Mostrar mensagens com a etiqueta cacimbo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cacimbo. Mostrar todas as mensagens

domingo, 30 de março de 2014

Bocas famintas

foto de: A&M ART and Photos

Sou absorvido pelos tentáculos da insónia,
dou-me conta da noite triste,
confusa, e só...
pertenço às paredes límpidas da solidão fantasma, às vezes, ela, veste-se de livro,
e dorme na minha mão disfarçada de rocha ensanguentada com dentes de leão,
outras, ela parece o cortinado inanimado da minha janela sem fotografia para o mar,

Sou absorvido por barcos longínquos das tardes de cacimbo,
sou o portão de entrada do quintal imaginário rodeado de mangueiras e sombras,
oiço o sorriso do embondeiro a sobrevoar o meu olhar, e sei que estou vivo porque alguém pega na minha mão de menino e diz-me que sou filho do Oceano,
sou absorvido por tudo e por nada,
pelas palavras, e pelas montanhas, e pelas ardósias envergonhadas do desejo,
sou... pelos tentáculos da insónia,

E.. e dos beijos,
sou um cadáver sem nome,
e enquanto era absorvido... sei lá por quem eu era absorvido!
mãos, pernas, braços, caricias, loucas caricias de mãos desconhecidas,
e no entanto, ainda pertenço aos indefinidos corações de incenso com borboletas cinzentas...
e bocas, absorvido por bocas famintas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os pobres esqueletos de vento

foto de: A&M ART and Photos

O corpo roda e sofre
morre
evapora-se dentro das graníticas rochas do coração de água
límpida solidão caminha nas mãos da mulher apaixonada
ela vive
ela ama
ela... ela é a própria madrugada
e não sabe que dentro de mim habita uma triste palavra,

O corpo é como um livro disperso no cacimbo
e alicerça-se ao cais dos mendigos envergonhados
ela senta-se no dorso cansado que todas as quintas-feiras submerge na penumbra noite dos pobres esqueletos de vento
morre
ela vive
ela ama
ela... sente o pólen mergulhado no soalho da insónia
e dos lençóis do desejo... ela absorve o sémen do poema acabado de nascer...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Fevereiro de 2014

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Pincelado amarelo dos beijos em cacimbo adormecer

foto de A&M ART and Photos

Sorrisos do pincelado amarelo na tela da insónia,
pequenas poucas palavras sobrevivem nos teus lábios de sanzala perdida na noite,
ouves as vozes do deambulante cacimbo caminhar sobre os charcos invisíveis da madrugada,
e sorrisos do pincelado amarelo, sobressaem dos granitos verdes em jardins de papel, sorrisos, amarelo pincelado na tela da saudade, mergulhados... encarcerados todos, todos os homens de gabardina cinzenta...
nas cavernas das tempestades nocturnas dos comboios em movimento,

Sei que sou perdidamente um filho do circo,
um trapezista, um mísero malabarista... um feliz palhaço com dentes em marfim,
um velho crocodilo de mpingo apaixonado pela terra encarnada das manhãs tuas mãos...

Sorrisos que eu não esperava,
que eu... nunca acreditei existirem,
nuvens de porcelana,
janelas sem persiana... portas com vidro duplo e de gonzos embriagados,
sorrisos, tantos sorrisos de pincelado amarelo...
sorrisos cansados da vida construída sobre as árvores de cetim.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 5 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

vivo inventando rosas

foto de: A&M ART and Photos

odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores
vivo inventando rosas
amores
e chuva miudinha sobre as íngremes rochas do mar da tristeza
sou um barco em fuga das conversas loucas que iluminam os teus lábios de papagaio em papel
e sobes entre o Céu nocturno do desejo
e desces às catacumbas do silêncio
há em ti uma palavra prometida numa tarde de Outono
e éramos crianças vestidas de negro
dançando sobre a mesa de um velho café
esquecendo as amarras Luas dos sótãos clandestinos como divãs de areia
na mala de couro adormecido que a tua mão saboreava

me levavas encarcerado até encontrares os beijos das garças quando rompem o cacimbo embriagado pelo capim dos poemas encalhados
distantes
doentes
húmidos
… teu corpo e teu vestido
sós simples abandonados... molhados como saliva de sémen na clarabóia da insónia
o texto reflecte-se no espelho da agonia
dorme
vomita
sangra das veias suicidadas as ardósias com sabor a chocolate
e baunilha

terminas a noite voando sobre a cidade dos anjos
entranhas-te em mim
és minha
como todos os livros que vivem na minha algibeira,,,
imagino-te sentada no Rossio
vendando folhas de cartolina com caracteres inanimados
mortos
imagino-te brincando em Cais do Sodré correndo sobre os carris da paixão
escrevem-me e esqueço-me que deixaste de pertencer aos meus sonhos
que deixaste de fabricar sorrisos nos fósforos das manhãs embaciadas
ruas infinitas à volta de uma fogueira de casas abandonadas
e... odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Viver como um pássaro e voar como um barco cambaleando sobre as ondas sonoras dos poemas de AL Berto

foto de: A&M ART and Photos

Acredito que o Sol voltará a brilhar nas íngremes encostas mergulhadas nos seios mendigos do rio mais belo do Universo, acredito que a chuva das vindimas transformar-se-á em pequenos balões de hélio sobrevoando as lâmpadas do silêncio como xistos em revolta, acredito que todas as grades em aço que cercam as prisões brevemente acordarão vestidas de botão de rosa, de muitas cores, e em pétalas poeira cintilando nas mãos tuas madrugada
Liberdade?
Liberdade...
Viver como um pássaro e voar como um barco cambaleando sobre as ondas sonoras dos poemas de AL Berto, do cimo da montanha e em pétalas poeira cintilando nas mãos tuas madrugada, ele revestido a prata, ele sorrindo, poisando o desejo sobre a mão dela,
Acredito que as nuvens vão ser de algodão, leves, leves como os círios da Igreja onde me esperas quando eu morrer, e sem lágrimas, e sem demandas... acreditarás que eu vou voar e que mais tarde... mais tarde nos encontraremos junto a uma mangueira, e sobre nós sombras de cacimbo e o latejo dos mabecos felizes por
Acreditares,
No futuro, na liberdade, nas grades em aço que transformar-se-ão em rosas, rosas, rosas com lábios encarnados,
Perfumadas pois então,
Nós
Felizes
E viveremos nas encastradas encostas da chuva em vindimas de pergaminho, ouvem-se os pais beijarem os filhos, vêem-se as mães acreditarem nas alegrias dos filhos, ouvem-se os arbustos despedirem-se do ferrugento barco em suspiros profundos
Fundeando há vinte anos..., afundam-se e gritam
Os outros,
Liberdade, acredito que as flores vão ser de papel, e que dos meus livros, e que dos meus livros acordarão todas as personagens que vivem em mim, estas há mais de vinte anos, e no entanto, não tão ferozes como as outras,
Tudo servia para comer,
O quê?
Tudo, tudo... e até as pedras acreditavam no medo...
O medo?
Em capa dura, do amarelo sobressai o peso de um corpo em ziguezague, sonolento, o título é em oiro futuro, e ele
Embrulhado em plumas de cetim
Acreditava que “O medo” não tinha medo,
Acredito que com a trovoada vêm as sílabas palavras com pele sedosa, e das caricias de uma gaivota, ele
Acredita,
Acredita que o mar é de todos, que o Sol iá nascer para todos
(enquanto hoje, apenas alguns dementes têm o prazer de o ver)
Nunca vi o Sol, não sei como é o Sol...
Mas acredito que existe, que vive, sorri...
(Perfumadas pois então,
Nós
Felizes
E viveremos nas encastradas encostas da chuva em vindimas de pergaminho, ouvem-se os pais beijarem os filhos, vêem-se as mães acreditarem nas alegrias dos filhos, ouvem-se os arbustos despedirem-se do ferrugento barco em suspiros profundos
Fundeando há vinte anos..., afundam-se e gritam
Os outros),
Não sabem que a chuva das vindimas é uma mulher nua abraçada a cachos de uva, em seu redor, um louco grita,
Acreditar,
E eu, que apaixonei-me pela chuva...
Acredito.

(Não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 27 de Setembro de 2013

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

a jangada com olhos castanhos

foto de: A&M ART and Photos

trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos
cansavas-te com o olhar das crianças
e dos pequenos botões de rosa

trazias dentro de ti um cubo de faces rosadas
dos pobres lábios ensanguentados pelo bâton uma lâmina de tristeza
absorvia a tua boca enlatada
como uma conserva
esquecida numa qualquer prateleira da despensa

sentia-te vociferar debaixo do sombreado fantasma
agarrado a uma pétala fotográfica
e a preto-e-branco
o fotografo vestido com sais de prata
alicerçava os pobres desejos da madrugada

(trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos
cansavas-te com o olhar das crianças
e dos pequenos botões de rosa)

e sabia-te enlouquecida quando te embrulhavas nas marés de areia
e corrias
e brincavas num corredor longo e estreito e alto
choravas parecendo a chuva desencadeada pelos sorrisos adormecidos
dos tristes minguados sonhos que a infância assassinou

trazias nas mãos a jangada da paixão
escrevias nos absolutos números complexos as amêndoas com chocolate
que o vento imaginava
e não sabendo que o cacimbo lhe pertencia...
ela adoptou como filha a doce menina equação diferencial

ela é a integral tripla dos seios loucos com voz de rascunho
sente no corpo o aparo da caneta de tinta permanente
acaricia-lhe as coxas como quando se folheia um livros de poesia...
e as palavras saltitam como gotinhas de suor na face alegre da Lua
ela é a integral que transporta na mão a jangada com olhos castanhos


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 19 de Setembro de 2013

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

traço descontínuo

foto de: A&M ART and Photos

há um traço descontínuo que nos separa
nuvens que encobrem o teu olhar
abraços dispersos pela madrugada
há um traço descontínuo
um ruído ensurdecedor que acorda com o amanhecer
há um poster de uma mulher nua na paredes da tua insónia
descontínuos
as pernas e a sombra dos triciclos em madeira...
há uma casa dentro de uma estrada
rodeada por um fino traço descontínuo
há chuva
há crianças correndo e saltando as sebes do invisível
há uma menino especial
com dentes em marfim
há uma menino que dizem ser filho do sol
e do cacimbo...
há um traço de ti que é descontínuo...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

sábado, 17 de agosto de 2013

Os calções brancos

foto de: A&M ART and Photos

As hormonas fervilham, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu
Não o tenho,
Ela diz que eu
Tu nada podes comprar,
Vende-se, prostitui-se intelectualmente como se tratasse de um livro ainda por escrever, as hormonas
Fervilham,
Transparente como a chuva depois de se masturbar sobre os zinco telhados das sanzalas, a sombra desce da cidade, cobre os ombros da mulher emagrecida, triste, como o tecido depois de molhado, depois
Fervilham,
Diz ela,
Porque para mim, um simples aldeão esquecido no musseque da escuridão, não fervilham hormonas, nunca existiram os calções brancos, nunca... como o sabor da manga depois de dissipado o Cacimbo das margens íngremes do rio, mabecos, girafas, zonzos, todos os bichos da selva, lá fora fumava-se erva e outras raízes, que só
Diz ela
Fervilham as hormonas,
Ai se não fervilham, que só em África existem, que só em África fervilham, e diz ela, que a cidade dorme, extingue-se no silêncio vestido de cansaço, acabam-se as realidades virtuais, e começam verdadeiramente os
(nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada)
Textos infestados por pequenos insectos, os calções, os calções brancos dançam no interior do ânus ao som de Pink Floyd, o escritor lê poemas de AL Berto e alguns textos de Luiz Pacheco, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu
Não o tenho,
Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que,
Tu nada podes comprar,
Oiço-o dizer (“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto) e dos calções brancos, nada, nem barcos, âncoras, fins de tarde no Rossio, nada, nem o pobre cimento que segura as asas do vento, e tu
Diz ela
Nada podes comprar,
Não o tenho,
Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que, o barro é como o cristal, lindo e belo, só que... muito mais barato, ele diz-me que eu com cinco anos escrevi todo o corpo das películas em desejo que chegavam até mim, bebíamos, e comestíveis cinzentas neblinas junto ao porto camuflavam todos os barcos em regresso, e ficávamos
A ouvir o mar,
E ficávamos...
Simplesmente a ouvi-lo,
(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto)
Fervilham as hormonas dentro dos finos calções brancos, (nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada), e uma nuvem de gelo entra porta adentro da miséria cubata invisível...
Uma placa sobre a porta de entrada,
“Há caracóis”, e vivíamos felizes como serpentes no interior do ânus abraçados à fina réstia em tecido dos calções brancos,
Definitivamente,
Hoje, Hoje há caracóis...
(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto).

(não revisto – texto de ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 17 de Agosto de 2013

sábado, 27 de julho de 2013

A cidade suicidada

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos Mabecos sobre os joelhos
e uma fina cortina de Cacimbo
balançava sobre o teu cabelo negro
havia espuma
brumas árvores em cio
havia um triste rio
deitado nos teus seios apaixonados pela madrugada
tínhamos pedaços de silêncio nas pálpebras nocturnas do desejo
e sabíamos que era a última nossa noite...
choravam as janelas viradas para o Tejo
e os barcos magoados brincavam na cidade suicidada
que os Mabecos iluminavam com o olhar da solidão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 6 de julho de 2013

Terei em mim as sobejadas tuas lágrimas?

foto: A&M ART and Photos

Terei em mim as sobejadas tuas lágrimas?
E as tuas algas, meu amor,
como conseguem elas sobreviver sem as minha mãos...
sem o meu olhar,
terei em mim as algemas flutuantes do silêncio
quando apareces no espelho da noite
e começas a cantar
sorrindo,

Sou uma gota de água salgada
que voa nas clarabóias do teu doce cabelo
sou uma gaivota disfarçada de gota de água...
que te ama quando deitas a tua cabeça no meu peito confeccionado com as pobres pétalas
do xisto laminado da paixão,

O amor dispara palavras contra os uivos meninos da cidade dos abismos
sentavas-te nos corredores da noite como se fosses uma árvore
uma menina vestida de árvore
como as tuas algas e os teus peixes e a rosa que deixaste no interior de um velho livro...
o amor disfarça-se de madrugada
e assim, nós, os eternos amantes, dormimos parecendo pássaros envenenados pelo cacimbo,

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 4 de maio de 2013

Quando mergulhávamos no cacimbo

foto: A&M ART and Photos

Perdia constantemente, as coisas boas da vida, perdia relógios, perdia calendários, perdido eu, perdia-te sempre como perco as gaivotas de Maio, um barco indefinido, sombrio, no domingo, não estou, fui, como ela, fui e não regressei e não vou regressar
porquê
Perdia-te, e perco, nasci perdido, nasci dentro de um mês explícito, também ele, perdido, perdido, era verão,
em Janeiro, verão
Precisamente, em Janeiro, verão, perdia-te, comei a perder-te já dentro da maternidade, depois, depois no baptismo, e parece que caíram todos os santos quando me viram, e a Igreja da Nossa Senhora da Conceição, toda ela, por mim, em lágrimas,
e por vinte escudos,
Nada,
ninguém?
A terra, o pavimento térreo, pequenas janelas, pedacinhos de luz, entre o branco e o negro, circunferências de corpos, incluindo, o teu, o dela, o dele, de lábios em triângulos, de bocas em cubos, ou... ai as saudades dos hipercubos, das lareiras em flor, da Ajuda subindo a Calçada, descendo cordas de sombra, comendo sandes rápidas depois de voar a tarde sobre a ponte com acesso ao teu púbis de mel, a outra cidade em ti, e de ti, as ruas resumidas a pequenos grupos de palavras, simples palavras, pequenas canções, melodias que eu ouvia quando te sentavas sobre o meu ventre descarnado, sem folhas, suspenso num paralelo de vidro
ninguém e nada, entre nós como Dezembro depois da madrugada,
Escrevia Janeiro e debaixo do Sol tórrido entranhavam-se-me os finos arames que seguravam o tecto das estrelas onde dormia uma tenda, um enorme oleado, por baixo, uma longa estrutura metálica
era o circo
Homens e mulheres e crianças, e palhaços, e cães amestrados, e trapezistas, malabaristas e eu como ninguém, sentado num banco, em madeira apodrecida, contava eu, cada buraco preenchido pelo bicho da madeira, quadrados, círculos de corpos, o teu, o meu, o dela e o dele, os nossos transformavam-se em madeixas coloridas, em pequenas sandálias de couro, entre calções e saias de chita, crianças que inventavam espectáculos, o público emergia, crescia, e depois
fugiam de nós,
Como hoje, ontem, e depois havia a cama de pregos onde o conceituado artista plástico, escritor e poeta, e zé ninguém, eu, ou outro igual, se deitava, adormecia, enquanto
gosto dela, assim, semi-deitada, com as pernas poisadas sobre a terra doirada, gosto dela assim, encurvada, quase nua, quase silenciosa, quase emagrecida nos poucos grãos de areia que o mar deixa nos circunflexos corpos com asas, com barbatanas, como tu, como nós,
E
(era o circo, e perdia constantemente, as coisas boas da vida, perdia relógios, perdia calendários, perdido eu, perdia-te sempre como perco as gaivotas de Maio, um barco indefinido, sombrio, no domingo, não estou, fui, como ela, fui e não regressei e não vou regressar...)
enquanto tu semi-nua, dizias-me com pequenos traços no chão agreste da terra adormecida que os meus olhos mudavam de cor, conforme os dias, as horas, as semanas, em Janeiro, em pelo verão
Verdes,
em Agosto, quando mergulhávamos no cacimbo, pareciam âncoras de cacilheiros esquecidos no Tejo, e no entanto, no meu cadastro
(Cento e setenta e cinco centímetros, branco ou caucasiano, olhos verdes – Verdes? - e foi visto pela última vez na zona do Roque Santeiro, vestia calças de ganga e t-shirt branca com pequenas formas geométricas estampadas no rosto)
verdes, verdes, verdes... como as ervas,
E ele não regressou dos olivais de Outubro, à volta de mim, pedaços de luz em decomposição, e esperava pelo comboio das dezanove horas, abria a porta, espreitava
às voltas, em círculos, como serpentes enfeitadas com veneno imaginário, como tu, imaginavas-me na aula de geometria descritiva, ou em termodinâmica... ou em mecânica dos materiais, e pelos vistos, eu, sem tu o saberes, há muito tinha desaparecido...
O comboio partia, e ninguém tinha poisado o pé sobre a plataforma em cimento sonífero como as plantas do teu Outono, ao contrário do meu, e ninguém a poisar um saco, uma simples mala, nada, e depois de três apitos fortíssimos, ela lá ia, lá ia até encontrar um poiso com olhos verdes, como os teus, como os teus, esses braços... que nunca abracei.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 13 de março de 2012

Cacimbo desgovernado

Confuso
Porque o silêncio se acorrenta às gaivotas da noite
E dentro da solidão
Uma criança
Inventa sombras na água do mar

Uma criança
Finge que esqueceu a ilha do Mussulo
A baía
Finge que os machimbombos eram pássaros
Suspensos nas mangueiras do quintal
Finge…

Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado
E derreteu-se antes de acordar o dia

Confuso
E dentro da solidão
Um espelho confuso
Inventa sombras nas mãos da criança
Quando a noite se evapora nos limos embalsamados do desejo
Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado

Uma criança

(Uma criança
Finge que esqueceu a ilha do Mussulo
A baía
Finge que os machimbombos eram pássaros
Suspensos nas mangueiras do quintal
Finge…)

Antes de acordarem as palmeiras dos teus olhos.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A solidão dos cigarros

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços
Cansados
Sem forças para acender a noite
Sem forças para folhear um livro de poemas

(conheço a solidão provocada
Sei que existe a solidão desejada
E cresce em mim a solidão
Nem provocada nem desejada
Cresce em mim a solidão dos cigarros)

Sem forças para folhear um livro de poemas
E dou-me conta das mangueiras
Tombadas no pavimento com cheiro a cacimbo
E sorrisos de criança

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços

E dou-me conta que não tenho braços
E que os livros de poemas arderam
Na sombra das mangueiras
E jazem na garganta do mar