentir na minha mão a ferrugem do sonho

Que habita o meu corpo,

Sentir na minha mão os fragmentos do sono

Que habitam o meu olhar,

Dizer que te amo é pura falsidade,

Não amo,

Não quero ser amado…

Apenas quero dormir descansado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 13 de Maio de 2016

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Retalhos


A vida é construída de pequenos retalhos,

Corpos em geada

E orvalhos,

Farrapos entre velharias

E trapos,

A vida pertence ao luar,

Quando de um suspiro

Grita em mim o mar,

E num sorriso

Tu sentias

O sabor do madrugar,

Que a vida, construída de pequenos retalhos… consegue abraçar,

 

Cansado, não respiro,

E insisto na vida sem despertar,

 

Os livros,

As palavras esmagadas no silêncio da alvorada,

O corpo cessa de respirar,

Levita

Madruga

E inventa barcos de brincar,

 

A vida é construída de pequenos retalhos,

Corpos em geada

E orvalhos,

Gente simples dormindo na calçada,

Meninos de sombra que desenham na mão o sol,

Aldeias sós, homens confundidos com aldeias sós…

A vida atrapalha,

Esmaga a penumbra madrugada,

E a canalha

Toca com os lábios

O rio entre rochedos

E brinquedos,

 

Cansado, não respiro,

E insisto na vida sem despertar…

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 11 de Maio de 2016

terça-feira, 10 de maio de 2016

86ª EDIÇÃO DA FEIRA DO LIVRO DE LISBOA

Dia 11 de Junho pelas 17:00 horas

Chorar nas mãos a amargura de viver


Não tenho fome,

Mas comia todas as palavras

Se a noite me deixasse…

Este terraço sem nome

Que as estrelas absorvem,

E levitam como se fosse um pássaro desnorteado,

Confuso, não, não tenho fome,

Nem me ausento do teu amar.

 

Não tenho fome nem sinto o madrugar,

Tenho sobre os ombros o silêncio deste telhado

Com vista para o mar,

Tenho no olhar o sangue de chorar,

Nas mãos a amargura de viver…

Não, não tenho fome,

Nem vaidade

Ou vontade de escrever.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 10 de Maio de 2016

segunda-feira, 9 de maio de 2016

A embriaguez nocturna das sementes


O desgosto da vida.

Sinto a chuva explorando o meu débil corpo,

Que a noite alimenta

Como a morte se alimenta dos corpos,

Há uma película de sémen alicerçada às tuas mãos

De pergaminho,

As palavras fogem-me e sinto-me um inútil desgovernado…

Um barco sem comandante.

O deserto de ser eu,

A areia fina das tuas lágrimas entrelaçadas nos meus dedos,

O silêncio, meu amor,

O silêncio que confunde o horário do meu pulso,

E mais logo se inverte na escuridão,

Sei que estou aqui de passagem,

Ando de rua em rua para te recolher e agasalhar no meu peito…

Mas é-me difícil encontrar-te,

A embriaguez nocturna das sementes nas profundezas da terra,

Tão fundas, meu amor, e tão belas, meu amor,

Estremeço se te encontrar,

Morro de aflição pela tua ausência…

No suicídio do poema.

O desgosto da vida, o corpo despovoado de ossos e pequenos répteis…

Tenho uma cobra abraçada ao meu pescoço,

Um ténue letreiro onde alguém escreveu… FIM.

Não tenho amigos, amigas,

Tenho livros assassinados por mim,

De noite olho todo este amontoado de cadáveres envenenados pela paixão,

E tu, meu amor, e tu sempre ausente deste cemitério de palavras e desenhos,

Apenas eu, meu amor, apenas eu olho para eles…

E vejo o meu rosto sofrido.

O desgosto da vida,

A vida nas pedras húmidas da manhã

Quando a chuva se estende até ao mar,

A penumbra madrugada

No esconderijo do sono,

As minhas mãos, meu amor, abstractas, e não dou conta da vida se escoar em direcção ao Luar,

O segredo que faz com que eu não te encontre,

Percorro esta rua,

Percorro aquela rua,

Com saída,

Sem saída…

E tu, meu amor, sempre no desgosto da vida.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 9 de Maio de 2016

domingo, 8 de maio de 2016

Confissões de um louco apito


Os comboios só apitam durante a noite para assustarem as estrelas,

As rectas paralelas em aço estendem-se até ao infinito, chegando lá, o comboio desaparece, entranha-se na noite e morre.

Encurvado nos socalcos levo comigo as curvas do Douro, lanço-me à água… estou farto das palavras que escrevo, estou fartos dos meus desenhos, como a vida que gira e não se cansa de cessar, parar sobre a ponte e suicidar-se sobre os rochedos da insónia.

Oiço o grito da aranha no cansaço da madrugada,

Sei que habita um rosto no espelho do meu quarto e certamente que não é o meu, porque nunca o vi, apenas em pequenos tragos de saliva ao pôr-do-sol,

Quero expulsá-lo de lá…, mas não tenho força para tal; parto o espelho?

Quebro-o até que o rosto se transforme em mim? Ou este será o meu rosto depois da minha morte?

Os comboios só apitam durante a noite, fiz muitas viagens, muitas noites sem dormir, entre apitos e soluços, entre estações e apeadeiros desconhecidos, entre gritos e gemidos, até desaguar em Santa Apolónia pelas sete horas da manhã, as ruas acabavam de acordar, os sem-abrigo levantavam-se para o invisível pequeno-almoço, e eu, e eu fumando cigarros para não adormecer,

Mas acabava sempre por cerrar os olhos e passar o dia entre os cortinados da escuridão e os sons melódicos do trânsito, a loucura, cruzava os braços e punha-me a contar os automóveis que passavam por mim, depois separava os que eram homens e os que eram mulheres, as crianças à parte… e assim passava o dia.

Regressava a noite e eu tinha vendido o sono ao Diabo, saía na companhia de desconhecidos, entrava em todos os bares até adormecer sobre qualquer banco de jardim, e enquanto dormia, sentia, sentia os apitos do comboio…

Tudo isto está escrito e sepultado em três caixotes de cartão,

Confesso que nunca mais os abri, não tenho coragem para os abrir…

Papeis, fotografias, poemas, e fantasias…, mas para quê remexer o passado e este está morto, e enterrado no meu peito.

Os perfumes intactos, uma velha rosa dentro de um livro, intacta, e a minha vida pedaços de farrapos em construção, hoje uma pequena vitória, amanhã uma grande derrota…

 

Amanhã faz vinte e dois anos que deixei a heroína…

Uma grande vitória.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 8 de Maio de 2016

sábado, 7 de maio de 2016

Ausento-me de ti na noite


Era forçado pela pressa das coisas. O silêncio imaginário da manhã quando pegavas na minha mão ao desaparecer no meio dos transeuntes da cidade perdida,

Escondia-me das sombras dos aciprestes,

Porque assim, pensava eu, estaria mais protegido das estrelas, mas não estava.

A noite era uma aventura,

Eu preferia ler, e tu, e tu preferias passear, que confesso, que confesso não me apetece nada caminhar apenas por caminhar,

Se ao menos caminhasse em direcção ao Luar… era forçado pela pressa das coisas,

Tens de fazer isto, amanhã tens de fazer aquilo…

Chega. Detesto receber ordens de arbustos e munto menos de ti.

Sou feliz assim, confesso.

Não dou nem recebo ordens,

Sou livre, voo na companhia das gaivotas ao final da tarde junto ao Tejo,

Depois poiso em Belém,

Acorrento-me às amarras invisíveis da maré,

Olho os veleiros em atropelos sem que ninguém lhes valha…

Como a mim,

Nem palavras nem poesia,

Nem os livros me deixam adormecer quando tu, depois de caminhares em círculos, cansada, dormes, eu olho-te e finjo não te ouvir, prefiro ausentar-me na noite, e regressar quando já o dia bate na janela do nosso quarto,

Descerro a lápide do desassossego, não encontro nela o meu nome…

Deixei de pertencer aos humanos visíveis das avenidas laminadas pela escuridão,

Tenho no peito um fantasma, um falso coração que em vez de amar…

Bate, bate sem parar…

E um dia vai parar,

E nesse instante serei o homem mais feliz do Universo,

A minha morte; as coisas cessam, e deixam de ter pressa,

E deixam de ter graça.

E eu, e eu serei apenas eu…

Uma carcaça.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 7 de Maio de 2016

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Transatlântica manhã de Inverno


Os cigarros no atropelo da noite

Sem ninguém junto ao luar,

Os viciados poemas cansados de lutar

Na ânsia da alvorada,

O preguiçoso mosquito… sobre a mesa-de-cabeceira,

Entre círculos e quadrados,

Entre geringonças e roldanas falsas,

E de cabeça lapidada…

Vou-me a eles,

Aos cigarros,

Fumo-os e escrevo no teu ventre a poesia anónima do destino,

Corro sobre o arvoredo,

Salto a montanha,

E sento-me nos rochedos da miséria,

Vagabundo vegetariano do mundo indefeso,

Sinfonia dos morcegos

Nas tardes junto ao rio,

Ao longe o teu olhar cor de pérola amargurada

Difuso,

Distante dos meus olhos vidrados pela geada,

Os cigarros em transe,

A madrugada sitiada

No meu coração…

E sinto-me um prisioneiro do amanhecer,

E sinto-me um cardume indefinido pelo sexo, idade ou religião…

Perco-me em ti,

Como se fosses uma transatlântica manhã de Inverno

Sobre os carris da insónia,

Grito,

Grito enquanto dormes sobre o meu peito,

E se me ouves…

Diz-me…

Como se chamam as pedras do teu sorrir

Que me acordam ao entardecer.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 6 de Maio de 2016