sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O suspiro da noite


O suspiro da noite, enquanto a morte vagueia nas sílabas loucas da paixão.
O silêncio das palavras, perdidas nos livros invisíveis da solidão,
Um poema chora,
Alicerça-se na confusão da cidade,
Soltam-se todos os caninos vadios,
Correm em direcção ao petroleiro estacionado junto ao Tejo,
E, um soldado, procurando alimento, senta-se na sombra da neblina.
Todos os pássaros são felizes, ainda que sejam transparentes,
Nas paredes de xisto,
Olhando o Douro,
Desenhando socalcos no bico;
A jangada, afunda-se, como a mão do mendigo,
Quando fundeada na sopa trazida pela tempestade.
Chove, ouvem-se os ruídos da manhã,
Automóveis esfomeados levitam sobre as palmeiras,
Os transeuntes sofrem de pasmo,
Riem, como loucos,
Dentro de quatro paredes de vidro.
O suspiro da noite, sempre em alerta máximo,
Esconde as palavras na algibeira,
E bebe pequenos tragos de nada.
Hoje é sexta, noite como tantas outras,
Não interessa,
É noite, é triste a noite, quando se despede da tarde.
Os amantes fogem como fogem os mortos da sombra,
De roupa engomada, os tristes mortos, riem-se do silêncio amargurado que transporta o desassossego,
Tenho medo, dizia-me ele, quando acordava olhando quatro janelas de cartão,
Perdia-se na imensidão do espaço,
Cansado da vida,
Cansado da noite;
O suspiro. O suspiro da noite.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
31/01/2020

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