segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

As sombras do silêncio


Acordava do sono emagrecido,
O homem da nuvem embriagada,
Cansado,
Perdido,
E, reclamava,
E, gritava,
A palavra enfeitiçada.
E, hoje, nas camufladas ruas da cidade esquecida,
Embrenhado na poesia, a canção do adormecido,
O homem, cansado, denegrido,
Escreve sem ânimo,
Desiludido…
Dos alicerces envergonhados.
Rezam pela sua alma,
Coitado,
Sem nome,
Degolado pela tempestade,
O homem, o mesmo homem, o cansado,
Pegas nas palavras da reza em seu poder,
Desorganiza-se,
Veste-se de negro,
Negro, negrito, negrinho,
Como o gato do vizinho,
Dançando na eira das espigas adormecidas.
As sombras do silêncio,
A alvorada da sinfonia que jaz na ribeira,
O rio, em delírio,
O rio, desconectado da vida,
E, corre,
E, dorme,
Nas almas do mar.
O mar tudo engole, e, tudo mastiga,
Pessoas, lixo, palavras, o vento…
Uma laranja, sofre,
E, vive,
E, morre,
Dentro da laranja adormecida.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
24/02/2020

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Negrito, negrito.


Negrito, negrito,
Grito,
Gato,
To,
Miau.
Negrito,
Passeia-se pelo destino,
Desenha no pavimento,
Um grito,
Ou silêncio de menino.
Negrito, negrito,
Quando o cansaço acorda,
Corda,
No pescoço do periquito.
Negrito, negrito,
Assobio,
Matinal alvoroço,
Em fastio,
O tio,
Demãos no bolso.
Negrito,
Negrito, pois então,
Calma, calma companheiro,
Que ele, o gatito,
Não é difícil de passar a mão.
Ai, negrito,
Então, pois, é negrito…
Finge-se de morto,
Morto morrido,
Gato, gato vadio,
Vadio de ter sentido,
No pulso,
Nas mãos,
A espingarda da loucura,
Dura, negrito, dura,
Sem perceber que há um grito,
Uma palavra na ternura.
Negrito, negrito,
Negrito,
Guito,
Guito.
Negrito.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
16/02/2020

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Uma rosa, rosa.

Uma rosa,
Rosa,
Rosa,
No teu corpo,
Corpo,
Corpo, rosa.
Um sorriso,
Riso,
Palavras,
Lavra,
No poema,
Ema,
Riso,
Rosa,
Cama.
Um silêncio,
Lêncio,
Algures na madrugada,
Ugada,
Ada…
Uma pedra,
Pedra,
Nas palavras,
Lavras,
Quando acorda a noite,
Noite,
Oite…
Uma rosa,
Rosa,
No amor,
Rosa,
Mor,
Flor,
Lor,
Dor.
Uma pirâmide de giz,
Na ardósia nocturna da serpente,
Mente,
Ente.
Do ponto,
Onto,
Nada.
Nada, de mim.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
14/02/2020

domingo, 9 de fevereiro de 2020

60 x 80 acrílico s/tela – Francisco Luís Fontinha

As pedras do silêncio

A rua deserta, imune ao silêncio das pedras,
O cansaço das árvores, quando desce sobre a terra a soldão nocturna das acácias em flor,
Um automóvel vomita lágrimas de fumo,
Uma criança brinca na sombra dentada da tarde,
E, mesmo assim, as flores dormem nos abstractos muros da insónia.
É tarde,
O relógio emagreceu com o tempo,
A tempestade de areia, silenciada pelas pedras em silêncio,
Que a madrugada faz florescer,
Acordam as trombetas,
As árvores, tombam à sua passagem,
Como soldados rebeldes,
Como espingardas revoltadas,
Com os homens,
Como os homens.
A noite alicerça-se aos candeeiros do medo,
Como as pedras do silêncio na manifestação junto ao rio,
A revolta contra a noite,
As nuvens emagrecidas, tontas, derramas as suas lágrimas nos arrozais,
Sem em delírio, sempre em manifestação, os homens, as mulheres,
Contra o silêncio das crianças,
Que brincam,
Que brincam na eira do milho amarelado pelo cacimbo,
O cão lateia, chama pelo dono,
Ao fundo,
A aldeia em chamas, lágrimas de prata,
Quando toda a cidade envenenada pela amargura,
Sente, sofre, a desgraça da ditadura…
Como é lindo ser pedra em silêncio,
Lápide ao cair da noite,
Palavras mortas,
Palavras tontas,
Que o menino escreveu, nas paredes da fragrância, deixando ao acaso, um caderno assassinado pelas quadrículas lamentações.
O tempo se esquece,
O almoço na mesa,
A fome de palavras, dos livros enamorados pela madrugada.
Sinto. Sinto-te neste labirinto de insónias.
Ao deitar, todas as drageias.
Que as areias alimentam.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
09/02/2020

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020


Em construção. 60x80 acrílico s/tela. Francisco Luís Fontinha – Alijó

Depois, a maré ensanguentada, morre de alegria.


O regresso nunca mais.
A terra húmida, depois das lágrimas da tarde,
Ficou lá, no outro destino do menino dos calções.
Todas as sombras, choram, ditam palavras aos esqueletos de silêncio,
Que as mãos, trémulas, seguram, enquanto cai a noite,
O corpo, levita, desassossega na madrugada,
Sente-se o vento, negro, prateado, nos lábios do Diabo,
O regresso…
Nunca, nunca mais,
Porque a solidão namora as flores em papel, do jardim imaginário.
E o menino, com o tempo, cresceu.
Um relógio de luz, quando acorda o menino,
Alicerça-se nos braços lânguidos que o espaço alimente,
Dos calções, nada, nem a cor se aproveita,
Talvez, as árvores, as árvores plantadas por ele,
Hoje, nada, como os calções,
Pedaços em madeira, trapos, lágrimas desajeitadas…
Tudo, tudo morre, naquela terra prometida.
O mar, enfurecido, sacia-se nas rochas metamórficas do cansaço,
Um barco, espera pelo menino dos calções,
Estaciona-se junto à cidade,
Homens, marinheiros, mulheres, sem fazerem nada,
Espera que regresse o menino,
De longe,
De nada,
Ninguém.
O regresso nunca mais,
A terra húmida, depois um finíssimo fio de nylon,
Procura na multidão da cidade, o menino prometido,
Da terra sonâmbula,
Que o viu perder-se,
No meio do capim.
Machimbombos tropeçam nas finas lâminas da saudade,
Porque apesar de tudo, sempre, o menino, viveu na saudade,
De regressar, um dia,
À sua cidade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
03/02/2020

domingo, 2 de fevereiro de 2020

E, agora? O que será de nós depois…


E, agora? O que será de nós depois da saudade;
Pertenciam-lhe as palavras invisíveis das marés de prata.
A boca mergulhava na ínfima madrugada do silêncio,
Descia à cidade, quando acordava a noite,
Pegava num pedaço de sombra,
Agachava-se no pavimento húmido da solidão…
E, gritava palavras de amor.
E, agora? Que a tempestade regressou de ontem,
Traz consigo os dois cansados cadáveres da única memória que lhe restava,
Os homens entre guerras e coisas simples, banais,
Percorriam as ruelas sem saída, suspendiam pinturas nas janelas do horror,
Para que as crianças conseguissem adormecer,
Nesta cidade de “merda”, sem dormitórios, sem palavras abstractas,
Que pertencem aos livros de poesia.
O corpo arrefece sobre a lápide fria da manhã,
O silêncio vem em direcção ao peito,
Como uma flecha, e, o sangue corre para os canaviais…
Tinha medo da saudade,
E, agora?
O que será de nós, depois da saudade, quando alguém procura o corpo amachucado pela violência dos gritos do homem de chapéu negro,
Seu nome Chapelhudo, vestido de pássaro nocturno,
Quando as palavras emergem e, tudo à volta morre, extingue-se em finíssimos pedaços de carvão,
O desenho acorda,
Mergulha na tela da saudade,
Sempre ela, a saudade dos dias, da noite, dos candeeiros a petróleo…
E, agora? Nada.
Apenas um sorriso,
Flácido,
Triste,
Porque sim;
Cansado da vida.
Chapelhudo, morre. E todas as palavras do menino branco.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
02/02/2020


50 x 60 acrílico s/tela. Francisco Luís Fontinha.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O suspiro da noite


O suspiro da noite, enquanto a morte vagueia nas sílabas loucas da paixão.
O silêncio das palavras, perdidas nos livros invisíveis da solidão,
Um poema chora,
Alicerça-se na confusão da cidade,
Soltam-se todos os caninos vadios,
Correm em direcção ao petroleiro estacionado junto ao Tejo,
E, um soldado, procurando alimento, senta-se na sombra da neblina.
Todos os pássaros são felizes, ainda que sejam transparentes,
Nas paredes de xisto,
Olhando o Douro,
Desenhando socalcos no bico;
A jangada, afunda-se, como a mão do mendigo,
Quando fundeada na sopa trazida pela tempestade.
Chove, ouvem-se os ruídos da manhã,
Automóveis esfomeados levitam sobre as palmeiras,
Os transeuntes sofrem de pasmo,
Riem, como loucos,
Dentro de quatro paredes de vidro.
O suspiro da noite, sempre em alerta máximo,
Esconde as palavras na algibeira,
E bebe pequenos tragos de nada.
Hoje é sexta, noite como tantas outras,
Não interessa,
É noite, é triste a noite, quando se despede da tarde.
Os amantes fogem como fogem os mortos da sombra,
De roupa engomada, os tristes mortos, riem-se do silêncio amargurado que transporta o desassossego,
Tenho medo, dizia-me ele, quando acordava olhando quatro janelas de cartão,
Perdia-se na imensidão do espaço,
Cansado da vida,
Cansado da noite;
O suspiro. O suspiro da noite.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
31/01/2020


Novo livro de Francisco Luís Fontinha. Brevemente.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O sonho


Todas as coisas, possíveis, impossíveis,
Acontecem quando nasce em mim a noite.
O corpo range de sono, perco-me nas palavras da saudade,
Quando regressa a madrugada,
E, todos os pássaros voam em direcção ao mar.
Um barco chilreia, voa sobre o jardim das cantarias,
Flores dispersas, como mendigos apressados,
Brincando na eira,
Olham o cereal,
Deitam-se no chão,
E, sonham com o luar.
Todas as coisas,
Infinitas, finitas, nas mãos de Deus.
Um esqueleto de silêncio vagueia nas pálpebras da insónia,
Morrem as pedras do meu pobre jardim,
Levantam-se as migalhas da fome,
Quando um carnívoro de sombra, às vezes cansado, levita na escuridão da solidão.
Tenho fome;
Tive pai, mãe, e, nada mais…
Agora, tenho a floresta,
Os papagaios em papel, de três cores,
E, num pequeno caderno quadriculado, invento o sonho,
Imaculado, distante, ausente,
Como todas as coisas,
Possíveis, impossíveis.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
29/01/2020

domingo, 26 de janeiro de 2020

Onde mora o silêncio, se não em ti?


As árvores deste jardim cansado,
Onde adormece o silêncio das palavras assassinadas por mim,
Há um luar desiludido,
Que grita às planícies do alecrim,
O poema desejado,
Entre versos e ossos embalsamados,
Vem a esta casa, o miúdo perdido,
Das montanhas húmidas,
A voz que alicerça a fome,
A rua que limita o olhar,
Sem nome,
Sem mar,
As árvores distintas dos pássaros, o medo de dormir,
Numa cama de pétalas encarnadas,
Nas veias, o orgasmo do cobalto,
A madeira envernizada,
Porque as lágrimas,
No rosto se perdem,
E fogem para o triste adormecer,
O vulcão quase a vomitar palavras de nada,
Sempre em alerta, sempre abandonada,
A casa,
O ódio madrugada da vida,
Entre correr,
Entre morrer,
Simples, assim,
Simples, simples, nada esquecer.
O mendigo que corre na calçada,
Desejado por uns, amaldiçoado pela namorada,
Escreve-me,
Oiço-o,
Na alvorada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/01/2020



50 x 60 – Acrílico s/tela – Fontinha – Alijó

sábado, 25 de janeiro de 2020

O silêncio da luz


Percorro estes montes de ninguém,
Na ausência do prometido poema,
Cansaço da madrugada,
Quando alguém me chama,
Me grita,
E me acena;
Triste é esta calçada,
Onde habito sem memória,
Sem história.
Na noite desgarrada,
Escrevo, pinto, o teu retracto,
Passeio-me pelo infinito amanhecer,
Sem perceber,
Que nas minhas palavras,
Vivem os esqueletos malvados,
Sem sono,
E, alicerçados,
Às palavras vãs,
No bosque,
As árvores, o silêncio da luz,
Que me traz a saudade.
Pinto,
Sinto,
Que todas as sílabas,
São balas assassinas,
Munições de esperança,
Quando acorda a noite.
Sabes?
Amanhã serão apenas sombras,
As tuas palavras,
Que alimentam a madrugada.
O silêncio da luz,
Nas mãos do poeta…
Perde-se,
Vive-se,
De quê…?
Sempre que amanhece,
Neste corpo zangado,
Filho e filha,
Passeando por aí…
Passeando ausente,
De mim,
E, de ti.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
25/01/2020

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A paixão dos mortos


Jazem na minha mão as palavras da saudade.
O mar alicerça-se no quadriculado caderno da madrugada,
Sílabas loucas,
Corações abandonados, numa esplanada de areia,
Esqueletos vadios,
Cansados de viver,
A luz traz as amoreiras em flor,
Mártir silêncio dos poemas adormecidos,
A paixão dos mortos,
Quando um barco se perde no Oceano,
O marinheiro afoga-se no poema,
Lê em voz alta, para todos ouvirem, os mandamentos das gaivotas,
E, sem regressar, procura o sexo na escuridão.
Salta da maré um pequeno veleiro adormecido,
De lágrimas nos olhos, grita pelas almas que partiram,
Ninguém o ouve; a luz.
Todas as manhãs, antes de acordar, o marinheiro chora pelos que partiram,
Ao longe, uma bandeira em demanda,
Sofre, grita,
Mas… não adianta.
Pelos vistos, os mortos não regressam nunca ao local de partida.
O corpo escurece,
Derrete nas pálidas madrugadas, quando do silêncio, uma criança brinca no convés do navio,
Todos os barcos, loucos,
Internados em Psiquiatria,
Enfermaria azul, cama vinte e cinco,
Drageias para todos os navios,
Não dormem,
Mas… sofrem.
Sofrem de quê?
Do silêncio,
Da solidão que provoca o silêncio.
O amor nasce entre os cortinados do camarote,
Na enfermaria, um dos barcos internado, grita pelo enfermeiro;
SOCORRO!
E, ninguém. Ninguém o ouve.
Apenas o comandante está autorizado nas visitas, poucos minutos, servem para acariciar-lhe as âncoras da tristeza,
QUERO SAIR DAQUI.
Todos o queremos.
Uns, mais, outros, menos.
Mas os barcos são teimosos, e, firmemente, alegremente, fogem…
E, só a paixão dos mortos consegue sobreviver ao destino.
Sofre. Grita.
Zurra nas amêndoas em flor, descendo socalcos,
Subindo rochedos,
E outros demais silêncios.
A loucura pertence aos pássaros,
E, aos barcos.
Torna-se na viagem mais inclinada do Universo,
Quando todos sabemos, que o mar, os pássaros e, os barcos,
Morrem.
Morrem nas clandestinas sanzalas do silêncio.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
24/01/2020