domingo, 29 de março de 2015

Fotografia no Mussulo


Os colchões de areia do Mussulo

A hipotenusa brincando no quadrado

E num pulo

O mar

Esboçado nas trincheiras da melancolia

A dor

Adquiríamos as ventosas do desejo

Debaixo dos abraços cinzentos

Nos telhados de vento

O tempo indisponível

Tente mais tarde

Ouvia-a depois da luz se extinguir

Nos rochedos negros do púbis

Havia música nas janelas que o luar desenhou

Nas tuas coxas

Deus brincava nos teus pincelados lábios

Pedia-lhe

Não me respondia

A fala

A palavra prometida

Assustava-me

E fugia

Libertava-me do incenso

E das canetas de prata

Alimentava-me dos brinquedos em plástico

Entre as sombras das mangueiras

Os homens

As mulheres

Ao portão…

Abraçava-me

Beijava-me

E no entanto

Era apenas uma fotografia

Sem pátria

Que gemia

E não sentia

E havia

Nos seus ombros

Um triciclo envenenado pela fogueira da paixão

Eu

Eu tremia

Sem saber que o barco me levava

Nunca mais me trazia

A esta terra sem capim

Nem árvores de veludo

O teu corpo imaginava-se nos tristes arvoredos do sonho

Antes de adormecer

Eu… eu escrevia

Olhávamos as almas

E os becos escondidos na cidade

O Tejo entre azulejos

E livros

O caderno junto aos teus seios

Tão pequenos

Como as estrelas

Como os cinzeiros

Semeados na minha secretária

Papéis orvalhados nos condomínios de luxo

As portas do inferno

Comendo os teus geométricos olhos

Vai caminhando na voz enrouquecida das abelhas

E dos veleiros nocturnos da solidão

Hoje recordo-te nos colchões de areia do Mussulo

Como recordo as avenidas embriagadas

Pelo silêncio obscuro

Sempre tive medo dos teus cabelos

Abraçava-me

Beijava-me

E era apenas uma fotografia

Tão triste

Tão triste que durante o dia

Ardia…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

O orgasmo da saudade


Este beijo de pérola adormecida

Fingindo habitar numa ilha

Os lábios cessam nos murais do sofrimento

O silêncio agarra-se aos tentáculos do desejo

As imagens da escuridão

Desenhadas nas minhas mãos

O vulcão da insónia

Não regressando mais

Como uma folha

Caída do habitáculo tridimensional

A parede perfeita

Escrita entre o orgasmo inventado

 

E o poema perdido

Esquecido nos teus seios geométricos

Quando da ardósia

Um círculo de nada

Morre

E fala

As palavras amadurecidas

Sem nome

Sem medida

O derramado húmus da tristeza

Quando o sémen de prata

Invade a melancolia

 

Nasce o dia

Cresce nas tuas coxas de silício

A penumbra pintura do adeus

Enigmático

Dizem elas quando lêem na minha algibeira sem profissão

O significado do amor

Apaixonado

Não

A bala de sabão contra a minha camisola

A gripe

O profanar

Das flores de papel

 

Que o texto ilumina

Ele é louco

(Dizem elas quando lêem na minha algibeira sem profissão)

Tristes

Meu amor

As canções abraçado a ti

Os poemas escritos nos lençóis humedecidos

A chuva alimenta o teu cadáver

O teu corpo escondido no meu coração

Os teus uivos

As tuas raras mãos

Abraçando-me

 

Alimentando-me

Como Deus

Ao deitar

Meu amor

Sem palavras

Sem livros

Sabes que morro

Sabes que grito

A viagem

O não regressar aos teus ombros

Não amar-te

Quando te amo

 

O medo

Da fala

Dos cigarros.

A alma

Minha

Penhorada por um quarto de pensão

A queca química

Entre dois ponteiros do relógio do avô

Tão bom

Meu amor

Tão bom

Meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

sábado, 28 de março de 2015

A morte entre parênteses


Não entendo os teus cabelos em cerâmica doirada

Como as andorinhas desnorteadas

Entre árvores

Entre filamentos de saudade

Sobre a cidade

Dos sonhos

Acordar

O espelho da vida

Em liberdade condicional

Espera

Caminha

A pedra ensanguentada

Das ruelas em flor

O ruído ensurdecedor dos morangos

E das plásticas cabeças de alfinete

O fato prisioneiro no guarda-fatos

O meu esqueleto

Dentro do fato

Os sapatos

As meias

E todo o resto

Em chamas junto ao rio

Não entendo o perfume dos teus lábios

O sorriso que se alicerça em ti

E me sufoca

Quando acorda a noite

E a noite me transporta

Para a carta sem remetente

Oiço-te

E não percebo porque brilham os teus cabelos

Dentro do cubo de gelo

Da paixão

Em aventuras

Entre árvores

Entre filamentos de saudade

Saudade…

Dos sítios obscuros com pulseiras de vidro

Cacos

Sílabas

Na seara do cansaço

Atrevo-me a olhar a lua

E não querendo ofender ninguém…

A lua suicida-me contra os pigmentos do prazer

Não sei

Como poderia eu saber

Se as candeias se extinguiram nas marés de prata

Os sonhos

Os sonhos acorrentados ao silêncio

O medo de amar

Não amando

E comer

Todas as pétalas da rosa embalsamada

Tão triste

Eu

Neste cubículo de lata

Sem janelas

Sem… sem nada

Como uma simples folha de papel

Desesperada

Sobre a secretária

Eu mato-a com a caneta

Escrevo palavras

Palavras

Que só o mar consegue entender

E… escrever

Nos meus braços

Dentro de mim há buracos negros

E as equações da relatividade

Sós

Entranhando-se no camafeu alicerce do sofrimento

Como eu sabia

Antes de a madrugada bater-me à porta

Olá bom dia

Meu amor…

Hoje não

Volte para a semana

Não

Não quero comprar nada

Hoje

Porque sinto a solidão

Nos arrozais

E nos pássaros

Que os homens constroem

Enquanto o poeta morre…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 28 de Março de 2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

Adormecido nas ostras marés da serpente de prata, para o inferno…
E,
Não, filho!
A guerra foi perder tempo, corpos, estórias e memórias, o meu melhor amigo
Morto!
O caixão entre quatro tábuas de sofrimento, a algazarra da embriaguez ouvia-se nos poemas em círculo, a fogueira incendiava a paixão,
Dispo-me?
Não, filho!
Promessas,
Dispo-me, olho-me no espelho do enterro, ele
Não,
Ele de espingarda ao ombro, imaginava-se um soldado de chocolate, sentia dentro do seu peito cada disparo, cada dor, cada…
Fugiu!
Ontem, ao final da tarde, a viagem até ao ninho das cegonhas negras, descia a noite sobre o capim dos beijos analógicos,
Na parede,
Fugiu…
Os ponteiros mergulhados numa poça de sangue, a lápide esperava-o na aldeia, o meu pai
Coitado,
Sentado numa cadeira a vender seguros de vida, falsos, claro
O telegrama,
Morto em combate,
Claro, amanhecia e ele sentia-se um peixe perdido nos fósforos do desejo, e a morte mesmo ao seu lado…
 
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha -  Alijó
Sexta-feira, 27 de Março de 2015


Sentinelas da noite


Tenho no corpo

o sentido proibido do silêncio

os ossos choram todas as madrugadas

das lágrimas

as palavras

e nas mãos o feitiço do amanhecer

querer

não quero

ser

sem o saber

a leveza insignificante dos meus braços

suspensos no sorriso do luar

não acredito

acreditar

nas nefastas sentinelas da noite

o amor camuflado

caminhando no capim

as pálpebras cinzentas

misturadas nos cigarros embriagados

que só o fumo consegue desenhar

no triste pavimento da sanzala

oiço a sombra da paixão

voando sobre os coqueiros

o papel colorido

inventando poemas

nas nuvens cortinas do meu aposento

os livros

os livros são como homens em cio

cansados

cansados das sílabas em flor

e do rio

onde adormece a ponte do desejo

não desejando

desejar

não desejando

desejar o perfume do mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 27 de Março de 2015

quinta-feira, 26 de março de 2015



(Para a minha mãe, feliz aniversário / IPO - Porto, 26 de Março de 2015)


“Descascando a cebola” como Gunter Grass me ensina, mergulho no parapeito da fotografia com vista para o jardim, ao meu lado, sombras, terraços de chocolate, homens, mulheres e crianças.

Perdi a paciência, diz ele em tom de prosador,

Deus olha-me, penso eu, não encontro no corpo o prazer do sossego, quando as palavras morrem, e a morte é a viagem para a literatura,

A espingarda, finjo, tenho na algibeira meia dúzia de balas, de xisto, como o Douro Vinhateiro, o rio

E as crianças, a cebola liquefeita nas mãos da cozinheira,

Mãe o que é hoje o jantar?

Poemas de “Al Berto”,

Gosto, adoro, amo…

Amar, desenhar na cebola os lábios da inocência (telefone toca) quando amanhece no teu sorriso, a espingarda

Minha querida!

E a espingarda escrevendo poemas em cada camada da desassossegada cebola…

 
(Ficção)

Francisco Luís Fontinha . Alijó

Quinta-feira, 26 de Março de 2015





quarta-feira, 25 de março de 2015

A “puta” sempre só


Engano-me nos teus olhos

Pareço um espelho confuso

Desfocado como os decenários da saudade

(perdi-me porra)

Sei lá agora

Meu amor

Se existes

Pareces

Uma lâmina de sémen baloiçando no teu peito

Amanhã

Meu amor

Caminharemos sobre o desejado orgasmo

(literário)

Pensavam o quê?

Engano-me nos teus olhos

Como se enganam os automobilistas de óculos escuros

Os escravos do sonho

As drageias congeladas no coração da minha flor

O caixão prateado

Amanhã

Saberei…

O quê?

Aldeia

Gajas boas

Lanternas radioactivas

Um disparo

Contra a morte


A “puta” sempre só

E mesmo assim

Percebo-a… como percebo os teus caprichos.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 25 de Março de 2015
O exílio disfarçado de madrugada, alguns papeis, livros poucos, um retracto do meu avô e… e nada mais do que isso, Margarida chorava com a minha partida, eu, finalmente em liberdade,
Os panos,
Os cortinados envernizados de saudade
Pai, regressaste?
Não, filho!
A morte não tem regresso, os cortinados envernizados de saudade, a manhã despedia-se do paquete que me transportaria
Para o inferno,
Que me transportaria para o infinito beijo do capim, sonhava com lobos, coelhos e cobras
Cobras?
Serpentes engasgadas pela ventilação mecânica dos fósforos sem memória, esquecem-se dos cigarros sobre a lápide, a fotografia, e
Não, filho!
Para o inferno…
 
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Março de 2015


terça-feira, 24 de março de 2015

Sombras e sombras…


Todas as coisas belas

Dormem no meu peito

Sinto o abismo do silêncio na alvorada manhã

O teu corpo voa

O infinito

Das pálpebras apaixonadas pelo cansaço

Os sonhos imperfeitos

O cadeado da insónia submerso na seara adormecida

Hoje

O teu corpo

Voa

Como voam todos os cadáveres da paixão,

 

Sinto nos meus dedos os narcisos das palavras desassossegadas

E sei que durante a noite

Uma flor nasce

No teu olhar

No jardim da tua boca

Todas as coisas belas

Fogem

Ou morrem

Mas as imagens permanecem intactas

Ossos

Poeira sobrevoando as aldeias solitárias

Ou morrem,

 

E fogem

Como pássaros embainhados nos cofres do amor…

Caminho no Oceano

Procurando barcos

E âncoras de espuma

Telas embalsamadas

Nas paredes do medo

E fogem

E morrem

As andorinhas

E os candeeiros da cidade

Do exílio entre sombras e sombras…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 24 de Março de 2015

segunda-feira, 23 de março de 2015

Não me lembro, meu filho..., não me lembro..., a vida era complicada, não tínhamos dinheiro para nada
Nada, pai?
Nada, meu filho, os dardos da pobreza alicerçavam-se aos nossos braços, regressava o beijo, e
António?
Sim, meu querido!
Os bisontes da memória, corridas loucas nos corredores do sonho,
A ressaca...
Meu filho, porquê?
A ressaca espancada pelo corpo em delírio, os arrepios, a diarreia, não
Não?
Não pai, não aguento mais esta vida de marinheiro, sem barco, sem cais para aportar, ah... as cordas
Cordas?
Claro, como pensas aprisionar o barco dos teus sonhos...
Em liberdade, em liberdade... meu pai...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Março de 2015

Silêncios da Primavera...


Os dias nefastos da melancolia
a palavra envenenada
na boca de uma caneta
triste
e só
o círculo do desejo
desenhado na ardósia noite do sonâmbulo beijo
os dias
do enforcado movimento pendular
contra a janela do meu quarto
as sombras
brincam nas almofadas da solidão

dás-me um beijo
e partes
como uma imagem
ao despedir-se e o vento a leva
sem perceber
que a morte
é o fim da fotografia
negra
encurralada nas ruelas do abismo
demoro-me
e negra
quando acordam os silêncios da Primavera...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Março de 2015
As andorinhas pintadas na fachada do desejo, o corpo transversal entre dois pontos sem coordenadas, o vazio, a carta regressada do nada
Amo-te, meu querido,
Não sei quem é, preenche-me os sonhos, e brinca na minha cama
António?
Sim, Margarida!
E brinca na minha cama como a criança acabada de nascer, as primeiras palavras, o primeiro poema, a primeira paixão, o amor, a desobediência do coração de prata, a mina mergulhava nas canções Primaveris, as orquídeas desenhavam círculos na sombra da tempestade, pai?
Sim, filho...
A guerra,
Que tem a guerra?
Não me lembro, meu filho..., não me lembro...


(ficção)
Domingo, 22 de Março de 2015
Francisco Luís Fontinha . Alijó

domingo, 22 de março de 2015

As equações do sono


O gatilho da paixão
uma bala vestida de palavra
entranha-se no meu peito
grito
grito o poema assassinado pelo poeta
a espingarda da saudade
nos lábios tristes da madrugada
o gatilho da paixão
em pausa
suspenso na minha mão
disparo
não disparo...

mato
morro
não sei...
quando o papel arde
no pôr-do-sol da solidão
o amor
o amor das clandestinas manhãs
e o uivo da boca
no beijo cansado das nuvens de algodão
não paro
caminho em direcção às equações do sono
é amanhecer

vejo a cidade em lágrimas
chove
nos cabelos da maré
invento-me nos teus braços
como um louco esqueleto de pano...
o piano
dança junto à lareira do adeus
a despedida
a partida
uma mala vazia
quase vazia
porque lá... habitam os socalcos do sonho.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Março de 2015
O meu melhor amigo, morreu
Maldita guerra, terra... nada, para nada, recordo o sorriso dele, em criança brincávamos junto ao mar, desenhávamos barcos nas paredes do sono, sentados, pintávamos beijos no térreo chão com odor a desejo, Margarida
Farta das cartas, meu amor, amo-te, ando no mato e percebo que a tua sombra me acompanha, sinto os teus doces lábios no cano da minha G#. bê lá, meu amor,
Margarida, desenho no cano da minha espingarda... Amo-te...
O meu melhor amigo, a criança de sorriso encarnado que todas as tardes voava sobre os nossos cabelos de espuma...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha - Alijó
Domingo, 22 de Março de 2015