quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O choro da laranja

Meu amor, hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao fundo
- O rio reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias iluminando a noite,
E ao fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,
- Tenho medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo, meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo
- De ti, de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor habita neste caixão de enxofre,
Oxalá
- As portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,
E nada quer de mim o que tu desejas…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 18 de Novembro de 2015


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Indefesa árvore que me protege


Tudo ou nada

Nada de tudo

Tudo de mim

Desde a árvore indefesa que me protege

E habita o meu jardim

Até ao rochedo invisível que caminha comigo

Quando cresce a noite

E adormece o dia nos teus olhos

Tudo ou nada

E nada tenho

De mim

Nada de tudo

Assim, como as flores que choram junto à minha lápide

E nunca perceberam o significado da palavra “chorar”

Tudo

Avassalador

Triste

Tudo consumido na fogueira da paixão

De nada ter

E de tudo perder

Tudo ou nada

Nada de tudo

Assim

De mim

Sem o saber.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 17 de Novembro de 2015

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

os cabelos da alvorada


esconde-se o corpo no tapete nocturno da solidão

as cânforas manhãs do desassossego libertam-se das amarras

a liberdade acorda

todas as flores são livres

e todos os pássaros voam sobre os cabelos da alvorada

o olhar da serpente brinca num longínquo quintal abandonado

onde uma criança

também ela livre…

sonha com barcos em papel e estrelas coloridas

o corpo nunca teve medo

a não ser da solidão

que é a única prisão que amedronta o homem sem corpo…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 16 de Novembro de 2015

domingo, 15 de novembro de 2015

luminosidade abstracta da noite


a tempestade de silêncios que adormece no meu peito

enquanto tu, meu amor, gritas o meu nome entre os rochedos do inferno

a sombra dos teus lábios

o cansaço das tuas mãos

me adormecem

e me fazem fugir para a montanha imaginária

a fuga

a tempestade de silêncios que há em ti

e só agora percebi

a luminosidade do teu olhar

quando não cresce a noite

na minha solidão

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 15 de Novembro de 2015

sábado, 14 de novembro de 2015

musseque da esperança


este rio de sangue

em direcção ao musseque da esperança

o cacimbo envergonhado na solidão

o triste amanhecer esperando nas mãos da manhã

um novo dia a acordar

novas palavras prontas para a vida

um livro sobre a secretária no silêncio a arder

nos teus lábios

junto ao mar

um barco amarrado aos teus braços

neste rio de sangue…

… impossível de zarpar

Sonhar

E crescer

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 14 de Novembro de 2015

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

o sofrer no corpo do sofrido


o viver do sofrer

no corpo do sofrido

a partida de um amigo

querido

sem fronteiras as imagens do silêncio

querendo fugir da multidão

quando ele


sente-se acorrentado ao luar

e tem não mão

uma rosa em papel

e tem nos lábios

um beijo de amanhecer

o viver

do sofrer

no corpo clandestino do sofrido…

o querer

não o poder

viver

sem ter

de mendigar o corpo do amigo

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 13 de Novembro de 2015

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

sombra


o infinito prateado teu corpo

quando desce a noite sobre o cabelo argamassado de silêncio

cerras os olhos

fincas os lábios na minha sombra…

e beijas-me

até dar-me conta que partiste

e já é manhã no meu pulso

e já é passado nos teus seios

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 12 de Novembro de 2015

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

mulher do meu saber


sofrer

morrer na vaidade da vida

quando a vida é uma vaidade desmedida

sofrer

sonhar e sofrer

mergulhar o corpo na clandestinidade da saudade

vivida

sonhada

sofrida

sofrer e morrer

na vaidade da vida

quando o sonho pertence à saudade

ser

não sendo o ser perfeito

aquele que todos querem que eu seja

um tonto

um desnorteado

sem o saber

absorto

mergulhado no sofrer

sofrendo

não ser

a abelha amestrada do silêncio

a gaivota da solidão sobrevoando a montanha

não o tenho

o amor

e a paixão

de amar

e ser amado

pelos pássaros da madrugada

ao amanhecer

o prazer

de fundir o meu corpo no teu

um só

um corpo

dois destinos

e três maços de cigarros

amanhã

não sendo

sendo o dia da despedida

a carta sem remetente

à deriva

a diva

mulher do meu saber

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 11 de Novembro de 2015

terça-feira, 10 de novembro de 2015

invenção de um corpo perdido


não percebo porque me sufocam estes cordéis de prata

enquanto desce docemente a noite

não percebo porque te escondes atrás de um cortinado invisível

quando o teu corpo me deseja

e me inventa a cada momento perdido

não percebo

me sufocam

estas palavras que giram à volta dos teus lábios

entre círculos

quadrados

e triângulos desassossegados

entre beijos e espelhos apaixonados…

não percebo

enquanto desce a noite

porque dança o teu corpo entrelaçado no meu

em viagem

quando o teu corpo me deseja

quando eu desejo o teu corpo

assim

dócil

transparente…

como nuvens envergonhadas

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 10 de Novembro de 2015

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

prateleira dos sonhos


sentir que aos poucos o teu corpo se despe de mim

e se despede em frente à mórbida madrugada

sentir que perdi as estrelas e as palavras

o sorriso

e a alvorada

dentro de um pequeno livro

tão fino como a tua pele desnuda

em pergaminhos desejos

o sorriso

e os beijos

e a alvorada

sentir que aos poucos

eu

não sou nada

como os outros

os que habitam as prateleiras dos sonhos

que vão procurar na insónia

a solidão

e o esquecimento

desse corpo

meu

despedido

despido

arrependido e suspenso no céu…

as cordas do inferno acreditando na misera gratidão

sentir que sim

sentir que não

sou

capaz

sentir que não sou capaz de despedir-me desse corpo camuflado numa qualquer sanzala

entre zinco e sombreadas flores

entre cigarros e pontes de luz

e belos amores

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 9 de Novembro de 2015

domingo, 8 de novembro de 2015


Fontinha - Novembro/2015

o fogo da vaidade


estou aqui sem estar

estou aqui acreditando que não estou

dentro do fogo da vaidade

o secreto adeus

quando ao silêncio se junta a solidão

estou aqui não estando

nem sentado

nem dormindo

ou sonhando

estou por estar

estando

não penso

detesto pensar

nos finais de tarde

junto ao mar

sorrir

não o sei

nunca me ensinaram a sorrir

sentindo

que estou aqui nesta convulsão estúpida de estar

não estando

querer voar

e nunca ter aprendido a voar

nunca me ensinaram a voar

nem amando

amar

sem o saber

não estando

aqui

sentado

sonhando

sonhando te ver

sem o saber

estar

estando

sofrendo sem estar sabendo

que vivo no fogo da vaidade

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 8 de Novembro de 2015

um abraço


não sei quem és

porque me desejas

o que queres

aspiras

inspiras

deste meu corpo desajeitado

desassossegado

triste

abandonado

não sei quem és meu amor

não sei se és uma árvore

uma flor

não sei quem és

meu amor

quando o dia se alicerça nos teus lábios

os beijos

a boca semeada na seara distante

o infinito

longínquo

distante

de mim

de ti

meu amor

senti

sem ti

o infinito

desgosto

da madrugada ente soníferas equações

e seios desnudos

camuflados na espelunca cânfora manhã indivisa

o sono

a brisa

em ti

e de mim

um abraço…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 8 de Novembro de 2015

sábado, 7 de novembro de 2015

os segredos


tínhamos nas veias a fúria das tempestades de areia

mergulhadas nas madrugadas envenenadas

a solidão da esperança

de nunca ancorarmos ao silêncio

e de ele alicerçado aos nossos braços

éramos crianças

e dançávamos sobre a toalha límpida do mar

havia sempre um telhado zincado ao nosso alcance

uma esplanada abandonada

uma ou duas ou três cadeiras sem ninguém

sentávamo-nos e voávamos em direcção ao nada…

para depois adormecermos na praia

ao relento

o monstro da noite

vinha das árvores

trazia-nos palavras rasuradas numa triste ardósia

que só o tempo conseguiu apagar

sem demora

sentávamo-nos em círculos

quadrados

sombras geométricas na clandestinidade…

para morrermos na aldeia mais próxima

da infância

desprovidos dos segredos das fotografias poisadas nas nossas mãos

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 7 de Novembro de 2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

incerteza


hoje recordo as tuas mãos pigmentadas na insónia madrugada

sinto dentro de ti um rio desnorteado

rumo à incerteza

e os barcos que nele brincam

não têm âncoras nem cordas de nylon nem amarras invisíveis

são pássaros meu amor

e corações de pedra

descendo a montanha

 

gritos da noite escondidos no teu cabelo

raízes de sémen poisadas na tua solidão

e sempre que o comboio da esperança avança

há sempre uma carruagem desalinhada

só e triste

só e cansada

correndo a Calçada

embrulhada no sono

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 5 de Novembro de 2015

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

a sombra em teu sorriso vermelho


a sombra

em teu sorriso vermelho

sem destino nos meus lábios

entre marés de Inverno

e noites de Inferno

traz o sofrimento desejado

inventa no meu corpo a alma desajeitada

que só os fantasmas conseguem ouvir

na madrugada

da sombra

na sombra

em teu sorriso vermelho

a rosa de papel com odor a silêncio

teus beijos

sem triangulares janelas

onde poisas os teus seios

quando passa na Calçada

o quadrado a recta e o sonâmbulo embriagado

a sombra

na triste roda dentada

aqui

ali

longe de mim…

sentada

à minha espera sabendo que eu não regressarei nunca

aos teus braços

às tuas mãos…

nunca

a sombra

em teu

sorriso

vermelho

se ausentou do meu destino

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 4 de Novembro de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015

nas palavras das palavras


nunca sei onde me encontro

neste labirinto de noite

nunca sei porque estou aqui

sentado

a olhar-te… quando pertences ao infinito

das palavras

e dos sons melódicos da solidão

nunca sei se o dia é lindo

assim-assim

ou como o de ontem

feio

triste

sem tempo para adormecer

nunca sei onde me encontro

neste labirinto de noite

sem noite

com dia

entre o dia e noite

pertences-me

ontem

feio

triste

assim-assim…

sentado no teu colo

a olhar-te

nas palavras

das palavras

do silêncio ancorado aos teus braços

 

Francisco Luís Fontinha – Alijo

terça-feira, 3 de Novembro de 2015

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Sem ninguém


Sou refém das minhas palavras

Um prisioneiro sem cela

Um carcereiro endiabrado dando-me porrada

Pancada em mim

Esta vida

De ser

Assim

Sem mim

Abstracto do teu olhar

Sou refém das minhas palavras

Quando estes arbustos pela manhã

Me cumprimentam

Abraçam

E beijam

Pego nos livros teus

E misturo-os com os livros meus

Tudo palavras

De que sou refém

E ninguém

Desta cela prisioneira…

 

Sem ninguém.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 2 de Novembro de 2015

domingo, 1 de novembro de 2015

O álbum de fotografias dos teus ossos

A morte das palavras num qualquer musseque da insónia, as cinzas dos poemas disfarçadas de sanzala sem dono, destino ou incómodo de sobreviver à pobreza, o exilado texto além-fronteiras, os gritos, os gemidos da noite entre siderais e abstractos retractos e o espelho do quarto, depois vem o amor, depois vem a paixão, e nada mais do que isso
Ou morte, de ti, às primeiras horas da madrugada,
Odeio a noite, e nada mais do que isso nos nossos corpos, a distância das palavras, mortas, numa lápide de saudade e o eterno amor, depois, ele, partiu para as incandescentes ruelas do inferno, embrulhou-se nos lábios do sofrimento, tombou no pavimento
O espelho, cansado desta imagem prateada,
Tombou no pavimento como se fosse uma abelha a ancorar à colmeia do sexo, o orgasmo poético, a ejaculação da prosa em pequeníssimas lâminas de esperma, e eu… sofrendo com a tua ausência programada, hoje, acordei acreditando que estavas vivo, entre mim e em mim, olhei-te, perguntei por ti
E o espelho fantasiado de vergonha, a alvorada não nasce, o dia promete ser uma abstracta palavra, mota,
Perguntei por ti, ouvia-te longinquamente sobre as árvores do nosso jardim, e os pássaros poisados na nossa sanzala, o álbum de fotografias dos teus ossos, e percebi que brincavas entre mabecos e gaivotas embalsamadas pela tristeza,
Palavra, morta, ninguém à nossa porta,
Pela tristeza e pelo silêncio… marchar, marchar…
Fui, desisti…
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Novembro de 2015