|
foto: A&M ART and Photos
|
A demolição do meu corpo dentro do cubo de
silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da
casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao
fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais
os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das
traseiras,
Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu
recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se
a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o
processo de construção, levantava-me pensando que não me
levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e
repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende,
confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para
dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o
avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e
eu
(sabia lá quem era o Zé Amaro...)
E ainda agora desconheço a quem pertencem os
pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu
(penso)
Será uma reunião sindical? Será uma manifestação?
Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que
vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de
madeira...
(dedico a todos)
A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de
cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João
& João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone
silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se
nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor
dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e
brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite
herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi,
mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos
candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e
mão dada, como andorinhas de Primavera,
(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos
os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase...
“Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a
música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)
A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em
mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de
palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos
recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola
sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa
(Aleluia, Aleluia, Aleluia)
Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no,
não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,
E agora, depois de se erguer e dirigir-se para
outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas,
que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de
eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?
Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha
não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me
casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém
tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba,
estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja
vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou
por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o
destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio
Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo
E dizia-lhes
(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa
ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua
ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças
ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de
esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado
acusam-nos de traição
sabemos que estamos vivos ou condenados a este
corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam
cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o
desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da
alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
lá fora mário
longe da memória lisboa ressona
esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que
caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que
falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não
ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário
sobre o tejo um apito”
AL Berto)
E dizia-lhes o quanto é difícil viver
desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra
que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e
ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela
se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de
existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um
número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um
número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje,
vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter
esperança no
(viva, viva o artigo 21 da Constituição)
Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia
de hoje, e pergunto-me
(não devia ser inconstitucional existirem reformas
abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)
Dizem-me para não repetir o que disse...
Porque isso não se diz, porque inconstitucional é
a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer
rendimento ainda não é nem será inconstitucional...
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase...
“Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a
música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha