quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012


50 x 60 Acrílico sobre tela – Francisco Luís Fontinha

Os desamados

(Às vítimas do caciquismo)

Os íntegros são desamados
Os incompetentes muito avaliados
Os barcos são desgovernados
Os rios apedrejados

Os mendigos são odiados
E os desempregados
Coitados
Encurralados

Os íntegros são desamados
E os com currículo algemados
Cansados
Dos políticos aleijados

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Nas tardes de Luanda

Em criança queria ser estilista e nas tardes de Luanda embrulhado em trapos e agulhas e picadelas de agulha construía vestidos para um parvalhão de um boneco apelidado de chapelhudo, e quando penso no Carlos Manuel pergunto-me,
- Qual o parvalhão que batiza um parvalhão de um boneco de chapelhudo,
E em sorrisos pregados na umbreira abraçados à sombra das mangueiras respondia
- Eu,
Queria ser estilista em criança e nas tardes de Luanda ouvia-se o mar quando descia do céu e poisava sobre o ferrugento triciclo onde o parvalhão do chapelhudo entre provas e desaprovas adormecia em corridas de taxímetro e os machimbombos em círculos e círculos e circos onde trapezistas e malabaristas e miúdas de minissaia dançavam sobre o arame invisível da noite,
- Eu Dizia-me ele quando nos sentávamos no jardim e conversávamos sobre sonhos e nunca me esqueço de quando me perguntou O que queres ser quando fores grande?, e eu pensava e eu pensava e engasgado no sorvete do Baleizão respondia-lhe Não ser grande,
Quero ser um petroleiro ziguezagueando nas nuvens do pôr-do-sol e alimentar-me de vento e de espuma do mar, e quando penso no Carlos Manuel pergunto-me,
- Parvalhão
Claro que me importo
Parvalhão que batiza um boneco de chapelhudo,
De ser grande e deixar de ver o mar a descer do céu e poisar sobre o ferrugento triciclo a tarde misturada nos silêncios do capim e dos pássaros fingindo que eram aviões E qual aviões menino E sempre soube que eram pássaros e sempre soube
- Claro que me importo,
Que o circo era a fingir, e sempre soube que a menina que andava a cavalo em frente ao portão do quintal era a fingir, e sempre soube que os petroleiros não ziguezagueiam e se ziguezagueiam é porque estão embriagados e tão pouco se alimentam de vento e de espuma do mar,
- Se me importo?
Claro que me importo quando passa por mim o Carlos Manuel com o chapelhudo ao colo que em criança queria ser estilista e nas tardes de Luanda embrulhado em trapos e agulhas e picadelas de agulha construía vestidos e hoje mora numa pensão de Cais de Sodré e quando acorda a noite veste-se de Marilú e senta-se numa pedra junto ao Tejo a enrolar cigarros e a chamar pelo mar,
- Parvalhão,
O mar.

(texto de ficção)

50 x 70 Acrílico sobre cartolina – Francisco Luís Fontinha

50 x 60 Acrílico sobre tela – Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012


50 x 70 Acrílico sobre cartolina – Francisco Luís Fontinha

50 x 60 Acrílico sobre tela – Francisco Luís Fontinha

blog Cachimbo de Água em destaque

Na tua boca

Na tua boca
As palavras dos meus versos sem nome
Que o desejo consome
E o amor cintila dentro da escuridão da noite

Na tua boca
Os meus lábios em desespero ardente
Um verso com corpo de gente
E olhos de mar

Que voa sem parar

Na tua boca
As flores cansadas de voar
As gaivotas que deixaram de florir
Na cidade louca
Com ruas a abarrotar
E um rio a sorrir

Que voam sem parar
As palavras dos meus versos sem nome
Que o desejo consome
Antes de acordar

domingo, 26 de fevereiro de 2012

As sílabas de sofrer

Desejar não desejando
As palavras tristes da noite
Que escrevo na mortalha da insónia
Pego num livro e finjo adormecer
Dentro dos lençóis amarrotados debaixo da claraboia do silêncio
Desejar não desejando
As sílabas de sofrer
Nas vogais amando
Viver sem viver
Viver sofrendo

sábado, 25 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Desencontro

Procuro por ti
Entre todas as luzes da noite
Dentro de todas as janelas da cidade
Em todos os rios sem barcos
Procuro por ti junto às amoreiras
Quando acordam pela manhã

Procuro por ti em todos os charcos
E não te encontro
E apenas pingos de saudade
Pregados aos braços das mangueiras

Procuro por ti
Entre todas as luzes da noite
Dentro de todas as janelas da cidade
E não te encontro

Procuro por ti em todos os mares
Quando as gaivotas sem nome
Sem mãos
Correm com fome

E não te encontro.

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Miseravelmente só

Miseravelmente só
Olhando um rio sem nome
Num país inventado
Miseravelmente só dentro das mãos do oceano

À procura de palavras
Fabricando nuvens de fumo com sabor a silêncio
Erguem-se fatias de pão das rochas ingremes da noite
Quando uma criança dorme nos braços do pôr-do-sol

Quando de um livro acorda um corpo cansado
Mutilado
Prisioneiro de um muro de betão
Ao cair da noite

Ao cair da vida

Miseravelmente só
Sentado fingindo viver
Fingindo sentado miseravelmente só
À espera de morrer…

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Manhã sem janelas

Das mandibulas do sofrimento
Cresce um ramo de flores sem cor
Um ramo de flores sem nome
Pregado às nuvens invisíveis que cobre a floresta
Das mandibulas
Do sofrimento
Um rio desgovernado nunca chegará ao mar
Transformando-se em beijo
Nos lábios travestidos do desejo
Quando na manhã sem janelas
O meu rio cansado
Morre dentro das rochas ingremes da saudade
Os meus cigarros adormecem
Nas mãos do rio cansado
E na pedra onde me sento
O ramo de flores sem cor
Sem nome
A mim abraçado.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Livro de poesia

Há quem me chame de tudo
Há quem me ignore não me chamando de nada
Simplesmente baixando a cabeça
Simplesmente me comparando com uma pedra de calçada
Há quem diga que sou louco
Há quem pense que vivo num mundo de fantasia
Há quem me chame de tudo
De tudo um pouco
Há quem me ignore não me chamando de nada
Como se eu fosse um livro de poesia
Abraçado a uma gaivota cansada
Refém na madrugada

Os grãos de areia da noite

O que nunca tive
E pensava que tinha
Quando tudo se perde
Entre os grãos de areia da noite
Ceram-se as janelas
E extinguem-se as luzes de néon adormecido
E evaporam-se todas as estrelas do céu
E todos os barcos morrem na madrugada

Perder o que nunca tive
Dormir quando não tenho sono
Porque tudo o que tinha
Perdeu-se entre os grãos de areia da noite
E agora não tenho nada.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O último cigarro da noite

Cerro a janela dos sonhos, pego no mar que pintei na parede do meu quarto e guardo-o na gaveta da cómoda juntamente com velhos papéis amarrotados pelo cansaço do vento, sento-me na cadeira de vime e enrolo o último cigarro da noite, acendo-o e espero, acendo-o espero que os meus braços se transformem em rocha e que nas minhas mãos cessem as lágrimas da primavera, uma gaivota parvamente me sorri, e dou-me conta que amanhã posso não ter tempo pra desfrutar o último cigarro da noite.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Espelho da insónia

Olho-me no espelho da insónia
E pergunto-me
E pergunto-me que farei amanhã
Quando acordarem sobre mim os sonhos de hoje
Pergunto-me porquê
(Lágrimas no sorriso dos pedacinhos de xisto
Adormecidos na noite
Quando todos os relógios fingem dormir
Sobre um ramo de flores
Junto ao rio)
Pergunto-me quem serei amanhã
E o espelho da insónia responde-me alegremente - Nada.

domingo, 19 de fevereiro de 2012


59,4 – 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Triângulos da tarde

A prisão invisível da manhã
Em pedacinhos de luz
Suspensos no cortinado da solidão

Puxo de um cigarro
E sinto que na minha mão
Gemem as palavras abraçadas aos triângulos da tarde
E quando acordar a noite
Um círculo de medo esconde-se no espelho do mar
E o meu corpo em desassossego dorme
Finge sonhar
Num jardim de claraboias com vista para o tejo

A prisão invisível da manhã
Em pedacinhos de luz
Suspensos no cortinado da solidão
E ao longe uma ponte de sorrisos saltita nos orgasmos do rio
Um barco esconde-se dentro da madrugada pintada
Nas páginas de um livro
Puxo de um cigarro
E sinto que na minha mão

Brincam as palavras no silêncio da manhã.

sábado, 18 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

A solidão dos plátanos

Finge-se de morto – O Poema
Quando poiso a caneta invisível na sua mão
E olho-o e ele olha-me – O poema
Seminu na garganta do cansaço
À mercê dos olhos de uma árvore
Longe da janela
Onde desaparecem as escadas em direção ao céu
E erguem-se mandibulas nas cores das estrelas

Crescem poemas na solidão dos plátanos
E num jardim imaginário
Descansa a solidão
No desejo das palavras

Finge-se de morto – O Poema
Quando poiso a caneta invisível na sua mão
E olho-o e ele olha-me – O poema

Que sobejou das minhas noites de insónia.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Jardim


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Longa história

(a Uma Longa História, Gunter Grass)

Há sempre uma longa história
De amor
Sofrimento
Ou dor
Uma longa história
Que desce em nós até adormecermos
Uma história de miséria
Que não se apaga da memória
Há sempre uma longa história
De amor
Sofrimento
Ou dor

Quando a vida deixa de girar
Quando as árvores tombam nas arcadas do vento
Há sempre uma longa história
Que nunca se cansa de gritar

Que nunca cessa o movimento.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Inferno


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Espelho


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Há sempre um sonho

Há sempre um sonho
Uma árvore
E um rio
Há palavras que se suicidam
Na madrugada
Nas mãos de um livro

Há um homem cansado
Abraçado a uma tela sem nome
Numa rua sem saída
Com fome

Há sempre um sonho
Uma árvore
E um rio

Um rio que nos come.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O que me resta?

O que me resta? E quase nada lamentava-se o francisco quando o espelho em gemidos de luz lhe perguntava,
- O que te resta francisco E ele agachado na sombra do pavimento respondia Quase nada,
Livros, cachimbos, quadros e papeis, muitos, saliva que fui guardando na algibeira da insónia e que de nada me servem, os livros, e se ao menos dessem para comer
- Imagino-me a comer Crime e Castigo, Imagino-me a comer A Insustentável Leveza do ser, Imagino-me a comer A Comissão das Lágrimas e porra, enquanto mastigo sinto a voz da cristina dentro da minha cabeça. Minto, enquanto mastigo sinto a voz da cabeça da cristina dentro da minha cabeça, e faço uma pausa,
O mar de Luanda, mas por muito que eu sonhe sei que é impossível comer o mar de Luanda, e por muito que eu sonhe sei que é impossível comer os machimbombos, as gaivotas, a baía, e por muito que eu sonhe
- A comissão das Lágrimas quase todinha mastigada e aos poucos a voz que vivia dentro da cabeça da cristina abraça-se ao capim e desaparece nos lábios do cacimbo,
A morte quando tudo dorme debaixo de um candeeiro a petróleo, a morte que sobeja do canto da boca ao terminar de mastigar
- Há dois meses que não como peixe,
A voz da cristina abraça-se ao capim e desaparece nos lábios do cacimbo,
O que me resta?
Livros, cachimbos, quadros e papeis, muitos, saliva que fui guardando na algibeira da insónia e que de nada me servem, os livros, e se ao menos dessem para comer, eu juro que os comia,
- Peixe, Deixei de comer peixe,
E por muito que eu sonhe
- O que me resta?
E por muito que eu sonhe nada me resta.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 . Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Manhãs sem vista para o mar

São assim as manhãs
Tristes
Cansadas
Sofridas
São assim as manhãs
Dentro de um corredor frio e escuro e comprido

Sem vista para o mar

São assim as manhãs
Abraçadas à saudade
Tristes
Cansadas
Sofridas
Na garganta da cidade

Sem vista para o mar

São assim as manhãs
De inverno
Inferno

No espelho do luar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Ficções - Francisco Luís Fontinha


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Amor Proibido


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha
Que o amor seja livre e sem preconceito.

Vidas cruzadas


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

A tua mão

Não sabia o que eram rosas
Dálias
Malmequeres
Não sabia que quando tocava os crisântemos
Eles sorriam
E me olhavam

Não sabia que dentro dos livros
(do António Lobo Antunes)
Viviam pessoas
Iguais a mim
Que sofriam
Que amavam
Que morriam

Não sabia
Que no mar vivia poesia
Palavras abraçadas à maré
Não sabia como acreditar e ter fé

Tanta coisa que eu não sabia
E aprendi com a tua mão.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O medo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Mpingo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Janela


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Casa da insónia


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Livro


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Vida sofrida

A vida sentida
A vida sofrida
A vida sem medida
Da minha vida perdida

(A vida
A minha puta de vida)

A vida sem sentido
A vida que vive na escuridão
Adormecer
Viver
A vida de solidão

A vida sentida
A vida sofrida
(A vida
A minha puta de vida)

Viver sem coração.

Literatura


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sono


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Interruptor da solidão

O que as pessoas dizem
(meu deus)
E pensam a meu respeito
Que sou louco
Sem futuro
Sem passado
E que necessito de um psicólogo
Ou de um psiquiatra
O que as pessoas dizem
E pensam a meu respeito
E não gosto de psicólogos
Porque me roubam as palavras
E não gosto de psiquiatras
Porque me roubam os sonhos
O que as pessoas dizem
(meu deus)
E pensam a meu respeito
Que sou louco

E não gosto de psicólogos
Porque me roubam as palavras
E não gosto de psiquiatras
Porque me roubam os sonhos

O que as pessoas dizem
(meu deus)

E pensam a meu respeito

E eu só preciso de uma sandes de presunto
E de uma caneca de Tinto
E uma fogueira de livros

E desligar o interruptor da solidão.

Silêncio


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Olhares


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Algibeira dos sonhos


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Biblioteca


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Crucifixo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Cabeça de xisto

A mulher flutua
Nas mãos do impostor
E o homem com cabeça de xisto
Traz na algibeira meia dúzia de côdeas
Três os quatro grãos de tristeza
E uma lanterna

A mulher nua
Nas mãos do impostor
Percorre as ruas da cidade
E a cada milímetro de cansaço
O homem com cabeça de xisto
Puxa dos cigarros
E na parede da solidão cola as frases emersas em fumo
E saliva do mar

Desce a noite
E abraça-se ao corpo nu da mulher
E da lanterna
Pingos de seiva caiem sobre a mesa da cozinha
Onde brinca uma toalha de linho
E pratos de flanela suspiram orgasmos literários…

A mulher flutua
Nas mãos do impostor
E o homem com cabeça de xisto

Morre.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Entre paredes de vidro

Entre o silêncio e a morte
De viver sentado numa rocha de xisto
À espera do mar
Sem saber se existo
Entre o silêncio e a morte
Dos cigarros afogados no rio
Entre paredes de vidro
Resisto
E choro
Quando na madrugada se extinguem os sonhos
E uma nuvem de cansaço
Poisa sobre o meu corpo derretido
Magoado
Entre cigarros e palavras de desalento
As paredes de vidro
Os buracos por onde passam as lágrimas
Os fios de sémen agachados na areia finíssima do Mussulo
Sem vento
Cansado
Eu mergulho
À procura dos cigarros afogados no rio
Sem frio
Derretido na palma da mão de deus
Magoado
E choro
Entre paredes de vidro

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Conversas de cachimbo

Há um cachimbo que chora
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora,

Batem à porta
E sei que é o mar para entrar
E o cachimbo que chora
Nas minhas mãos a chorar,

Há um homem só
Que conversa com o cachimbo que chora
Com o mar à espera para entrar
Há silêncio misturado no fumo
Quando as palavras desgovernadas
Rompem noite dentro
Como se fossem um cortinado pendurado na garganta do cachimbo…
Sem janela
Envelhece o homem só,

Há um cachimbo que chora
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora,

E tal como os sonhos
Como o amor
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora e tem dor,

Sou o homem só
Que conversa com o cachimbo que chora,

E o mar à minha espera
E a espuma do mar dentro da boca do cachimbo…
Há um homem que chora
Agarrado a um cachimbo só
Há silêncio misturado no fumo
E sei que é o mar para entrar.

Noites de Insónia


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

A solidão dos cigarros

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços
Cansados
Sem forças para acender a noite
Sem forças para folhear um livro de poemas

(conheço a solidão provocada
Sei que existe a solidão desejada
E cresce em mim a solidão
Nem provocada nem desejada
Cresce em mim a solidão dos cigarros)

Sem forças para folhear um livro de poemas
E dou-me conta das mangueiras
Tombadas no pavimento com cheiro a cacimbo
E sorrisos de criança

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços

E dou-me conta que não tenho braços
E que os livros de poemas arderam
Na sombra das mangueiras
E jazem na garganta do mar

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Bem pago Mal pago

Tem razão sua excelência o senhor primeiro ministro de Portugal, concordo que seja mal pago.
Bem pago sou eu, desempregado e sem subsídio de desemprego a viver da misera reforma dos meus pais, e quase a passar fome.
Eu sim, Eu sou muito bem pago.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Manhãs de sofrer

Todas as portas se encerram
E todas as janelas fingem adormecer
Todas as paredes encolhem
Nas manhãs de sofrer,

Em todas as noites um livro se revolta
Quando olha o espelho de ontem e um travestido
Esqueleto brinca com um papagaio de papel
(Todas as portas se enceram
E todas as janelas fingem adormecer)
E à minha volta
Um poema sofrido
Em gemidos de mel…

Auto Retrato


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Os gemidos da Marilú

Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, e que saudades da Marilú que das águas furtadas da Ajuda escrevia orgasmos no sorriso de petroleiros e cacilheiros e ainda tinha tempo de poisar a mão sobre os carris em direção a cascais,
- É para hoje oh Filho?
Cansado de ser enrabado e nem sequer um pequenino Ai de prazer posso prenunciar, não posso porque ainda aparece alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas
- E claro que é para hoje Porque se não fosse para hoje não estava aqui,
Sobre a mesa-de-cabeceira, e do espelho, e do espelho as palavras que no final do dia, mesmo entre o fim de tarde e princípio da noite, começavam a acordar nas minhas mãos enquanto em Cais de Sodré um homem triste e cansado e desiludido, Piegas não, e desiludido segurava uma garrafa de vodka e pegava nas palavras, e pegava nas palavras como se fossem grãos de pólen, Coca? Qual Coca sua parvalhona, Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Quem falou em garrafa de vodka? Uma pessoa descuida-se um pouco e vocês logo em parvoíces, só bastou cruzar os dedos, só bastou olhar para a janela porque o mar estava a chamar-me, e pimba, Piegas,
- Há cada Canhão!!!! Uma garrafa de vodka com lábios… e já agora os orgasmos da Marilú tinham asas, e já agora vou ter de emigrar, e já agora
Engraçado, se não tivessem asas como chegavam aos petroleiros, se não tivessem asas como chegavam aos cacilheiros, e se não tivessem asas como poisavam os orgasmo a mão nos carris para cascais,
Claro que tinham asas, e já agora que estamos a falar de asas, sabes uma Coisa? Não não sei, O que é ser Piegas?
- Não sei Mas deve ser alguém muito importante, Porque se não fosse importante não falavam nele,
Nele ou nela?
Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas, e dançava e dançava e dançava…

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Pergunto-me

Quando o mar cessar nas paredes do meu quarto estarei eu morto? Pergunto-me antes de adormecer,
Pergunto-me se deus é feliz sentado numa cadeira e me olha, pergunto-me se o mar deixar de me visitar
- O que será de mim? Pergunta-se ele antes de adormecer,
Sentado numa cadeira e me olha e sorri, e eu, e eu pergunto-me antes de adormecer
- Quando o mar cessar nas paredes do meu quarto estarei eu morto?
E sorri quando me olha,
Pergunto-me e canso-me de lhe perguntar.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha